A palestra de Vladimir Putin, seguida de uma sessão de perguntas e respostas, durou três horas e meia e teve como tema "Um mundo pós-hegemônico: Justiça e segurança para todos". Aos membros do Clube de Discussão Internacional Valdai, um think tank aliado ao Kremlin, o presidente da Rússia atacou o Ocidente e fez uma advertência. "Estamos em uma fronteira histórica. À frente está provavelmente a década mais perigosa, imprevisível e ao mesmo tempo importante desde o fim da Segunda Guerra Mundial (em 1945)", declarou Putin, que trava uma guerra contra a Ucrânia desde 24 de fevereiro passado, quando ordenou suas tropas a invadirem a ex-república soviética. O ataque deliberado provocou condenação internacional e imposição de sanções financeiras.
De acordo com Putin, o Ocidente se engaja em um "jogo sujo, perigoso e sangrento", ao negar a países sua soberania e singularidade. "O domínio inteiro do Ocidente sobre os assuntos mundiais está chegando ao fim", garantiu. Ele defendeu que a nova ordem global seja baseada na lei, além de ser livre, autêntica e justa". "A economia e o comércio globais devem se tornar mais justos e abertos", comentou. O líder russo descartou que o Ocidente esteja "no comando" do planeta. "Eles tentam, desesperadamente, fazê-lo. (...) Uma ordem mundial futura está sendo formada ante nossos olhos."
Putin também disse que a Rússia luta pelo direito de existir. "A Rússia não está desafiando as elites ocidentais, a Rússia só está tentando defender seu direito de existir", enquanto as potências ocidentais pretendem "destruir, apagar do mapa" a Rússia, afirmou. Em seu pronunciamento, o russo admitiu que "não faz sentido em termos políticos, nem militares" Moscou usar armas nucleares na Ucrânia.
Lilia Shevtsova, chefe do Programa de Política Doméstica Russa do Carnegie Endowment for International Peace (em Moscou), disse ao Correio que Putin parece correto em sua advertência sobre a próxima década. "A ordem global está se desfazendo. Estamos entrando em um período de confronto entre as grandes potências, o qual pode envolver a chantagem nuclear", alertou. Ela vê o discurso do líder russo como uma tentativa de perseguir alguns objetivos bem definidos. "Putin pretende provar que não recuará na guerra da Ucrânia e angariar o apoio de Estados avessos ao Ocidente liberal, desde que aceitem os termos de Moscou para um acordo de paz." Para Shevtsova, ele quis marcar posição de que a Rússia pode seguir com o confronto, enquanto que o Ocidente dificilmente estará pronto para uma longa batalha.
Professor de história da Universidade de São Paulo (USP), Angelo Segrillo também concorda com a assertiva de Putin. "Essa guerra da Ucrânia coloca a situação entre o Ocidente — Estados Unidos, Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e Europa — e a Rússia em um de seus momentos mais duros no mundo pós-Guerra Fria", explicou à reportagem. Ele lembrou que a expansão da Otan tem perturbado o Kremlin há muito tempo. "No fim dos anos 1990, quando o fenômeno começou, a Rússia estava muito fraca. Agora, o país se recuperou economicamente, e Putin denunciou uma ameaça existencial ao seu país. Ele resolveu bancar isso e avisou que não aceitará, de forma alguma, que a Otan se aproxime da Ucrânia."
Ainda segundo Segrillo, Putin apostou todas as fichas na guerra. "Uma derrota no front pode lhe custar o poder. Por sua vez, o Ocidente avisou que não aceitará uma escalada ou a utilização de armas nucleares. Ao sentir-se acuado, o russo conta com um elemento de desespero, a posse de armamentos atômicos. Isso pode fazer com que a coisa saia de controle."
"Como a retórica de ambos os lados (Rússia e Ocidente) envolve armas nucleares, vejo essa década como o ápice das contradições que vinham se acumulando no mundo pós-Guerra Fria ao longo do tempo. Isso inclui a expansão da Otan, a resposta inicialmente morna e inamistosa da Rússia, e, agora, uma posição de confronto encarnada por Moscou."
"Alguém pode tentar adivinhar o que Putin deseja com a retórica nuclear — se é um blefe ou uma ameaça verdadeira. Ele quer que o mundo adivinhe e fique nervoso. A maioria dos analistas russos acha que Putin é racional e dificilmente cruzaria a linha vermelha. Mas saberemos quando o drama acabar. No momento em que vermos confrontos quando os dois lados envolvidos não puderem alcançar uma solução, nem mesmo um cessar-fogo. Isso ainda não aconteceu!"
Durante a sessão de perguntas e respostas, no Clube de Discussão Internacional Valdai, em Moscou, o presidente russo, Vladimir Putin, foi questionado sobre as eleições brasileiras. "Tenho boas relações com Lula (PT), com Jair Bolsonaro (PL). Não interferimos em processos internos. (...) Sabemos que, apesar de situações difíceis dentro do país, eles têm consensos sobre a cooperação com a Rússia, sobre a cooperação com o Brics. Temos um consenso sobre a relação com o Brasil", respondeu Putin. "Consideramos o Brasil um parceiro essencial na América Latina. É isso que é, e faremos tudo para desenvolver essa relação no futuro."
Em 16 de fevereiro, oito dias antes de a Rússia invadir a Ucrânia, Bolsonaro esteve em Moscou e foi recebido por Putin em um encontro de três horas. Em entrevista ao Programa do Ratinho, do SBT, o presidente brasileiro assegurou que "tudo o que foi acertado", durante a conversa, Putin cumpriu. "Chegaram uns navios aqui, e temos fertilizantes para até meados do ano que vem garantidos", disse Bolsonaro. "Não tenho como evitar a guerra, mas não posso trazer a fome para dentro do Brasil por uma coisa tão pessoal."
Angelo Segrillo, professor de história da Universidade de São Paulo (USP), avaliou que a relação entre Putin e Bolsonaro cresceu desde 2019. "O presidente brasileiro nunca foi um expert em política externa. Com o tempo, ante as dificuldades de matérias-primas e de fertilizantes, por conta da guerra na Ucrânia, Bolsonaro fez uma aproximação pragmática da Rússia. Surgiu a afinidade pela pauta de costumes", explicou ao Correio.
Ele lembrou que, durante o governo Lula, o Brasil assistiu a uma escalada na relação com a Rússia, dentro dos Brics — grupo formado também por Índia, China e África do Sul. "FHC deu o primeiro passo, ao criar a Câmara de Cooperação com a Rússia, mas ela não era prioridade. Até por pregar uma política externa mais assertiva do Brasil, Lula viu a possibilidade de relacionamento com a Rússia e a China alavancar o Brasil no cenário mundial. Na busca por um mundo multipolar, a Rússia acha interessante ter o Brasil como parceiro, a fim de aumentar a influência na América Latina", analisou Segrillo. "Quem quer que ganhe as eleições, Putin continuará a manter pontes com o Brasil."
Dois dos principais jornais do mundo destacaram as eleições no Brasil e avaliaram os riscos de uma vitória de Jair Bolsonaro. Ambos abordaram a preocupação com o desmatamento da Floresta Amazônica. Em um artigo de opinião que acompanha um vídeo de pouco mais de seis minutos sobre o panorama político no Brasil, o norte-americano The New York Times afirmou que a votação de domingo "determinará o futuro do planeta". "Está em jogo algo muito mais importante do que a liderança de uma das maiores economias do mundo. Quem vencer herdará o controle de mais da metade da Floresta Amazônica e, por extensão, determinará as condições para a vida futura na Terra", afirma o texto.
"Por causa das crescentes taxas de desmatamento sob o presidente Jair Bolsonaro, o ecossistema da Amazônia está à beira da catástrofe. A perda de milhões de árvores causou redução das chuvas. Áreas ainda não transformadas em fazendas devem mudar de floresta densa para savana seca à medida que a Amazônia atingir um 'ponto de inflexão' — da degradação em espiral, da qual não há retorno", acrescenta o texto. Ainda segundo o The New York Times, para muitos brasileiros, esta será uma eleição "dolorosa" entre dois candidatos "profundamente imperfeitos". "Mas para o futuro da vida humana neste planeta, há apenas uma escolha certa", conclui.
O vídeo começa com imagens das "lindas praias, do ritmo sexy do samba, do Carnaval e do futebol", além da "gloriosa e selvagem Amazônia". A líder indígena Txai Surui argumenta que a eleição é a última chance de salvar a Amazônia. As imagens da floresta devastada acompanham manchetes sobre a destruição.
Os dois candidatos à eleição são apresentados ao público norte-americano. Bolsonaro aparece defendendo a convivência entre o meio ambiente e o desenvolvimento, além de prometer "acabar com a festa" das multas aplicadas pelas agências de proteção ambiental. Luiz Inácio Lula da Silva é mostrado como um presidente que adotou um plano agressivo para salvar a floresta com a criação de áreas de conservação. "Todos nós precisamos de um novo presidente que não derrube a Amazônia", afirma o narrador.
O britânico The Guardian publicou um editorial — texto que reflete a posição do veículo de imprensa — sob o título "O retorno de Bolsonaro custaria a todos nós". "Mais de 2 bilhões de árvores foram derrubadas durante o mandato de Bolsonaro. Em contraste, os analistas sugerem que uma vitória de Lula pode resultar em uma redução de 89% na perda de floresta tropical", atesta. Segundo o Guardian, o extremismo de Bolsonaro ajudou a garantir que Lula formasse uma "aliança multipartidária convincente, que incluiu figuras da direita".
As acusações da Rússia sobre o envolvimento de Washington no suposto desenvolvimento de armas biológicas na Ucrânia são "pura invenção", afirmou a embaixadora dos Estados Unidos ante o Conselho de Segurança da ONU. "Todos sabemos que essas afirmações são pura invenção, sem o mínimo fundamento", declarou Linda Thomas-Greenfield. "Mas quero aproveitar esta oportunidade para pôr as coisas em seu lugar: a Ucrânia não tem um programa de armas biológicas. Os Estados Unidos não têm um programa de armas biológicas." Por sua vez, a Agência Internacionalo de Energia Atômica (AIEA) anunciou que, ainda nesta semana, fará uma "verificação independente" em dois sítios nucleares ucranianos a pedido de Kiev, que nega acusações russas de ter escondido provas da fabricação de uma "bomba suja".
Fonte: correiobraziliense
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