Quatro dias após o presidente Jair Bolsonaro dizer durante o debate presidencial de domingo (28/08) que seu colega chileno Gabriel Boric tinha "colocado fogo em metrô lá no Chile", a relação entre os dois líderes ficou ainda mais distante.
Em declarações à revista Time, publicada nesta quarta-feira, Boric disse que foi "esperança" ver o manifesto pela democracia no Brasil e que a América Latina deveria se unir em caso de o resultado eleitoral não ser aceito, evitando assim um "golpe" como o que, na sua visão, ocorreu na Bolívia em 2020.
A revista deu destaque a Boric, de 36 anos, em sua capa com o título "The new guard" ("A nova guarda", em tradução livre).
Presidente mais novo da história chilena, e ex-líder estudantil, ele elogiou o recente manifesto a favor da democracia no Brasil contra da possibilidade de Bolsonaro questionar o resultado eleitoral.
A pergunta da Time foi: "Neste momento, se fala muito sobre o que acontecerá no Brasil, caso o presidente Jair Bolsonaro não aceite os resultados das eleições de outubro. O que o senhor faria para apoiar a democracia brasileira, se isso acontecesse?".
Boric respondeu: "Gerou esperanças ver a 'carta de São Paulo' que teve um milhão de assinaturas a favor da democracia. Foi um sinal potente da sociedade civil brasileira. Se chegar a ocorrer uma tentativa, como ocorreu na Bolívia, quando acusaram fraude que não houve, e acabou sendo validado um golpe de Estado, a América Latina tem que reagir em conjunto para colaborar para impedi-lo".
Na Bolívia, o então presidente e candidato Evo Morales denunciou ter sido alvo de "fraude" e de "golpe" nas eleições presidenciais de 2019. Morales contou com apoio público de líderes regionais, como o presidente Alberto Fernández e sua vice e ex-presidente Cristina Kirchner, da Argentina.
Nos bastidores do Itamaraty, comenta-se que a relação entre o Brasil e o Chile costumava ser baseada numa "agenda positiva", que envolvia principalmente questões como o comércio bilateral e energias renováveis, sem os conflitos que costumam ser mais frequentes com a Argentina, pela maior intensidade política e econômica da relação.
Esse ambiente parece ser diferente a partir da posse do novo líder chileno, à qual Bolsonaro não compareceu, e desde as declarações do presidente brasileiro no debate do domingo.
"Lula apoiou o presidente do Chile também, o mesmo que praticava atos de tacar fogo em metrôs lá no Chile. Para onde está indo nosso Chile?", disse Bolsonaro.
Ele fez as declarações quando citou outros países da América do Sul, governados por presidentes que demonstram simpatia pela eleição do ex-presidente Lula, como Alberto Fernández, da Argentina, Gustavo Petro, da Colômbia, e Nicolás Maduro, da Venezuela.
Fernández visitou o ex-presidente na prisão em Curitiba, no Paraná, acompanhando o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Petro, por sua vez, disse a jornalistas brasileiras em Bogotá "que Lula vença", um dia antes de ser empossado no início deste mês de agosto.
A declaração de Bolsonaro sobre Boric foi negada pela ministra chilena das Relações Exteriores, Antonia Urrejola, que convocou o embaixador do Brasil em Santiago, Paulo Roberto Soares Pacheco, no dia seguinte ao debate, num sinal de insatisfação diplomática. Urrejola definiu os comentários como "falsos" e "gravíssimos".
Na terça-feira, Bolsonaro ratificou suas afirmações, ao dizer que "falou a verdade" sobre o presidente chileno, durante sabatina organizada pela União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs).
"O presidente chileno agora acabou de chamar seu embaixador. É a maneira que ele tem de demonstrar insatisfação comigo. Se exagerei ou não, não deixei de falar a verdade. O cidadão lá (Boric) teve apoio do cara (em referência a Lula) aqui do Brasil", afirmou, segundo reproduzido pela imprensa brasileira.
Em 2019, Bolsonaro elogiou o ditador Augusto Pinochet ao criticar a ex-presidente e socialista Michelle Bachelet.
"Se não fosse por Pinochet, que derrotou a esquerda, entre eles seu pai, em 1973, o Chile seria uma Cuba".
Bachelet, então Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que deixa o cargo nesta quarta-feira, tinha criticado a violência policial brasileira.
O pai dela, o general Alberto Bachelet, que trabalhava no governo de Salvador Allende, derrubado por Pinochet, foi torturado e morreu na prisão. Ele era contra o golpe.
Neste domingo (04/09), o Chile realizará o plebiscito para aprovar ou rejeitar a nova proposta de Constituição nacional. A atual data de 1980 e foi implementada durante a ditadura de Pinochet.
As pesquisas de opinião apontam que a rejeição é maior que a aprovação ao novo texto, que já recebeu respaldo de Boric.
O plebiscito foi convocado após os protestos de 2019 como uma forma de atender às demandas contra a desigualdade social estrutural no país que era, até então, apontado como modelo econômico e social na região.
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62745627
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Fonte: correiobraziliense
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