Correspondente em Lisboa — O atual governo do primeiro-ministro António Costa, que tomou posse há apenas cinco meses, enfrenta sua maior crise diante de uma debandada no Ministério da Saúde, com o pedido de demissão da titular da pasta, Marta Temido, e de dois de seus principais secretários, António Lacerda Sales e Maria de Fátima Fonseca. Eles deixaram o cargo depois da morte de uma grávida em uma unidade do sistema público no último sábado. A mulher, de 34 anos, havia sido transferida, dias antes, do Hospital Santa Maria para o São Francisco Xavier, na capital portuguesa, por falta de vagas na área neonatal. O bebê sobreviveu. Portugal sofre, desde junho, com a escassez de médicos e enfermeiros, que tem levado à suspensão de atendimento a gestantes. A gritaria da população é geral.
O pedido de demissão de Marta Temido, que estava no ministério desde 2018, passando por três administrações, ocorreu na madrugada desta terça-feira (30/8), elevando a temperatura política e as críticas ao governo. Ela era a ministra mais popular da atual administração, e seu trabalho durante os dois primeiros anos da pandemia do novo coronavírus foi elogiadíssimo. Era corrente entre integrantes do Partido Socialista (PS), do primeiro-ministro, que Marta o sucederia nas próximas eleições. Tanto que, há um ano, ela filiou-se à legenda que comanda Portugal. Na carta em que anunciou sua renúncia, disse não ter mais condições de continuar no cargo.
Apesar de todo o desgaste, Marta deve permanecer no posto por mais duas semanas, até a reunião do Conselho de Ministros, marcada para 15 de setembro, mas, segundo António Costa, a escolha do substituto da demissionária deverá demorar. Ele ressaltou que se surpreendeu com o pedido de demissão da auxiliar e assinalou que, desta vez, não teve como segurá-la. O primeiro-ministro lamentou a morte da grávida no último sábado, porém, descartou que a saída de Marta do governo tenha a ver com o caso, classificado como uma fatalidade. Costa rebateu ainda as críticas da oposição, que pediu reformas no sistema de saúde. “Quem quer mudança na política tem que derrubar o governo”, afirmou.
A crise no Sistema Nacional de saúde (SNS) de Portugal explodiu no início de junho, início do período de férias. A falta de médicos e enfermeiros escancarou-se. Nos últimos anos, houve um grande número de aposentadorias e vários profissionais decidiram migrar para o setor privado ou ir para outros países da Europa em busca de salários melhores. Com isso, hospitais passaram a restringir o atendimento a grávidas. Áreas de obstetrícia foram fechadas em muitos momentos. A ministra demissionária tentou montar um plano para conter o caos, inclusive elevando o valor das horas extras pagas aos médicos. Mas de pouco adiantou.
A primeira morte por falta de atendimento a gestantes ocorreu no início de junho, em Caldas da Rainha, região Central de Portugal. Um bebê faleceu devido às condições precárias. Com os serviços restritos, tornou-se rotina grávidas se deslocarem pelo país em busca de apoio. O governo, no entanto, insistia que os casos eram pontuais, apesar das constantes queixas da população. O quadro se agravou-se de tal forma, que o Ministério Público e a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde abriram inquérito para apurar responsabilidades pela mais recente morte de uma grávida.
Representantes de sindicatos de médicos e enfermeiros asseguram que a situação do Sistema Nacional de Saúde de Portugal é insustentável se mantido o atual modelo de gestão. Recentemente, foi aprovado o novo estatuto para o setor, mas são muitas as dúvidas sobre a implantação das medidas. Os questionamentos, inclusive, são feitos pelo presidente da República, Marcelo Rebelo de Souza, que, numa conferência virtual da Universidade de Verão do PSD, o partido dele, disse que esperará pela regulamentação do novo estatuto para ver se o que será feito atenderá ao que todos esperam ou se os resultados serão conjunturais.
Ao ser questionado sobre a demissão de Marta Temido, o presidente acrescentou que não é “analista político”, contudo, destacou ter uma posição clara sobre o que deve ser feito para melhorar o sistema de saúde de Portugal. “Eu tenho uma preferência, não escondo há muito tempo sobre a forma de gestão do SNS, sempre no quadro público bem entendido, mais autônoma, mais independente do Ministério da Saúde, uma vez que a forma de dependência direta clássica demonstrou limites na sua eficácia”, destacou. No entender dele, é preciso enfatizar, ainda, que a população de Portugal está envelhecendo, e o sistema não se preparou adequadamente para lidar com o aumento da demanda.
Antes de pedir demissão do Ministério da Saúde, Marta Temido vinha alertando que os problemas enfrentados agora pelo Sistema Nacional de Saúde de Portugal foram se acumulando desde os anos de 1980. Não se ampliou o número de vagas nas universidades de medicina e, pior, criou-se enormes restrições para a entrada de profissionais estrangeiros no mercado português. Entre os mais prejudicados estão médicos brasileiros, que fazem fila para trabalhar no país europeu, mas não têm os diplomas reconhecidos.
Em meio a esses entraves, a oposição ao primeiro-ministro partiu para o ataque e mesmo aliados questionaram a grave crise enfrenta pelo Sistema Nacional de Saúde, que sempre foi apontado como referência. Líder do PCP, que apoia do governo, a deputada Paula Santos afirmou que a atual administração deve assumir suas responsabilidades e precisa agir imediatamente para recompor o atendimento à população. “O ministro que vier tem que salvar o SNS, mostrando a capacidade de reação do governo”, assinalou.
Vice-presidente do PSD, Miguel Pinto Luz afirmou que “foi preciso a morte de mais uma grávida” para que a ministra da Saúde fosse demitida. Para ele, o governo sempre colocou “sua ideologia à frente do que era mais importante, a saúde dos portugueses”. Para ele, a saída da ministra ocorre tarde. “São urgentes políticas novas, mais do que novos protagonistas. A falência do SNS é de responsabilidade do senhor António Costa”, frisou. Segundo o presidente da Associação Portuguesa de Administradores de Hospitais (APAH), Xavier Barreto, o setor de saúde precisa de reformas urgentes e a ministra demissionária perdeu a capacidade de liderar esse processo.
Fonte: correiobraziliense
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