Desde outubro, o destino de 10,4 milhões de suecos está nas mãos do premiê conservador Ulf Kristersson, que formou um governo de coalizão com o apoio dos ultradireitistas do partido Democratas da Suécia (SD). Para Karin Wallensteen, embaixadora sueca no Brasil, as transformações pelas quais o seu país passou nos últimos 20 anos moldaram a chegada de um partido nacionalista conservador ao poder. Em entrevista ao Correio, a diplomata sublinhou que o partido Democratas da Suécia trabalha dentro do sistema democrático e mantém representantes no governo.
A nova conjuntura política da nação escandinava coincidiu com a não integração de imigrantes e com o aumento da criminalidade. "Os suecos esperam que os partidos conservadores nacionalistas tenham soluções melhores para isso", admitiu Karin, que atuou como chefe de Assuntos para a União Europeia e Internacionais e secretária de Estado durante o governo do primeiro-ministro Stefan Löfven (2014-2021).
A embaixadora falou sobre o avanço da extrema-direita na Europa, a proteção às minorias, a guerra na Ucrânia e os refugiados. Ao abordar a forte relação bilateral entre Suécia e Brasil, ela destacou que a cooperação se institucionalizou e independe de governos.
O seu país acaba de eleger o primeiro governo com apoio da extrema direita. Por que os ultraconservadores ganharam tanta força na Suécia?
Eles ganharam muita força porque a Suécia tem sido uma nação que mudou muito ao longo de duas décadas. Temos uma grande parcela de imigrantes. Há muitas coisas positivas para se dizer sobre os imigrantes, mas várias pessoas migraram para a Suécia e não se integraram ao país. Nos últimos cinco ou seis anos, tivemos uma tendência ruim no que se refere à criminalidade, à violência de gangues e ao crime organizado, em parte nos subúrbios. Isso tem irritado a população. Os suecos esperam que os partidos conservadores nacionalistas tenham soluções melhores para isso.
De que forma o novo governo precisa enfrentar o tema da imigração?
O governo enfrenta esses temas colocando exigências muito fortes sobre as pessoas. As autoridades pedem às pessoas que integrem os imigrantes. Também fazem leis mais rígidas em relação à solicitação de asilo ou à concessão de cidadania, por exemplo. As autoridades colocam muito mais ênfase para que esses imigrantes sejam educados na Suécia e tenham condições de conseguir um emprego. Haverá mais demandas quando o indivíduo for capaz de se sustentar financeiramente. É uma mistura de mais rigor nas fronteiras, para permitir que menos pessoas entrem, e da certeza de que haja integração dentro do território sueco entre as pessoas que estão lá.
Como analisa o avanço da extrema direita na Europa?
Na Suécia, ao invés do termo "extrema-direita", eu usaria a expressão "partidos conservadores nacionalistas". O partido Democratas da Suécia trabalha dentro do sistema democrático e conta com representantes dentro dos escritórios do governo. Também está completamente alinhado aos princípios democráticos da Suécia. Não temos visto uma tomada autoritária de poder na Suécia.
Qual é a receita para se proteger as minorias em um governo ultraconservador?
Está bem claro que o atual governo continuará, assim como o anterior, a ter uma forte agenda, quando se fala em minorias e em direitos de grupos LGBTQIA , incluindo aqueles que buscam asilo. Outro grupo é o dos convertidos. Se você se converte de uma religião para outra, pode ser processado em seu país de origem. O novo governo pretende defender esse grupo. Somos uma sociedade comprometida com a implementação dos direitos das minorias. Também temos populações indígenas. Em relação aos direitos humanos em geral, nenhum país é perfeito. Também há queixas recorrentes sobre isso na Suécia. Mas estou muito confiante de que o novo governo olhará pelas perspectivas das minorias e das maiorias.
A ONU apelou à Suécia para que trabalhe em prol dos solicitantes de asilo. Como a senhora vê isso?
Tradicionalmente, temos uma cooperação muito sólida com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Inclusive recebemos casos muito difíceis. Pessoas que necessitam de muito cuidado ou de outros tipos de tratamento. Ao longo do último ano, temos que nos lembrar que houve uma guerra perto de nós. Se você for de avião, é mais próximo ir para Kiev do que para Bruxelas. Por causa da guerra e da piora da situação em Belarus, é preciso contornar o território bielorrusso. Mas o conflito na Ucrânia está muito perto de nós e várias pessoas fugiram para a Suécia. Precisamos levar isso em consideração. Há pouco mais de um ano, tivemos uma grande retirada de cidadãos do Afeganistão. Não apenas removemos todos os afegãos que trabalhavam para a Embaixada da Suécia, mas seus familiares e outras pessoas que tinham algum tipo de cooperação com o nosso país, como defensores dos direitos das mulheres, jornalistas, advogados. Sabíamos que poderiam ser prejudicados pelo Talibã. Temos forte tradição em buscar razões para a concessão de asilo. Nosso governo continuará a dar asilo, mas a quantidade de solicitações atendidas mudará.
Qual é a posição da Suécia sobre a guerra na Ucrânia?
A Suécia tem uma posição muito forte. Putin tem que ser responsabilizado pelo que ocorre na Ucrânia. Nós apoiamos fortemente a Ucrânia, tanto política quanto militarmente. A última vez que enviamos equipamentos militares a outro país foi sete décadas atrás, para a Finlândia. Então, é algo novo. Mandamos equipamentos bélicos à Ucrânia e temos treinado militares ucranianos. Enviamos forte condenação política contra a guerra. Buscamos, por meios humanitários, apoiar a população da Ucrânia. Concordamos totalmente que a agressão de Putin contra a Ucrânia é culpa unicamente da Rússia. Foi uma invasão não provocada, ilegal e injusta. Eles haviam invadido a Crimeia em 2014. A Suécia presidiu a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE), no ano passado. Queremos uma vizinhança pacífica. Gostaríamos de ter forte cooperação com a nossa vizinha Rússia, mas eles tornam isso impossível para nós.
Como vê a polêmica sobre o fechamento de escolas religiosas na Suécia?
Houve um incentivo para a criação de mais escolas baseadas em ideias, em comunidades, etc. Temos visto que algumas dessas escolas não conseguem realizações iguais entre meninos e meninas. Há meios diferentes de abordar isso. Uma delas é a rígida estruturalização das escolas. A outra é a supervisão de suas finanças, saber de onde o dinheiro delas vem. Uma terceira abordagem é a não permissão de funcionamento de escolas religiosas. Isso tem sido debatido na Suécia. É preciso abordar o fato de as escolas não tratarem garotos e garotas igualmente. Algumas não levam as crianças a aprenderem de acordo com a grade curricular. Em escolas cristãs, ensinamos a evolução ou a criação, segundo a Bíblia? Os currículos das escolas suecas dão forte ênfase à ciência. Isso é algo que precisaremos implementar.
A ciência e a inovação tecnológica são cruciais para os suecos?
As decisões que tomamos são muito científicas. Nós nos baseamos muito na ciência. Buscamos mais tipos de cooperação científica com outros países. Um exemplo é o Escritório de Ciência e Inovação, que mantemos em nossa embaixada. A ciência, a inovação, o desenvolvimento, a pesquisa e a tecnologia caminham de mãos dadas. Em novembro, tivemos a Semana da Inovação, em Salvador. Queremos que os suecos entendam o que acontece no Brasil e a inovação que emana daqui.
Que avaliação a senhora faz das relações entre Suécia e Brasil?
A relação entre Suécia e Brasil é tão forte, que se institucionalizou e não depende de governos. A Suécia mantém parceria estratégica com o Brasil desde 2009. Naquela época, o PT governava o Brasil e tínhamos um governo conservador. Houve mudança de presidentes no Brasil, que assinou um acordo para comprar nossos caças. Tivemos alteração de governo na Suécia e vocês no Brasil, com Jair Bolsonaro. Mas a cooperação em defesa e em inovação permaneceu. Mais de 200 empresas da Suécia estão no Brasil. Isso diz muito do interesse dos suecos por seu país. Nós estamos aqui para ficar e investir.
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Fonte: correiobraziliense
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