O Irã negou "categoricamente" qualquer ligação com o ataque sofrido pelo escritor Salman Rushdie - e culpou o próprio escritor pela agressão.
Rushdie, de 75 anos, ficou gravemente ferido após ser esfaqueado no palco de um evento em Nova York, nos Estados Unidos, na sexta feira (12/8).
Autor do livro Os Versos Satânicos (Companhia das Letras), considerado uma blasfêmia por parte da comunidade muçulmana, Rushdie foi obrigado a viver escondido por dez anos após a publicação, em 1988.
Ele sofria ameaças de morte há 30 anos, desde que o governo do Irã emitiu uma fatwa (uma espécie de decreto religioso) com uma recompensa de milhares de dólares por seu assassinato.
Rushdie ainda está internado no hospital em estado crítico, mas está acordado e conseguindo respirar sem ajuda.
A mídia iraniana comentou extensivamente o ataque, chamando-o de "retribuição divina". A emissora estatal iraniana Jaam-e Jam deu destaque a uma notícia dizendo que Rushdie pode perder um olho após o ataque e afirmando que "um olho de Satanás foi cegado".
Na segunda-feira (15/8), o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã, Nasser Kanaani, deu a primeira declaração oficial sobre o assunto e disse que Teerã "categoricamente" nega qualquer ligação com o ataque, acrescentando que "ninguém tem o direito de acusar a República Islâmica do Irã".
Ele afirmou também que a liberdade de expressão não autoriza Rushdie a insultar a religião islâmica e culpou o escritor pelo próprio esfaqueamento.
"Neste ataque, não consideramos ninguém além de Salman Rushdie e seus apoiadores merecedores de culpa e até de condenação", disse o porta-voz em uma entrevista coletiva.
"Ao insultar os assuntos sagrados do Islã e cruzar as linhas vermelhas de mais de 1,5 bilhão de muçulmanos e todos os seguidores das religiões divinas, Salman Rushdie se expôs à raiva e à fúria do povo."
O porta-voz afirmou que o Irã não tem informações sobre o agressor de Rushdie.
Um porta-voz do primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, diz ser "ridículo" sugerir que Rushdie seja culpado pelo ataque, acrescentando que "não foi apenas um ataque a ele, foi um ataque ao direito à liberdade de expressão".
Antes, o secretário de Relações Exteriores britânico, David Lammy, havia pressionado seu governo a exigir urgentemente que o Irã peça desculpas e volte atrás sobre os comentários "verdadeiramente repugnantes".
O secretário de Estado dos Estados Unidos, Anthony Blinken, acusou a mídia estatal do Irã de se gabar do ataque, chamando o comportamento de "desprezível".
Ele disse em um comunicado que Rushdie defendeu "consistentemente os direitos universais de liberdade de expressão, liberdade de religião ou crença e liberdade de imprensa".
"Enquanto as autoridades policiais continuam investigando o ataque, me recordo das forças perniciosas que buscam minar esses direitos, inclusive por meio de discurso de ódio e incitação à violência", afirmou Blinken.
"Especificamente, as instituições estatais iranianas incitaram a violência contra Rushdie por gerações, e a mídia estatal recentemente se gabou do atentado contra sua vida. Isso é desprezível."
Blinken acrescentou que os Estados Unidos e seus parceiros usarão "todas as ferramentas apropriadas" à sua disposição para enfrentar essas ameaças.
Como parte do acordo de retorno das relações diplomáticas com o Reino Unido, o governo do Irã emitiu um comunicado nos anos 1990 afirmando que não apoiaria nem tentaria impedir ataques contra Rushdie.
No entanto, a fatwa que pediu seu assassinato continua ativa, porque só poderia ser revogada pelo líder que a emitiu - o aiatolá Khomeini, que morreu em 1989, alguns meses depois de publicar o decreto.
Em 2012, um fundação religiosa iraniana muito próxima ao governo afirmou que acrescentaria US$ 500 mil à recompensa pela morte de Rushdie.
No domingo, o filho de Rushdie disse que o autor ainda estava em estado crítico. "Embora os ferimentos sejam graves, seu habitual senso de humor agressivo e desafiador permanece intacto", disse ele.
A família ficou "extremamente aliviada" quando Rushdie foi retirado de um respirador no sábado, disse ele, acrescentando que seu pai conseguiu "dizer algumas palavras".
O agente do autor, Andrew Wylie, disse que ele teve os nervos cortados em um braço, danos no fígado e provavelmente perderá um olho.
O homem acusado pelo ataque de sexta-feira - chamado Hadi Matar, de 24 anos - se declarou inocente das acusações de tentativa de assassinato e agressão.
Ele é acusado de correr para o palco e esfaquear Rushdie pelo menos dez vezes no rosto, pescoço e abdômen.
- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62553350
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Fonte: correiobraziliense
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