No dia em que o mundo reagiu com indignação à descoberta de mais uma cova coletiva na Ucrânia, o presidente da China, Xi Jinping, expressou "preocupação" com a guerra, durante reunião com o colega russo, Vladimir Putin, em Samarkand (Uzbequistão). O chefe do Kremlin tentou amainar a postura de Pequim e agradeceu ao aliado pela "posição equilibrada" em relação à guerra na ex-república soviética. "Valorizamos muito a posição equilibrada de nossos amigos chineses quando se trata da crise na Ucrânia. Nós compreendemos suas questões e preocupações sobre isso. No encontro de hoje, nós explicaremos a nossa posição", declarou Putin.
Não ficaram claros quais seriam os principais incômodos de Pequim em relação à invasão à Ucrânia, às vésperas de completar sete meses. O jornal britânico The Guardian enumerou como principais inquietações dos chineses a crise econômica deflagrada pelo conflito e a ameaça de Moscou lançar uma guerra energética total contra a Europa.
O primeiro encontro entre Xi e Putin ocorreu à margem da cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), que começou ontem e terá duração de dois dias. O evento terá a presença, ainda, dos líderes da Índia, do Paquistão, da Turquia, do Irã e de outras nações. Putin também afirmou que "as tentativas de criar um mundo unipolar tomaram recentemente uma forma absolutamente horrível e são completamente inaceitáveis". Foi uma crítica indireta aos Estados Unidos.
A agência de notícias estatal chinesa Xinhua omitiu qualquer menção de Xi à Ucrânia. O líder da China assegurou que os dois países têm mantido "uma estreita coordenação no cenário internacional para manter as normas básicas de relações internacionais". "Em face das mudanças do mundo, dos tempos e da história, a China trabalhará com a Rússia para cumprir suas responsabilidades como grandes nações e desempenhar um papel de liderança em injetar estabilidade em um mundo de mudanças e de desordem", acrescentou Xi. A China desenvolveu laços econômicos e estratégicos com a Rússia, e Xi demonstrou aval à "soberania e segurança" do gigante eurasiano.
Vicente Ferraro, cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos da Ásia da Universidade de São Paulo (USP), lembrou ao Correio que a China não se posicionou nem contra, nem diretamente a favor da invasão à Ucrânia. "Pequim busca manter a neutralidade e, ao mesmo tempo, tem feito declarações controversas. Em algumas ocasiões, argumentaram que entendem as motivações para a Rússia ter iniciado uma 'operação militar especial' na Ucrânia", avaliou.
De acordo com Ferraro, a China se preocupa com o conflito pelo fato de a Rússia ser um de seus principais aliados geopolíticos. "Um eventual escalonamento da guerra pode prejudicar a concepção de ordem multipolar que russos e chineses objetivam construir. Desde os anos 2000, Pequim e Moscou se aproximaram para um projeto de antagonismo político em relação aos Estados Unidos. Se a guerra tomar proporções ainda maiores, a ideia de multipolaridade defendida pelas duas nações poderá sofrer alguns reveses", alertou.
Por telefone, Peter Zalmayev — diretor da ONG Eurasia Democracy Initiative (em Kiev) — admitiu ao Correio que Xi fez críticas a Putin sobre a Ucrânia, "porém, de um modo bem oriental". "Não foi uma condenação direta, mas algo que ficou nas entrelinhas. Putin esperava um forte endosso por parte de Pequim, pois os russos têm enfrentado uma situação muito difícil em meu país", disse. "As forças de Moscou sofreram uma grande derrota na região de Kharkiv, no leste. O presidente da Rússia viu-se forçado a alegar que a China adota uma posição relutante sobre o conflito. Putin foi meio que colocado contra a parede."
Para Zalmayev, a mudança de posição de Xi sobre a invasão à Ucrânia, que se aproxima do sétimo mês, deixa Putin em uma condição complicada. "A China é o aliado mais forte da Rússia, um dos principais pilares de apoio para o Kremlin. Se Pequim retirar o suporte, Putin poderá desmoronar muito em breve. Depois disso, Xi poderá exigir que a desventura na Ucrânia termine logo", afirmou. Ele não descarta que a nova posição da China possa isolar a Rússia. "No primeiro dia dos Jogos Olímpicos de Inverno, Xi e Putin assinaram um tratado de amizade. A China não costuma romper com aliados rapidamente; então, o processo, se ocorrer, será lento."
Fonte: correiobraziliense
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