23 de Novembro de 2024

Putin decreta lei marcial em regiões anexadas na Ucrânia


crédito: Sergei Ilyin/Sputnik/AFP

Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, a Rússia instaurou a lei marcial — a medida limita as liberdades individuais, impõe restrições de movimentos e confere superpoderes às autoridades. O decreto contempla Donetsk e Luhansk (leste) e Zaporizhzhia e Kherson (sudeste), regiões anexadas ilegalmente por Moscou no fim de setembro, depois de referendos organizados pelas forças de ocupação. "Assinei um decreto para introduzir a lei marcial nestas quatro entidades da Federação da Rússia", declarou o presidente russo, Vladimir Putin, durante reunião por videoconferência com o seu Conselho de Segurança. "Além disso, na situação atual, considero necessário dar poderes adicionais aos líderes de todas as regiões russas."

Pelos termos do decreto, as agências do setor de segurança das quatro regiões têm três dias para apresentarem propostas específicas sobre a forma com que a lei marcial vigorará. Putin também ordenou uma "mobilização econômica" em seis províncias russas que fazem fronteira com a Ucrânia, além de Sevastopol e da península da Crimeia, integrada à Rússia em 2014. "Trabalhamos para resolver tarefas muito complexas e de grande escala para garantir um futuro confiável para a Rússia, o futuro de nosso povo", acrescentou o chefe do Kremlin. O anúncio de Putin ocorre no dia em que a Ucrânia celebrou o avanço militar em áreas ocupadas, principalmente em Kherson, e em que o sistema de defesa antiaéreo conseguiu frustrar novos bombardeios contra Kiev.  

De acordo com Putin, "Kiev se nega a reconhecer a vontade da população, rejeita qualquer proposta de negociação, os disparos continuam e há civis morrendo". Ele denunciou o governo de Volodymyr Zelensky pelo uso de "métodos terroristas" e garantiu que a Rússia impediu novos ataques contra a infraestrutura, inclusive instalações de energia nuclear. "Estão enviando grupos de sabotadores ao nosso território", disse.

Em comunicado, o Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia acusou a Rússia de iniciar uma "nova fase de terror" nos territórios "ocupados temporariamente". "O anúncio da chamada lei marcial (...) visa suprimir a resistência dos moradores das regiões de Luhansk, Donetsk, Zaporizhzhia e Kherson, que se opõem à ocupação russa. (...) O decreto de Putin é nulo e sem efeito. Ele não tem consequências legais para a Ucrânia e seus cidadãos", reforça o texto. Também ontem, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, reconheceu que Putin está em uma posição "incrivelmente difícil" na Ucrânia.  

Diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev), Peter Zalmayev explicou ao Correio que Putin se preocupa com a possibilidade de perder, muito em breve, o controle de Kherson. Ele lembra que outras áreas ocupadas pelas tropas do Kremlin seguem sob cerco cada vez mais intenso das forças ucranianas. "Putin tenta coibir algum tipo de ataque terrorista ou atividades de guerrilha atrás da linha de frente, além de ações de sabotagem. É uma medida desesperada, desenhada para enviar uma mensagem aos líderes das quatro regiões designados por Moscou e à população de que o presidente russo segue no comando", comentou. 

Para Zalmayev, a decretação da lei marcial não deverá surtir qualquer utilidade prática, no sentido de auxiliar nos esforços militares da Rússia. "A Ucrânia mantém uma iniciativa estratégica na guerra. A liberação de Kherson deve ocorrer logo. Tanto que os comandantes militares russos começaram a esvaziar cerca de 50 mil civis da região. Os soldados de Putin provavelmente usarão essas pessoas como escudos humanos", disse. Zalmayev adverte que a remoção da população de Kherson configura crime de guerra. "Centenas de milhares de cidadãos do leste da Ucrânia foram enviados a partes remotas da Rússia, inclusive crianças."

Na tarde de ontem, o som de várias explosões no céu ecoou em Kiev. O jornalista esportivo Oleksandr Proshuta, 31 anos, mora no bairro de Troeschyna, na margem esquerda do Rio Dnipro. Ele contou ao Correio que, por volta das 13h (7h em Brasília), escutou estrondos e se deu conta da ação de caças ucranianos e do sistema de defesa antimísseis. "Em cerca de três minutos, escutamos explosões sobre vários distritos da capital. Também vimos fumaça pela janela. Foram cerca de seis explosões em diferentes locais", relatou. 

Segundo Proshuta, os sons percebidos ontem eram diferentes daqueles quando mísseis russos atingiam seus alvos. "As sirenes antiaéreas soaram e ficaram ativas por mais tempo do que o usual. O dia de hoje foi muito barulhento. Ontem (terça-feira), duas centrais elétricas foram destruídas em bombardeios, e ficamos várias horas sem eletricidade", disse, enquanto aguardava em um abrigo antibombas. Ele espera que o país receba caças da Polônia em breve. "Para nós, o fato de a defesa antimísseis ter funcionado hoje (ontem) representa um grande alívio. 

Vladimir Saldo, chefe da administração russa de ocupação em Kherson, confirmou o início da remoção dos moradores da cidade, ante a aproximação das forças da Ucrânia, e prometeu que os soldados da Rússia "lutarão até a morte".

"A partir de hoje, todas as estruturas de poder que estão na cidade, a administração civil e militar e todos os ministérios, também serão deslocados para a margem esquerda do Rio Dnipro", disse ao canal Rossiya-24. A imprensa russa divulgou imagens de civis entrando em balsas para atravessar o rio. "Está prevista a retirada de entre 50 mil e 60 mil pessoas", acrescentou. 

Ontem, o Parlamento Europeu concedeu o Prêmio Sakharov de Liberdade de Consciência 2022 ao "corajoso povo da Ucrânia, representado por seu presidente, líderes eleitos e sociedade civil" — anunciou a titular do Legislativo, Roberta Metsola."Este prêmio é dedicado aos ucranianos que estão lutando no terreno. Para aqueles que foram forçados a fugir. Para aqueles que perderam entes queridos e amigos. Para todos aqueles que resistem e lutam por suas crenças", disse a presidente do Parlamento Europeu, anunciando a escolha no hemiciclo em Estrasburgo. O presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, expressou sua alegria com a entrega do prestigioso prêmio e elogiou seu povo, que luta pela "liberdade e democracia". "Os ucranianos demonstram seu compromisso com os valores de liberdade e democracia todos os dias no campo de batalha contra o Estado terrorista russo", disse Zelensky no Twitter, insistindo que o apoio da UE é "muito importante para a Ucrânia". Os outros finalistas do prêmio foram o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, e a Comissão da Verdade da Colômbia.

As autoridades terão poderes para realizar ações de mobilização na esfera econômica, em termos de "medidas de defesa civil, proteção da população e territórios de emergências naturais e provocadas pelo homem". 

As autoridades ganham o poder de "implementar medidas para atender às necessidades das Forças Armadas da Federação Russa, como outras tropas, formações militares (...) e as necessidades da população". A lei marcial permite reforçar o exército. 

A lei marcial possibilita, ainda, a aplicação de toques de recolher, a limitação de deslocamentos, a imposição de censura militar nas telecomunicações, a proibição de reuniões públicas e a detenção de estrangeiros. Também fica proibida a realização de greves.

Para o esforço de guerra, as autoridades podem confiscar bens privados. 

Em um dos pontos mais polêmicos da medida, moradores podem ser enviados a campos de segurança ou prisões, "de acordo com os princípios e normas geralmente reconhecidos pelo direito internacional".

Na Crimeia, no Território de Krasnodar e nas regiões russas de Belgorod, Bryansk, Voronezh, Kursk e Rostov, as autoridades aplicarão "nível de alerta médio", que restringirá movimentos e transportes. O texto também prevê o "reassentamento temporário de residentes para áreas seguras."

Fonte: correiobraziliense

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