Amor e ódio, admiração e cólera. Mikhail Gorbachev — ou "Gorbi", apelido dado pelos russos desde a década de 1980 — conseguiu atrair sentimentos antagônicos entre aqueles que viram uma superpotência se fragmentar em 15 repúblicas independentes, graças às medidas tomadas por ele. Com a perestroika ("reestruturação", em russo) e a glasnost ("transparência"), o ex-líder da União Soviética (URSS) promoveu uma abertura econômica e pavimentou caminho para a liberdade de expressão. Morto aos 91 anos, após longa doença, Gorbi continua a receber homenagens de chefes de Estado e de governo ocidentais, enquanto muitos russos tratam o seu legado com indiferença. Ele será sepultado, no sábado, ao lado da esposa, Raisa, no cemitério Novodevichy, em Moscou.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, declarou que "Mikhail Gorbachev foi um político e um estadista que desempenhou papel influente na história mundial". "Ele liderou este país em um período de mudanças radicais, bem como desafios de grande escala enfrentados pela política externa, pela economia e pela sociedade. Ele sentiu que a reforma era necessária e se esforçou para encontrar suas próprias soluções para questões candentes", disse. Gorbachev jamais se pronunciou sobre a invasão russa à Ucrânia, mas sua fundação pediu à Putin "o fim das hostilidades e o início imediato de negociações de paz".
A Casa Branca divulgou nota em que classifica Gorbachev como "um homem de visão notável". "Como líder da URSS, ele trabalhou com o presidente Ronald Reagan para reduzir os arsenais nucleares de ambos países, para alívio das pessoas em todo o mundo que oravam pelo fim da corrida armamentista nuclear. Depois de décadas de brutal repressão política, ele abraçou as reformas democráticas", afirmou. Segundo o governo dos EUA, Gorbachev acreditava na glasnost e na perestroika não como meros slogans, mas como um rumo para o povo da União Soviética, depois de muitos anos de isolamento e privação. O presidente Joe Biden chamou Gorbi de "líder excepcional".
Para o presidente da França, Emmanuel Macron, Gorbachev era "um homem de paz". O premiê italiano, Mario Draghi, enalteceu o fato de o ex-líder sovético sempre ter se colocado contrário a uma "visão imperialista da Rússia". A ex-chanceler da Alemanha Angela Merkel disse que Gorbachev "mostrou, pelo exemplo, como um único estadista pode mudar o mundo para melhor". "(Ele) Também mudou a minha vida de maneira fundamental. Nunca vou esquecê-lo", comentou Merkel, que passou a infância na Alemanha Oriental. Frank-Walter Steinmeier, presidente da Alemanha, agradeceu ao falecido dirigente soviético pela "contribuição decisiva para a unidade alemã" e lembrou sua "coragem para a abertura democrática e a construção de pontes entre o Oriente e o Ocidente".
Em entrevista ao Correio, Lilia Shevtsova, chefe do Programa de Política Doméstica Russa do Carnegie Endowment for International Peace (em Moscou), admitiu que Gorbachev tem "simbolismos diferentes para várias 'Rússias'". "Para a Rússia democrática, ele significa a tentativa de cima para tornar o sistema soviético humano e a liberalização da sociedade. Seu tempo foi a era da esperança para a democracia. Para a Rússia nacionalista e imperialista, ele representa o desastre e o enfraquecimento da Grande Potência. Gorbachev será uma força divisória para a Rússia até que ela chegue a um consenso sobre seu destino. No momento, ele é o anti-herói da Rússia."
Professor de história e especialista em União Soviética pela London School of Economics (LSE), o russo Vladislav Zubok lembrou ao Correio que, para os compatriotas, Gorbachev tinha e terá duas faces. "Uma abrindo os russos para a liberdade e para o mundo. Outra que escancarou a porta para o colapso, o caos, a miséria repentina e a incerteza. Em Roma havia o deus Janus. Gorbachev será 'retratado' como esse deus", disse.
Segundo Zubok, a glasnost encampada por Gorbachev permitiu que os soviéticos falassem, expressassem seu descontentamento e perdessem o medo. "Para as pequenas repúblicas da URSS, isso significou uma oportunidade para formar movimentos nacionalistas e exigir direitos, até que houve a secessão da União Soviética. Por sua vez, a perestroika prometeu mais comida sobre a mesa, mas os alimentos começaram a desaparecer por completo", comentou.
A fome levou os russos a se distanciarem de Gorbachev e a apoiarem Boris Yeltsin. Como resultado, destacou Zubok, dois líderes se sobressaíram em Moscou: um velho e um novo, Gorbachev e Yeltsin. "O novo viu uma chance de se livrar de Gorbachev. Nesse processo, a URSS foi dinamitada a partir de seu núcleo, Moscou", observou.
Gunther Rudzit — professor de relações internacionais da ESPM — admitiu que os russos sempre reclamarão de Gorbachev pela queda do poder nacional. "Putin chegou a dizer que o maior erro geopolítico foi o fim da União Soviética. No entanto, o grande problema é que a URSS não tinha condições de tentar competir militarmente com os EUA. "A URSS tentar manter a mesma estrutura militar, com ajuda financeira a parceiros e a grupos revolucionários no mundo inteiro era algo insustentável. Além disso, a economia também não sobreviveria, face às idiossincrasias do próprio sistema."
"Mikhail Gorbachev é o único líder contemporâneo de nossos tempos que conseguiu mudar seu próprio país e a nova ordem mundial. Ele acabou não apenas com o comunismo, mas com a Guerra Fria. Ele libertou a Europa Central e o Leste Europeu, e deu aos alemães a chance de se unirem. Suas ações foram decisivas para o fim da Cortina de Ferro, e o Ocidente não estava pronto para isso. O Ocidente até hoje tenta resolver as consequências das ações de Gorbachev. Ele também será lembrado por rejeitar a ameaça nuclear como mecanismo de sobrevivência da União Soviética. Esse legado está sob ameaça."
"A ação mais decisiva de Gorbachev foi não fazer nada, quando o Leste Europeu percebeu que os tanques soviéticos não começariam a se mover contra 'revoluções' pacíficas. Isso é um grande contraste com Vladimir Putin em 2014 e agora, com relação à Ucrânia. O presidente da Rússia busca desafazer o que o último líder soviético havia feito."
"Nunca pedi permissão a Mikhail Gorbachev para escrever sua biografia. Em vez disso, eu avisei a ele que escreveria o livro e solicitei sua cooperação. Fui o biógrafo de Gorbachev. No decorrer de muitas entrevistas com Gorbachev, vi um homem afetuoso, informal, natural e com um senso de humor maravilhoso. Ele não pediu com antecedência as perguntas que eu faria. Nem insistiu que seu próprio intérprete estivesse presente nas entrevistas, uma vez que eu (e minha esposa, que lecionava russo) falávamos o seu idioma. Entrevistei Gorbachev por oito vezes e me encontrei com ele em seminários e outros eventos em outras sete ocasiões.
Gorbachev é um símbolo, tanto do alto idealismo que o levou a tentar democratizar a União Soviética e a transformar a Guerra Fria em uma nova era, como do fracasso daquele esforço épico. Seus principais legados foram inspirar outros a buscarem melhor seus país e o mundo, e alertá-los de que é imensamente difícil realizar mudanças tão abrangentes.
Não fosse por Gorbachev, a Cortina de Ferro jamais teria vindo abaixo. Não fosse por ele, a Guerra Fria não teria acabado, já que seus parceiros para a paz, como Ronald Reagan, Margaret Thatcher, François Miterrand e Helmut Kohl, não teriam um aliado sovético disposto a pôr fim à confrontação.
Ao abrir a União Soviética à liberdade de expressão, e ao criar as primeiras eleições livres do país e o primeiro Parlamento genuíno, Gorbachev destruiu o totalitarismo soviético, mas também abriu caminho para que comunistas linha-dura e democratas radicais o forçassem a abandonar o cargo."
Os inspetores da ONU chegaram à área da usina nuclear ucraniana em Zaporizhzhia, onde pretendem estabelecer uma "presença permanente" para "evitar um acidente" na central ocupada pelas tropas russas. "Vamos tentar estabelecer uma presença permanente a partir desse momento", disse Rafael Grossi, diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a agência nuclear da ONU. O objetivo, conforme detalhado na cidade de Zaporizhzhia (sul da Ucrânia), a 50km da central, é "evitar um acidente nuclear e preservar esta importante usina atômica", a maior da Europa, acrescentou. Pouco antes da chegada dos inspetores, as autoridades ucranianas acusaram a Rússia de novos bombardeios em Energodar, cidade onde está localizada a usina. A missão da AIEA, composta por 14 inspetores, planeja entrar na instalação ainda hoje.
Fonte: correiobraziliense
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