23 de Novembro de 2024

MP do Peru pede prisão de ex-presidente por 18 meses por conspiração e rebelião


crédito: Diego Ramos/AFP

Morador de Arequipa (centro-sul), o advogado Nelson Muñoz Mora, 37 anos, surpreendeu-se com o forte aparato de segurança na segunda maior cidade do Peru, pouco depois de o ministro da Defesa, Alberto Otárola, anunciar uma medida para tentar conter a violência desde a prisão do presidente golpista Pedro Castillo, em 7 de dezembro. "Acordou-se decretar estado de emergência em todo o país devido aos atos de vandalismo e violência, ao bloqueio de estradas e vias", anunciou Otárola. A decisão terá validade de 30 dias.

"Até ontem (terça-feira), grupos de até 50 pessoas estavam mobilizados em diferentes pontos de Arequipa. Eles começaram a atacar lojas e a bloquear avenidas principais", relatou Mora ao Correio. "Nesta quarta-feira, há poucos estabelecimentos comerciais abertos. Eles funcionam com grades, em meio aos temores de saques. Vejo policiais e militares em cada esquina."

O advogado explicou que o estado de emergência começou a vigorar, primeiro, em Arequipa e em Cusco. "A presença do contingente das Forças Armadas e de policiais resguardando as principais artérias da minha cidade praticamente minou as manifestações", disse Mora. Em seis dias de protestos, o Peru contabilizou sete mortos e 168 feridos, dos quais 26 permaneciam hospitalizados, ontem.

"Quero recordar que a decretação do estado de emergência significa a suspensão dos direitos de reunião, da inviolabilidade de domicílio, da liberdade de trânsito e de expressão", declarou Otárola. Os distúrbios forçaram o fechamento dos aeroportos de Cusco, Puno, Arequipa e Apurimac. Antiga capital do Império Inca, Cusco recebe turistas estrangeiros e é a via de acesso para a cidadela de Machu Picchu. 

Dina Boluarte, a ex-vice que assumiu a presidência depois da prisão de Castillo, propôs antecipar as eleições gerais para abril de 2024 e, depois, para dezembro de 2023. "Legalmente, os tempos caberiam para abril de 2024, mas, fazendo reajustes ontem, conversando, estes podem ser antecipados para dezembro de 2023", disse Boluarte. O Congresso se reunirá, hoje, para discutir a proposta.

O Ministério Público (MP) pretende manter Castillo em prisão preventiva por 18 meses. Ele responderá pelos crimes de "rebelião" e "conspiração", depois que anunciou a dissolução do Congresso e acabou destituído pelos próprios legisladores. 

Vice-presidente do Congresso e deputada do partido Fuerza Popular, Martha Moyano afirmou ao Correio que o estado de emergência deve ser analisado no contexto do autogolpe frustrado. "O presidente Castillo anunciou o fechamento do Legislativo e do Judiciário, além da reestruturação do Poder Constitucional. Houve resposta imediata do Congresso, que o depôs. O ato do senhor Castillo é um delito, não está consagrado pela Constituição", disse. "Nós, peruanos, temos enfrentado o terrorismo há anos. Durante o governo de Alejandro Toledo (2001-2006), muitos terroristas ganharam indulto. Criou-se uma organização de fachada, a Movadef, o mesmo Sendero Luminoso, que, nas últimas duas décadas, engajou-se em uma campanha ideológica. Com o poder vago, Castillo foi preso. Grupos que reclamam uma Assembleia Constituinte e estão ligados ao partido Perú Libre, de Castillo, iniciaram as manifestações."

Segundo Moyano, uma das agendas dos protestos envolve a libertação de Castillo. "Esses grupos, minoritários em algumas zonas, começaram atos de vandalismo, com a queima de prédios do MP, tribunais, empresas e carros. Boluarte, do mesmo partido de Castillo, decretou o estado de emergência", disse Moyano, ao classificar a medida como "necessária". Ainda de acordo com a congressista, o MP solicitou que Castillo cumpra uma prisão preventiva. "O Congresso retirou-lhe o foro privilegiado. No Peru, as detenções preventivas são expedidas quando há risco de fuga. Isso se justifica pois Castillo tentou chegar à Embaixada do México para pedir asilo."

Castillo recusou-se a participar de audiência virtual marcada para as 8h30 de hoje (10h30 em Brasília). "Já chega! Os abusos, humilhações e maus-tratos continuam. Hoje, voltam a restringir minha liberdade com 18 meses de prisão preventiva. Peço à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que interceda pelos meus direitos e pelos direitos dos meus irmãos peruanos que clamam por justiça", tuitou o líder deposto.

"Houve distúrbios muito graves em meu país. Tivemos a ocupação de aeroportos, saques e ataques a emissoras de televisão. As autoridades têm o dever de restabelecer a ordem", admitiu ao Correio José Rodolfo Naupari Wong, especialista em direito eleitoral e professor universitário. Ele avalia como "prudente" a decretação do estado de emergência. "É uma medida para desbloquear as rodovias, assegurar o funcionamento dos aeroportos e zelar pela segurança", comentou.

Wong reforçou que o estado de emergência implica na supressão das liberdades. "Não é necessária autorização judicial para interrogar uma pessoa e levá-la presa em flagrante. Essas intervenções, porém, precisam responder ao princípio da proporcionalidade."

"O estado de emergência é a única maneira de a polícia e as Forças Armadas recuperarem a ordem pública. Alguns direitos passam a ser restringidos, efetivamente. Isso ajuda muito. No Peru, 70% dos trabalhadores são informais. Essa gente vive de seu próprio trabalho. As manifestações impediam que as pessoas chegassem aos seus locais de trabalho. Por isso, foi importante a presidenta Dina Boluarte ter tomado a frente da situação e decretado o estado de emergência."

"O estado de emergência é uma medida para reinstaurar  a segurança. É importante para que a violência não se intensifique. O respeito ao princípio da autoridade exigia a intervenção das Forças Armadas. Sob esse cenário, será possível firmar acordos políticos sobre as mudanças que necessitamos, a fim de termos uma transição pacífica. Sabemos que o governo e o Congresso não concluirão o seu mandato."

Credito: Arquivo pessoal. Mundo. José Rodolfo Naupari Wong, especialista em direito eleitoral peruano.
Credito: Arquivo pessoal. Mundo. José Rodolfo Naupari Wong, especialista em direito eleitoral peruano. (foto: Arquivo pessoal)

"Considero sumamente importante que o estado de emergência respeite os direitos fundamentais. É importante que as intervenções e o uso da força pela polícia e pelos militares ocorra de forma proporcional. O estado de emergência implica restringir alguns dos direitos fundamentais, mas não anulá-los ou ignorá-los. O uso da força militar precisa servir, unicamente, para conter os distúrbios, e não para afetar a vida e a integridade dos manifestantes."

Fonte: correiobraziliense

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