O tempo dedicado a celebrar a chegada de uma nova vida tem sido o mesmo, para os ucranianos, na angustiante espera da morte. A invasão russa à ex-república soviética completa, hoje, nove meses sem qualquer indício de paz. Ontem, enquanto o Parlamento Europeu aprovava uma resolução declarando-a "Estado promotor do terrorismo", a Rússia intensificava a campanha para destruir a infraestrutura civil da Ucrânia. De acordo com a Força Aérea de Kiev, as forças de Moscou dispararam "cerca de 70 mísseis de cruzeiro" contra o país vizinho, 51 dos quais foram abatidos. Cinco drones suicidas do tipo Lancet também acabaram derrubados no sul. Sem usar a palavra "guerra", o governo de Vladimir Putin assegurou que a ofensiva será coroada com o "sucesso", depois de as bombas causarem danos imensos na capacidade energética da Ucrânia. Nos últimos dias, a Rússia sofreu uma série de reveses — a principal delas foi a retirada militar de Kherson, cidade que havia anexado, no sul do país.
"Não resta a menor dúvida sobre o futuro e o sucesso da operação especial", declarou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. O governador de Kiev, Oleksi Kuleba, relatou que o abastecimento de água foi suspenso e que "toda a região está sem luz". De um estação de metrô de Kiev, onde se abrigava das bombas, às 20h40 de ontem (15h40 em Brasília), Anton Suslov — especialista da Escola de Análise Política (naUKMA) — falou ao Correio e disse que, depois de significativas derrotas militares, a Rússia intensificou os bombardeios a cidades e vilarejos. "Centenas de civis foram assassinados e milhares sofrem. Temos visto resultados terríveis em áreas liberadas do domínio russo. Quando incapazes de vencer no front, os soldados de Putin alvejam civis", lamentou.
De acordo com Suslov, o governo ucraniano e a sociedade civil fizeram apelos para que a Rússia passasse a ser classificada como patrocinadora do terrorismo. "A decisão do Parlamento Europeu é um resultado lógico dessa campanha. Ainda que tenha significado meramente simbólico, mostra o consenso entre atores-chave da Europa em relação a mais ações contra a Rússia. Como os membros do Parlamento são eleitos diretamente pelos cidadãos dos países-membros, isso também representa um chamado informal à ação por parte de outras instituições da União Europeia", acrescentou.
Os parlamentares europeus aprovaram a resolução por 494 votos a favor, 58 contra e 44 abstenções. Horas depois, o portal virtual do Parlamento Europeu foi alvo de um "sofisticado ciberataque". "Um grupo pró-Kremlin assumiu a responsabilidade. Nossos especialistas estão resistindo e protegendo nossos sistemas", tuitou Roberta Metsola, presidente da instituição, sediada em Estrasburgo (França). "Minha resposta: 'Slava Ukraini' (Glória à Ucrânia)", emendou.
"As atrocidades cometidas pela Federação da Rússia contra a população civil ucraniana, a destruição de infraestruturas civis e outras violações graves dos direitos humanos e do Direito Internacional humanitário constituem atos de terror (...) e crimes de guerra", apontou o documento. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, elogiou o desdobramento político e defendeu que "a Rússia deve ser isolada em todos os níveis e responsabilizada para encerrar sua velha política de terrorismo na Ucrânia e em todo o planeta". Zelensky também convocou uma reunião emergencial do Conselho de Segurança da ONU.
Também em Kiev, Peter Zalmayev — diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev) — confirmou à reportagem que Kiev registrava blecautes durante todo o dia de ontem. "Nesse momento, há eletricidade em meu apartamento, mas não temos água. Vejo pela janela que muitos edifícios estão na completa escuridão. Os moradores de Kiev têm estado sem água. Eu enchi a banheira de casa para ter água por pelo menos duas semanas. Graças a Deus, o sistema de aquecimento ainda funciona. Em caso de pane, Zelensky tem um plano de enviar os moradores para centros comunitários espalhados pela capital, onde poderão ficar aquecidos", contou.
Zalmayev disse não ver um precedente para vitórias militares russas por meio de bombardeios aéreos. "Eles querem a nossa rendição e a derrubada de nosso governo. Querem que saiamos às ruas para pedir a destituição de Zelensky. Na verdade, o ódio em relação aos russos tem aumentado. E essa ira vai durar mais alguns anos para cada bombardeio sofrido pela Ucrânia", acrescentou.
Ele teve um vislumbre de vida, apagada pela guerra. Um bebê nascido na última segunda-feira foi morto, na madrugada de ontem, durante um bombardeio a uma maternidade emVilniansk, na região de Zaporizhzhia, no sul da Ucrânia. A mãe da criança foi resgatada dos escombros com vida, apesar de bastante ferida. "O Estado terrorista continua a guerra contra os civis.O inimigo decidiu mais uma vez tentar alcançar, com terror e assassinato, o que não conseguiu em nove meses e não vai conseguir", afirmou o preisdente da Ucrãnia, Volodymyr Zelensky. A primeira-dama, Olena Zelesnka, denunciou os "crimes insanos da Federação Russa". "É uma dor horrível. Nós nunca esqueceremos e jamais perdoaremos."
"A decisão do Parlamento Europeu é importante simbolicamente, apesar de não ter caráter vinculante. Trata-se de uma recomendação. A Rússia comprovou o teor da resolução, ao lançar um massivo ataque à nossa infraestrutura civil. Não se deve ter mais dúvidas em relação ao tipo de Estado que a Rússia é."
Fonte: correiobraziliense
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