Olena Anhelova, 34 anos, despertou com o barulho das sirenes antiaéreas por volta das 7h (1h em Brasília), no bairro de Shevchenkovsy, na região central de Kiev. "Eu e meu marido discutíamos sobre se nos esconderíamos ou não no corredor, quando escutamos a primeira explosão, cerca de cinco minutos depois. Decidimos nos proteger. Ouvimos quatro ou cinco estrondos. Você nunca sabe se ocorreram perto ou longe de onde está", relatou ao Correio a ativista ambiental. "Os ataques ocorreram a cerca de 1km de nossa casa. Moramos no segundo andar de um prédio antigo. Nessa situação, tudo o que fazemos é rezar para que familiares e amigos não sejam atingidos. Na manhã de hoje (ontem), fiquei realmente nervosa e assustada. Eu estava pronta para morrer." Mais de 30 drones "suicidas" Shahed 136 (veja arte), de fabricação iraniana e capazes de atingir 185km/h,"mergulharam" em alvos de Kiev e de outras cidades, matando oito pessoas — quatro na capital e quatro em Sumy, 335km a nordeste. Também houve ataques em Dnipropetrovsk (centro-leste), Kharkiv (nordeste), Donetsk (leste), Kherson e Mykolaiv (sul).
Em Kiev, os corpos de Viktoriia, grávida de seis meses, e do marido, Bohdan, foram encontrados abraçados sob os escombros do imóvel onde viviam. Moradores protagonizaram cenas de pânico e de horror. Sem saberem qual alvo seria atingido, cidadãos corriam à procura de refúgio, enquanto policiais disparavam para o alto, na tentativa de abater as aeronaves não tripuladas. "O inimigo pode atacar nossas cidades, mas não conseguirá nos quebrar", afirmou o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, antes de confirmar que "drones suicidas e mísseis estão atingindo toda a Ucrânia". Ele acusou a Rússia de matar civis, atingir casas e infraestruturas.
O premiê ucraniano, Denys Shmyhal, anunciou que infraestruturas cruciais foram destruídas pelos drones camicases, deixando "centenas de localidades" sem eletricidade. No primeiro dia de mandato, o novo alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, pediu que os civis não sejam atingidos. "Qualquer escalada de uma guerra é muito preocupante para nós, e isso está acontecendo na Ucrânia", denunciou o austríaco.
Moradores de Solomiansky, bairro situado perto da área central de Kiev, o médico Roganov Kyryl, 25, e a namorada, Natalie, foram acordados às 6h45 pelo barulho das explosões. "Pela janela, vimos o alvo do drone e um incêndio. Quando tentávamos entender qual edifício exatamente pegava fogo, uma nova explosão ocorreu, entre 7h10 e 7h20, seguida por um grande estrondo. Pouco antes da explosão, vi um pequeno ponto escuro no céu. Foi algo bem assustador", afirmou à reportagem. O casal começou a pensar em rotas de fuga. "Nossa casa está próxima a alvos estratégicos, como uma central elétrica e uma estação ferroviária. Buscamos abrigo em um hospital da região."
Profissional da área de marketing e relações-públicas, Taras Semeniuk estava ontem em Lviv, 540km a oeste de Kiev. "Se estivesse em minha casa, no bairro de Shevchenkovsy, é difícil imaginar qual seria a situação. Pela manhã, recebi mensagens de um amigo que também mora em Kiev. A primeira pergunta que esse colega me fez foi: 'Onde você está agora?'. Respondi que estava bem. Ele contou-me que houve um bombardeio perto de minha residência", disse ao Correio. Taras viu na internet um vídeo que mostrava uma imensa coluna de fumaça na região onde vive. "Foi então que me telefonaram e me disseram que um dos drones tinha caído sobre meu prédio. Fiquei chocado. Meu primeiro pensamento foi o de que eu poderia estar lá. Graças a Deus, eu não estava em casa."
De acordo com ele, o drone impactou o lado direito do edifício, um imóvel de quatro pisos construído há mais de 100 anos. "Meu apartamento fica no lado esquerdo, no terceiro andar. Soube que a fachada está em boas condições, mas não sei qual é a situação lá dentro. Foi o primeiro ataque à minha casa", lamentou. Taras disse acreditar que o alvo primário tenha sido uma central termoelétrica do bairro. No sábado passado, ele havia celebrado o 40º aniversário.
Os Estados Unidos prometeram tomar medidas contra empresas e países que cooperarem com o programa de drones do Irã. "Qualquer um que faça negócios com o Irã que possam ter algum vínculo com o desenvolvimento de drones, ou mísseis balísticos, ou com o fluxo de armas do Irã para a Rússia, deve ter muito cuidado e agir com diligência: os EUA não hesitarão em recorrer a sanções, ou a tomar ação contra os autores", advertiu o porta-voz do Departamento de Estado, Vedant Patel. "O aprofundamento da aliança da Rússia com o Irã é algo que todo mundo (...) francamente deveria ver como uma grande ameaça."
Em 10 de outubro, Kiev tinha sido atingida com uma "chuva" de mísseis russos, que deixou pelo menos 19 mortos e 105 feridos. Na ocasião, o presidente russo, Vladimir Putin, explicou que os bombardeios foram uma resposta à explosão que danificou a estratégica Ponte de Kerch, que liga a Península da Crimeia, anexada por Moscou em 2014, à Rússia.
Olena Anhelova, 34 anos, ativista ambiental, moradora do bairro de Shevchenkovsky (centro de Kiev)
"Ao usarem os drones, os russos querem matar a população civil ou deixá-la sem infraestrutura. A defesa ao redor de Kiev é insuficiente. Faltam armas capazes de derrubar drones. As pessoas que vivem a poucas quadras de mim podem morrer de frio, pois drones caíram na central elétrica que abastece minha vizinhança. O Irã está agindo muito mal."
Taras Semenyuk, 40 anos, relações-públicas, morador do bairro de Shevchenkovsky
"Meu apartamento foi atingido por um dos drones. Eu não me sinto totalmente seguro. Depois desse ataque, percebi que não existe local seguro na Ucrânia e que os foguetes e drones podem chegar a qualquer momento. Mas isso não me faz pronto para desistir. Pelo contrário, estou pronto para lutar e amo o meu país ainda mais."
Kateryna Shtepa, 17 anos, estudante de história, moradora de Town Brovary, a 20km de Kiev
"Posso presumir que o Irã ajuda a Rússia no terrorismo. Houve ataques pela manhã e à noite. Nossos soldados conseguiram abater alguns dos drones. Escutei um forte estrondo no início da noite e me lembrei, imediatamente, de 24 de fevereiro. A principal diferença do primeiro dia da guerra foi a ausência de pânico. Ao contrário, senti lucidez." Anton Suslov, 25 anos, cientista político, morador do bairro de Oblonskyi (norte de Kiev)
"Os drones atingiram o centro da cidade, mas não foram direcionados ao distrito governamental. Meu colega viu um deles sobrevoar sua casa. Ainda que a sirene antiaérea tenha soado em toda Kiev, o perigo real se concentrou em um bairro. O número de pessoas que não ignoram os alertas e usam o subterrâneo como abrigo aumentou após ataques com mísseis da semana passada."
Fonte: correiobraziliense
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.