O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, avalia que as autoridades russas começaram a "preparar sua sociedade" para o possível uso de armas nucleares, mas acrescentou não acreditar que a Rússia esteja pronta ainda para usá-las.
Em entrevista à BBC, Zelensky negou ter conclamado "ataques preventivos" da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) contra a Rússia. De acordo com o presidente ucraniano, sua fala, em um evento online nesta quinta-feira (06/10), foi mal traduzida.
"É preciso usar golpes preventivos", disse Zelensky sobre o que quis dizer, referindo-se à preparação contra o possível uso de armas nucleares pela Rússia.
"Depois dessa tradução", disse o presidente Zelensky, "eles [os russos] fizeram o que quiseram, conforme fosse útil para eles, retraduzindo em outras direções."
A fala do ucraniano na quinta-feira havia sido classificada pelo porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, como "um apelo para iniciar mais uma guerra mundial", enquanto o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse que era a prova de que a Rússia tinha razão ao iniciar sua ofensiva na Ucrânia.
Na sexta-feira (07), o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou que a ameaça russa de usar armas nucleares colocou o mundo mais perto do "Armagedom" do que em qualquer outro momento desde a crise dos mísseis de Cuba, durante a Guerra Fria.
Nas últimas semanas, fortalecido por armas sofisticadas fornecidas por países ocidentais, o exército ucraniano recapturou grandes áreas no leste e no sul do país, em uma bem-sucedida contraofensiva que fez tropas russas abandonarem posições conquistadas há algum tempo.
No que Kiev considera uma reação de Moscou às derrotas, o presidente russo Vladimir Putin incorporou então quatro regiões parcialmente ocupadas da Ucrânia.
Essas anexações, consideradas ilegais, levantaram temores de uma possível escalada na guerra, que já dura sete meses. O presidente Putin e funcionários do alto escalão russo sugeriram que armas nucleares — possivelmente armas menores, de uso tático — poderiam ser empregadas para defender essas áreas, embora autoridades ocidentais digam que não há evidências de que Moscou esteja preparada para fazê-lo.
Falando em inglês no seu escritório presidencial em Kiev, o presidente Zelensky disse à BBC: "Eles começam a preparar sua sociedade. Isso é muito perigoso."
"Eles não estão prontos para fazer isso, para usá-las (as armas nucleares). Mas eles começam a se comunicar. Eles não sabem se vão usar ou não. Mas já acho perigoso falar sobre isso."
Então, em ucraniano, ele disse por meio de um tradutor: "O que vemos é que aqueles que estão no poder na Rússia gostam da vida e, portanto, acho que o risco de usar armas nucleares não é tão definitivo como dizem alguns especialistas, porque eles (aqueles no poder) entendem que não há como reverter as coisas depois de usá-las (as armas). Não apenas quanto à história de seu país, mas quanto às suas próprias personalidades."
Zelensky disse que ações preventivas são necessárias agora, pois as ameaças da Rússia são um "risco para todo o planeta". Moscou, segundo ele, "já deu um passo" ao ocupar a usina nuclear de Zaporizhzhia — a maior usina nuclear da Europa que Putin está tentando transformar em posse russa.
Cerca de 500 soldados russos estavam na área da usina, disse ele, embora uma equipe ucraniana ainda a opere.
"O mundo pode parar urgentemente as ações dos ocupantes russos", disse Zelensky. "O mundo pode implementar um pacote de sanções nesses casos e fazer de tudo para que eles deixem a usina nuclear."
Os reveses recentes da ofensiva russa na Ucrânia, um grande constrangimento para o presidente Putin, provocaram críticas incomuns aos militares no país.
Em meio às perdas, o presidente Putin anunciou a mobilização de centenas de milhares de reservistas, o que levou a raros protestos contra a guerra na Rússia e a um enorme êxodo de homens em idade de serviço militar.
Zelensky exortou os russos a "lutarem por seu corpo, direitos e alma".
"Esses garotos mobilizados agora, eles vêm sem nada. Sem armas nem blindagem. Eles estão sendo jogados aqui como carne de canhão... Se eles querem ser kebabs — tudo bem, deixe-os vir. Mas se eles são pessoas, afinal, e pensam que esta é a vida deles, eles têm que lutar."
"Tudo de que Putin tem medo não é de um ataque nuclear, ele tem medo de seu povo", disse o presidente ucraniano. "Ele tem medo de seu povo. Porque só essas pessoas são capazes de substituí-lo hoje em dia. De tirar o poder dele e dar a outra pessoa."
Questionado se o presidente Putin conseguiria sobreviver a uma eventual vitória ucraniana na guerra, Zelensky respondeu: "Eu não me importo".
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63182667
Fonte: correiobraziliense
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