23 de Novembro de 2024

Os prejuízos da política de 'covid zero' para a economia da China


Os rígidos lockdowns da política de 'covid zero' foram um duro golpe para a economia chinesa — e os efeitos são cada vez mais evidentes.

A taxa de desemprego entre os jovens atingiu um recorde de 20%, os lucros das empresas diminuíram e o setor manufatureiro voltou a registrar retração em novembro.

Para um país acostumado a ter taxas de crescimento anual próximas a 9% nas últimas décadas, a situação está se complicando.

As previsões internacionais estimam que o crescimento econômico para este ano não ultrapasse 3%, bem abaixo das expectativas do governo.

Se continuar assim, a economia chinesa vai registrar sua expansão mais lenta em mais de quatro décadas, exceto pela crise de 2020 no auge da pandemia.

Embora na quinta-feira (01/12) o governo chinês tenha anunciado que vai flexibilizar algumas das restrições impostas pela política de covid zero, ainda não está claro quais serão as novas medidas — em um momento em que aumentam as infecções causadas pela variante ômicron entre a população, que não foi vacinada em massa.

Fartas dos confinamentos, centenas de pessoas realizaram protestos sem precedentes nos últimos dias, desencadeados por um incêndio que matou 10 pessoas em um prédio residencial.

Os manifestantes atribuíram as mortes ao fato de as portas do edifício estarem bloqueadas para evitar o contágio pelo vírus, algo que as autoridades negam.

"Não queremos testes de covid, queremos liberdade", gritava um grupo de jovens nas ruas de Xangai durante uma manifestação na qual também se ouvia gritos contra o governo do presidente Xi Jinping, algo inédito no país asiático.

Enquanto as restrições à livre circulação diminuíram a confiança do consumidor — despertando até a ira daqueles que são submetidos a longos confinamentos —, o governo enfrenta o dilema de mudar o foco na saúde para estimular a economia, arriscando que as infecções saiam do controle.

"A covid zero está causando um tremendo dano à economia chinesa", diz à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, Nancy Qian, professora de economia da escola de negócios Kellogg da Universidade Northwestern, nos EUA.

Os lockdowns causaram grandes interrupções nas cadeias de suprimentos de produtos em todo o mundo. E dentro do país os efeitos têm sido muito duros para a população.

Durante o lockdown em Xangai, observa Qian, as remessas de alimentos para os moradores confinados na cidade "apodreceram nas ruas enquanto os cidadãos passavam fome".

Os lockdowns em grande escala de um mês em uma cidade como Pequim ou Xangai, explica a pesquisadora, reduzem o crescimento econômico em pelo menos 4%.

"Se você somar todos os lockdowns que aconteceram, percebe que o impacto negativo é enorme."

Qualquer enfraquecimento da segunda maior economia do mundo tem ramificações globais, ainda mais quando organizações como o Fundo Monetário Internacional (FMI), estimam que cerca de um terço dos países entrará em recessão em 2023.

Os investidores e os mercados estão inquietos com o aumento de infecções, considerando que a China não teve uma campanha de vacinação em massa, algo que aumenta ainda mais os níveis de incerteza sobre o futuro econômico.

Por outro lado, "as pessoas dentro do país estão gastando menos dinheiro em coisas como carros e smartphones", outro sinal do impacto que a política de covid zero teve, diz a jornalista Suranjana Tewari, correspondente de economia da BBC na Ásia.

Como pano de fundo, ela acrescenta, está o fato de que "a China está enfrentando uma série de desafios, incluindo a crise imobiliária, as medidas enérgicas contra empresas de tecnologia e os efeitos da menor demanda como resultado da desaceleração global".

Empresas multinacionais, como a Apple, estão vendo os efeitos da política de covid zero em suas linhas de produção.

O recente fechamento de uma fábrica chinesa que monta iPhones tem causado problemas para a gigante da tecnologia. A fábrica, que emprega 200 mil pessoas e pertence à Foxconn, uma empresa de origem taiwanesa, sofreu um surto de covid em outubro que obrigou seu fechamento parcial.

Quando começou a faltar a comida, muitos funcionários que haviam ficado confinados fugiram da fábrica, pulando muros e caminhando por rodovias na tentativa de chegar em casa. Um ato de desespero que teve impacto na fabricação de um produto de consumo em massa no mundo.

Embora a severidade dos lockdowns possa mudar nas próximas semanas, até agora ainda estavam em vigor em cidades que representam cerca de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) da China, de acordo com um índice compilado pelo Nomura, um banco de investimento japonês.

A política de covid zero tem sido um grande obstáculo para a economia chinesa nos últimos meses, argumenta Mark Williams, economista-chefe para a Ásia da consultoria Capital Economics.

Ela obrigou as cidades a implementar lockdowns e deixou todos com receio de sair por medo de serem colocados em quarentena, disse ele à BBC News Mundo.

Mais de dois milhões de pessoas ficaram em instalações de quarentena.

"É possível que piore antes de melhorar", ele adverte.

"As autoridades não vão querer relaxar a política de covid zero até que os vulneráveis ??estejam bem vacinados, e isso levará meses."

A reabertura de um país leva tempo. Mesmo que a China decidisse acabar com a política de covid zero agora, os efeitos econômicos positivos provavelmente começariam a ser sentidos por volta de 2024, segundo alguns analistas.

Mas tudo depende do plano de reabertura definido pelas autoridades chinesas e da rapidez com que será implementado.

Alguns economistas estão confiantes de que, mais cedo ou mais tarde, haverá uma mudança na política.

"A abertura será lenta, provavelmente com alguns passos para trás, mas sem dúvida haverá uma abertura", afirma à BBC News Mundo Alicia García-Herrero, economista-chefe para Ásia-Pacífico do banco de investimentos Natixis.

"A China está tentando mudar a política de covid zero para o modelo de Hong Kong, no sentido de tornar os lockdowns muito rápidos", acrescenta.

"(Mas) claramente o investimento e o consumo não vão voltar rapidamente porque as pessoas estão muito preocupadas."

Embora a reabertura seja um processo longo e difícil, diz García-Herrero, de qualquer maneira "a economia estará melhor no próximo ano".

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63857102

Fonte: correiobraziliense

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