O Irã dissolveu a polícia da moralidade após quase três meses de protestos, desencadeados pela morte da curdo-iraniana Mahsa Amini, de 22 anos. A jovem foi detida por supostamente violar o código de vestimenta do país. O anúncio foi feito pelo procurador-geral do Irã, Mohammad Jafar Montazeri.
De acordo com a AFP, Montazeri também anunciou que o Parlamento e o Poder Judiciário estavam analisando a questão da obrigatoriedade do véu, mas não antecipou se a lei será modificada. Em 24 de setembro, o principal partido reformista, o Partido Popular da União do Irã Islâmico, pediu o fim da obrigatoriedade do uso do véu e, desde o início dos protestos, cada vez mais mulheres saem às ruas sem o véu, em particular na zona norte e rica de Teerã.
"A melhor maneira de enfrentar os distúrbios é prestar atenção às verdadeiras demandas do povo, em sua maioria relacionadas com questões de subsistência e econômicas", afirmou o porta-voz da presidência do Parlamento, Seyyed Nezamoldin Moussavi.
Pesquisadora do Centro de Estudos em Gênero e Relações Internacionais (Cegri), do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Fernanda Medeiros acredita que, por ora, não haverá abolição verdadeira da polícia da moralidade ou do código de vestimenta, "mas talvez seja algo que o regime não possa varrer para debaixo do tapete com facilidade", ressaltou.
"Nesse momento, porém, me parece ser uma resposta à publicidade internacional dos protestos — a Copa do Mundo ajudou a jogar ainda mais luz no ocorrido. Quando a poeira baixar é que veremos se o regime realmente pretende modificar o código de vestimenta e abolir a polícia da moralidade, mas, por agora, não há como afirmar que isso irá acontecer", acrescentou.
A polícia da moralidade, conhecida como Gasht-e Ershad (patrulhas de orientação), foi criada sob o regime do presidente ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad, de 2005 a 2013 para "espalhar a cultura da decência e do hijab", o véu muçulmano feminino.
Suas unidades são formadas por homens em uniforme verde e mulheres em xador preto, uma vestimenta que cobre todo corpo, exceto o rosto. As primeiras patrulhas começaram seu trabalho em 2006. A Gasht-e Ershad foi criada pelo Conselho Supremo da Revolução Cultural.
O papel dessa polícia mudou com o passar dos anos, mas sempre gerou divisões na classe política. Durante os mandatos do presidente moderado Hassan Rohani (2013-2021), era comum observar mulheres de calças jeans justas e véus coloridos.
Em julho, porém, seu sucessor, o ultraconservador Ebrahim Raisi, pediu a "todas as instituições estatais" o reforço na aplicação da lei do véu. "Os inimigos do Irã e do Islã querem minar os valores culturais e religiosos da sociedade, divulgando a corrupção", afirmou na ocasião.
Fernanda Medeiros explicou que essa política serve principalmente para monitorar as mulheres. "Não é à toa que os protestos eclodiram do embate de uma jovem com essa polícia. Eles passam pelas ruas mesmo, andando ou em vans, observando como as mulheres estão vestidas, principalmente no tocante ao chador/hijab (o véu)", disse.
Além disso, a especialista contou que o Irã passou por um processo de modernização, em muitos casos, forçado. "As mulheres que nós vemos em fotos nos anos 1970, usando minissaia em Teerã, não tinham liberdade para usar vestes religiosas ou tradicionais se quisessem. O governo reprimia quem vestia roupas tradicionais. O regime era autoritário, mas dentro do âmbito da modernização, tentou remover o Irã da categoria de países 'atrasados', e parte disso envolvia dar mais liberdades e direitos às mulheres", ressaltou.
Fernanda acrescentou que o regime fez várias reformas nesse sentido. "Por isso, a revolução, que visava a derrubar o regime e tudo que fosse associado a ele, rapidamente assumiu uma postura combativa a esses direitos e liberdades quando os religiosos — o único grupo então organizado — assumiram o poder. É daí que vem essa visão", concluiu.
Os protestos contra ocorreram após o funeral de Amini na cidade ocidental de Saqqez, quando mulheres arrancaram, num ato de solidariedade, os lenços que usam para cobrir suas cabeças. Desde então, os protestos aumentaram, com demandas de mais liberdades à derrubada do governo.
A internacionalização dos protestos provocou uma urgência no posicionamento das autoridades iranianas. Na Suécia, uma parlamentar cortou o cabelo em solidariedade às mulheres iranianas. Durante a estreia do time iraniano na Copa do Mundo do Catar, contra a Inglaterra, os jogadores não cantaram o hino do país. A ação foi considerada um protesto a favor dos direitos de mulheres. No país, elas são proibidas de frequentar estádios de futebol. O Irã acusa o governo dos Estados Unidos e seus aliados, assim como acusa Israel, de envolvimento nos protestos, os quais classifica como "distúrbios".
De acordo com o balanço mais recente divulgado pelo general iraniano Amirali Hajizadeh, da Guarda Revolucionária, mais de 300 pessoas morreram nas manifestações desde 16 de setembro. Várias ONGs afirmam, no entanto, que o número real seria mais do que o dobro.
Mahsa Amini, uma jovem iraniana de origem curda, morreu em 16 de setembro, três dias depois de ser presa pela polícia da moralidade por violar o rígido código de vestimenta feminino do Irã. Na ocasião, a iraniana não estava utilizando “adequadamente” o hijab (véu islâmico), de acordo com as regras.
Houve relatos de que policiais bateram na cabeça dela com um cassetete. A polícia disse que ela sofreu um ataque cardíaco. Para sustentar esse argumento, as autoridades divulgaram imagens de Amini desmaiando em uma delegacia de polícia, mas a gravação — com imagens dela em coma — enfureceu os iranianos.
O uso do véu se tornou obrigatório no Irã em 1983, quatro anos depois da Revolução Islâmica de 1979, que derrubou a monarquia do xá, e a lei estabelece que tanto as mulheres iranianas quanto as estrangeiras, independentemente de sua religião, devem usar véu cobrindo o cabelo e usar roupas largas em público. Depois de 1979, Comitês da Revolução Islâmica, vinculados à Guarda Revolucionária, patrulhavam as ruas para observar o cumprimento dos códigos de vestimenta e a "moral" no Irã.
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Fonte: correiobraziliense
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