Quando entregou suas armas, Eiber Andrade pensou que nunca mais voltaria a viver ilegalmente. Entretanto, o jovem ex-guerrilheiro agora desfolha com as mãos os arbustos de coca na região da Colômbia, onde a luta antidrogas fracassou e as promessas de paz do Estado afundaram.
Há cinco anos, Andrade, de 24 anos, abandonou a linha de frente das Farc. Após o acordo de paz com a sua guerrilha, ele pensou que poderia dedicar-se à agricultura em Catatumbo, fronteira com a Venezuela, onde está concentrado o maior número de plantações de drogas no mundo, segundo a ONU, 40.084 hectares em 2020.
Como muito dos 13 mil ex-combatentes, ele se sentiu enganado. O dinheiro que deveria receber como parte dos compromissos oficiais nunca chegou. Guerrilheiro desde os 10 anos, Andrade recorreu às lavouras ilegais para sobreviver com sua esposa da mesma idade e sua filha de três anos.
"Os presidentes que tivemos ainda não nos deram nenhuma ajuda", queixa-se à AFP enquanto arranca os arbustos cujas folhas são transformadas em pasta-base da cocaína.
Vários desmobilizados já voltaram a pegar em armas com os grupos dissidentes do acordo. Junto ao ELN, a última guerrilha reconhecida no país, eles operam nesta área onde a propaganda subversiva alerta para seu domínio.
Outros, pelo menos 330 segundo contagens independentes, foram mortos em um banho de sangue que o novo presidente, Gustavo Petro, promete parar ao denunciar o fracasso da luta antidrogas. Em quatro décadas, a operação deixou milhares de mortos entre policiais, militares, juízes, jornalistas, agricultores e pistoleiros contratados.
O primeiro governante de esquerda não quer mais prisões de coletores de coca. No país que mais produz a droga consumida nos Estados Unidos e na Europa, eles são o elo mais fraco da rede.
"Que Petro nos ajude (...) a ver o que podemos mudar, porque se não nos ajudar em nada, continuaremos com essas coisas e isso é um crime muito grande", sustenta Andrade.
Outros três ex-guerrilheiros trabalham diariamente com ele, em uma fazenda de seis hectares. Poucas plantações de café, cacau e banana se misturam entre a coca, mas nenhum outro cultivo é tão rentável quanto o proibido. Para cada quilo da pasta, os guerrilheiros pagam cerca de 400 dólares e depois revendem para os traficantes.
Embora o acordo de paz com as Farc tenha procurado acabar com um dos combustíveis da violência, o tráfico de drogas, os 142.783 hectares plantados na Colômbia são semelhantes aos de 2016, 146.139 hectares, de acordo com a última contagem das Nações Unidas.
Petro propôs aos países usuários, especialmente nos EUA, focar na prevenção do consumo. Em sua primeira visita a Catatumbo na sexta-feira (26), ele começou um diálogo com os plantadores de coca.
O presidente, que em sua juventude militou em uma guerrilha urbana que assinou a paz, promete uma reforma rural para potenciar a produção de alimentos e benefícios econômicos a quem deixar a atividade ilícita.
Anos atrás, Carlos Abril (25), que desde os 13 anos lutou ao lado das Farc, escutou promessas similares. Hoje se esforça para "não voltar" a se armar.
"Entramos no processo com essa alegria, com essa iniciativa de que veríamos uma nova Colômbia, em paz (...) mas a coca nos fez voltar (à ilegalidade) por necessidade", afirma.
Em um casebre de madeira com as plantações ao fundo, cerca de líderes rurais e cocaleiros formam fila frente ao novo governo. Vários estão ameaçados e são acompanhados por escolta oficial.
Para Elizabeth Pabón, diretora da Associação Rural de Catatumbo (Ascamcat), é o "momento perfeito" para deixar a coca.
"Recebemos com grande expectativa as palavras do senhor presidente Petro, que disse que não haverá erradicação forçada, nem fumigação(com químicos), mas que será algo acertado com as comunidades (...) é um alívio", afirma em nome de 6.000 agricultores.
Bandeiras com a sigla do Exército de Libertação Nacional enfeitam o caminho que levam até as plantações, assim como fotos do comandante guerrilheiro Antonio García e da cúpula do ELN, que está prestes a reiniciar os diálogos de paz com Petro.
O desarmamento dos rebeldes, concordam os cocaleiros, contribuiu para trocar a produção de coca pela venda de alimentos a "preços justos".
"Estamos dispostos a substituir (...) com um governo que vemos que o diálogo é mais fácil", comentou Wilder Mora, dirigente da coordenadoria de agricultores COCCAM.
Desde os anos noventa os cocaleiros protestam por "investimento social". Se Petro não cumprir, "seguiremos adiante com marchas(...) O pouco que temos conseguimos com as passeatas", adverte Pabón.
Fonte: correiobraziliense
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