No dia 18 de dezembro de 2021, Afife Felício Braz, a Dona Afife, atingiu uma marca impressionante: completou 100 anos de vida. Uma celebração para poucos. Segundo a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), apenas 1.160 mulheres têm 90 anos ou mais em Bauru, ou seja, 0,3% do total da população. Mais impressionante ainda é completar um século de existência com tanta saúde, lucidez e bom humor.
Com calma e paciência, ela busca na memória os detalhes da longa trajetória. Nascida em Bauru, é filha de Elias Felício e Cecília Felício, que saíram do Líbano para tentar a vida no Brasil. O casal teve oito filhos: Alzira, Vitória, Antônio, Olga, Afife, Célio, José e Iete. Dona Afife, aliás, é a terceira entre os irmãos a comemorar 100 primaveras.
Teve uma infância difícil depois da morte do pai, aos 38 anos, vítima de uma rixa com um vizinho. A partir daí, passou a ajudar a mãe até casar-se. Na primeira vez, com Luiz Ricardo, teve duas filhas: Nilza e Angela (falecida). Ficou viúva e depois conheceu o segundo marido, Sebastião Braz, com quem viveu mais 30 anos e de quem sente muita saudade. Ele faleceu em 2014 e hoje ela mora com a filha mais velha. Dona Afife ainda tem quatro netos e três bisnetos.
Católica, credita a Deus o segredo da longevidade. E continua fazendo planos. Ainda sonha em aprender violão. "Quem sabe? Tem muitas músicas antigas que eu gostaria de tocar", acredita Dona Afife.
É ativa e esbanja muita saúde. No ano passado, retirou um tumor do intestino, descoberto precocemente. A cirurgia foi um sucesso e ela não precisou de quimioterapia ou radioterapia.
O aniversário de 100 anos foi comemorado em uma grande festa com familiares e amigos. Entre os convidados estavam os três sobrinhos maestros, Amilson, Adylson e Amilton Godoy, renomados músicos bauruenses.
Para marcar a celebração, a família distribuiu um livreto com memórias da Dona Afife. Como ela mesma definiu nas páginas finais: "Minha vida, assim como de muita gente, é assim. Alegrias e dores, dificuldades e amores, sonhos e aventuras, saudade."
Em entrevista ao JC, ela contou alguns dos principais pontos de sua trajetória. Confira.
Jornal da Cidade - A senhora é nascida em Bauru, mas os seus pais vieram do Líbano. O que trouxe eles ao Brasil?
Afife Felício Braz - Vieram tentar a vida. Papai desembarcou no Rio de Janeiro em 1910, uns anos depois veio para Bauru. Começou a mascatear até juntar um dinheiro para construir a primeira lojinha. Ficava na rua Araújo Leite com a Júlio Prestes, onde vendia tecidos. Depois, construiu a fonte Santa Cecília, foi o primeiro a vender água em Bauru. Mas papai foi assassinado em 1929, aos 37 anos. Deixou oito filhos para minha mãe criar sozinha. Eu tinha 8 anos.
JC - E como foi que a Dona Cecília conseguiu cuidar de todos?
Dona Afife - Mamãe ia no sítio pegar banana para vender na cidade. Era longe, olha o sacrifício que ela fazia. Eu ajudava, tinha que andar bastante, não era fácil. Aí mamãe ganhou uma demanda (na Justiça). Com o dinheiro, montou um bar na rua Alice Vieira Ranieri, onde eu ajudava com os clientes. Foi lá que conheci o Luiz Ricardo, meu primeiro marido. Trabalhei com ela 12 anos até me casar. Depois, mamãe vendeu o bar. Não tinha eu para ajudar, ela não quis ficar sozinha.
JC - Depois disso, com o quê a senhora foi trabalhar?
Dona Afife - Fiz quibe para fora durante cinco anos. Levantava às 5h, eu mesma ia entregar, andava Bauru inteira. Nunca deixei faltar nada para as meninas. Depois, fui trabalhar no Sesi, fiquei 14 anos lá até me aposentar. Fazia de tudo, trabalhava até tarde, fechava a escola dez horas da noite. Meu primeiro marido me deu muito trabalho com a bebida. Ninguém queria o casamento, eu fui teimosa. Me arrependo até hoje. Quando ele faleceu, fiquei cinco anos sozinha até conhecer o Sebastião.
JC - E como era o relacionamento com o Sebastião?
Dona Afife - Era uma casa muito alegre, ele adorava tocar violão e eu cantava com ele. Nós temos dez músicas nossas registradas. Sempre gostei de música sertaneja, das mais antigas. Ele tocava muito bem de ouvido. Nunca estudou, aprendeu sozinho.
JC - Você e o Sebastião também ajudaram em ações da igreja?
Dona Afife - Sim. Fomos convidados a montar o Grupo da Terceira Idade na Igreja Aparecida, em 1999. Era muito gostoso. Antes da pandemia, a gente se reunia para fazer festas, bingos e viagens. Eu fazia rifas para pagar o ônibus, a gente gostava muito de ir ao sítio. Agora, está parado. Também ajudávamos na caridade.
JC - E o grupo pensa em voltar?
Dona Afife - A turma está querendo. Vamos ver se conseguimos fazer um passeio no sítio. A gente é de idade, não dá pra ir muito longe (risos).
JC - Fiquei sabendo que a família pede até hoje para a senhora cozinhar.
Dona Afife - Eles sempre me pedem charuto e quibe. E todo Dia de Reis (6 de janeiro) eu faço bolinho doce para receber os Reis Magos. Mamãe falava que eles benziam toda casa que está aberta à meia-noite. É um bolinho de massa frita, com calda de limão e erva doce.
JC - A senhora é a terceira centenária da família?
Dona Afife - Sim. Minha irmã Alzira chegou aos 107 anos e a Vitória morreu com 104 anos.
JC - E qual é o segredo?
Dona Afife - Não sei (risos)! Acho que é Deus, sempre rezei muito. Tendo Deus com a gente, temos tudo. Agora, quantos anos mais eu posso viver, só Ele é quem sabe.
Fonte: jcnet
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