27 de Novembro de 2024

'Bosco', a viagem de uma uruguaia às suas raízes em uma Itália em extinção


crédito: Pablo PORCIUNCULA / AFP

Uma aldeia na Toscana está a caminho de desaparecer: seus habitantes vão embora ou morrem conforme a floresta toma o local. Do outro lado do oceano, no Uruguai, um senhor conta sobre o lugar remoto de seus ancestrais para sua neta, que decide fazer um documentário.

A neta é Alicia Cano Menoni e o resultado é "Bosco", um filme que tece histórias nostálgicas de seu avô com as alegrias e tribulações dos últimos moradores de Bosco di Rossano e sua natureza indomável.

O longa-metragem, o terceiro da diretora uruguaia, venceu o prêmio de melhor documentário no Festival de de Málaga (Espanha) do ano passado e foi exibido em Cannes.

Após conquistar diversos prêmios internacionais, acaba de passar de sua décima segunda semana em cartaz no Uruguai, um sucesso inimaginável neste país. No final de agosto, passará a ser exibido também na Espanha e na Itália.

O documentário fala sobre “pertencimento, sobre o que resta dos dois lados do Atlântico depois de um século, depois de uma migração que ocorreu por necessidade e não por desejo”, disse Cano, de 40 anos, à AFP.

Seu tataravô foi um dos fundadores de Bosco. Seu avô Orlando nasceu na cidade uruguaia de Salto (norte) em 1917, depois que os Menoni emigraram devido à 1ª Guerra Mundial. Ele nunca tinha visto, nem mesmo em fotos, a aldeia de suas origens.

A cineasta cresceu escutando histórias sobre Bosco, e decidiu viajar para conhecer a cidade. Ao chegar, sentiu de imediato uma conexão com o lugar. Seus únicos 13 moradores a receberam "de braços abertos" e ofereceram-lhe uma casa para sua estadia. Ela voltou ano após ano.

"Fui a primeira a voltar depois dessa migração do início do século XX. Me receberam como a parente que voltava 'de l'America'", recorda.

Alicia gravava cada visita, embora sem ser muito claro porquê. A constatação de que tinha um documentário nas mãos veio depois de passar 13 anos filmando "obsessivamente" a vila e, paralelamente, o pátio da casa uruguaia de seus avós.

"Bosco" é uma reflexão sobre "o significado do lar e como aprendemos a nos despedir de coisas e pessoas queridas, para onde vai o que desaparece, em que se transforma", resume a diretora.

O enclave no meio das montanhas tem 123 casas. Doze são ocupadas por animais, nove são usadas como armazenamento de alimentos e apenas sete ainda são habitadas por pessoas. O resto está vazio, como mostram os primeiros minutos do filme.

Durante quase uma hora e meia, o espectador fica imerso em uma atmosfera de sonho: uma mulher que conta os passos ao subir um morro, outra que conversa com vizinhos mortos, cabras que invadem uma casa, um homem que fecha os olhos e "lembra" de paisagens que nunca viu.

A narração de Orlando Marciano Menoni, o avô, e Rita, a pastora de Bosco, retrata a passagem do tempo.

"As pessoas vão envelhecendo e têm que tomar decisões ligadas às perdas. As personagens aprendem e ensinam a se despedir das coisas", diz Cano.

Isso faz de "Bosco" um filme "muito universal, no qual todas as pessoas podem se espelhar", acrescenta.

E o que a sua própria obra a ensinou sobre desapego e despedida adquiriu um novo sentido em 2020 quando, aos 103 anos, seu avô faleceu. Para sua sorte, antes de partir, ele conseguiu ver boa parte daquela floresta pelos olhos de Alicia.

Fonte: correiobraziliense

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