Enquanto os peruanos contavam seus mortos, o Congresso da República tomava uma decisão que pode agravar a crise política deflagrada pelo autogolpe do presidente Pedro Castillo, seguido de sua destituição e prisão. Por 49 votos a favor, 33 contra e 25 abstenções, o Legislativo não conseguiu margem suficiente para aprovar a antecipação das eleições — por tratar-se de reforma constitucional, eram necessários 87 votos nas duas legislaturas ou 66 votos, ratificados por meio de referendo. Membro da Comissão de Constituição do Congresso e autor do requerimento, o deputado Hernando Guerra García pretendia que as eleições ocorressem em dezembro de 2023.
Até o fechamento desta edição, o governo da presidente Dina Boluarte, ex-vice de Castillo, admitia 20 mortes durante as manifestações — seis em Apurimac, uma em Arequipa, três em La Libertad, uma em Cuzco, uma em Junín e oito em Ayacucho. Ao todo, 63 dos mais de 500 feridos seguem hospitalizados. Apesar do estado de emergência em vigor até 14 de janeiro, os atos de vandalismo e os confrontos com militares prosseguem em várias cidades do Peru. Os manifestantes exigem a renúncia de Boluarte, a libertação de Castillo, o fechamento do Congresso e a realização de eleições imediatas. A expectativa era de que a aprovação da antecipação do pleito ajudasse a pacificar o país.
A recusa do Congresso em atender parte do apelo popular dificulta a permanência no poder da ex-vice de Castillo. "O que virá é a renúncia de Dina Boluarte, que dará vez a uma transição democrática", previu a congressista de esquerda Ruth Luque, citada pela agência de notícias France-Presse. "Pela quantidade de peruanos mortos, a senhora Boluarte deveria renunciar", engrossou o coro Susel Paredes, congressista de centro. Em ato de repúdio pelas mortes de manifestantes, os ministros Patrícia Cultura e Jair Pérez, titulares das pastas da Educação e da Cultura, se demitiram onte e aumentaram a pressão sobre Boluarte. Na quinta-feira, a Justiça acatou um pedido do Ministério Público e determinou a prisão preventiva de Castillo por 18 meses.
Na madrugada de ontem, horas depois de o Exército do Peru reagir a uma tentativa de ocupação do aeroporto de Ayacucho (sul), que terminou em oito mortos, Boluarte prestou solidariedade aos familiares dos manifestantes. "Lamentamos o choro das mães em Ayacucho e sofremos com a dor das famílias em todo o país. Hoje, em um triste dia de violência, voltamos a lamentar as mortes de peruanos. Minhas profundas condolências aos enlutados. Reitero meu apelo à paz", escreveu a governante, em seu perfil no Twitter. A Defensora do Povo, Eliana Revollar, disse à agência de notícias France-Presse que os manifestantes carregavam estilingues e pedras. "Essas pessoas morreram devido ao impacto de tiros."
Sob condição de não ter o sobrenome divulgado, Melina, 38 anos, moradora de Ayacucho, relatou à reportagem que a situação permanecia tensa bastante na cidade. "As pessoas estão indignadas com o massacre de ontem (quinta-feira). Houve atos de vandalismo. Alguns manifestantes saíram às ruas e incendiaram prédios da Promotoria, revoltados com o silêncio do Ministério Público e do Poder Judiciário", contou. "Houve confrontos com a polícia, que voltou a disparar e a usar bombas de gás lacrimogêneo."
Presidente do instituto de pesquisas Ipsos Perú, o analista político Alfredo Torres afirmou ao Correio que o Congresso da República está muito desprestigiado. "Há mais de 12 partidos, e a percepção é a de que não trabalha e que muitos congressistas estão ali apenas em benefício próprio", criticou. Ele explicou que existe consenso sobre a necessidade de antecipação das eleições. No entanto, as demandas secundárias são diversas. "Há três posições distintas. A esquerda quer a antecipação do pleito e da Assembleia Constituinte. O centro e a direita estão divididos entre os que querem mudanças no sistema eleitoral e eleições em 2024 e os que sentem que a rejeição cidadã é enorme e se veem dispostos a realizar a votação no próximo ano", observou. O problema, segundo ele, é que qualquer uma dessas soluções exige dois terços dos votos do Congresso. "Nenhuma parte os têm."
A crise política trouxe transtornos para milhares de estrangeiros que visitam o Peru. Com o fechamento de estradas e de aeroportos, cerca de 5 mil turistas ficaram retidos em Cusco, antiga capital do Império Inca. Muitos deles ficaram em seus hotéis à espera da retomada dos voos. Ontem, o Ministério da Defesa anunciou a reabertura do aeroporto. Em Águas Calientes, porta de acesso às ruínas de Machu Picchu, cerca de 200 turistas, em sua maioria dos Estados Unidos e da Europa, enfrentaram uma caminhada de 30km até a cidade de Ollantaytambo, para buscarem uma conexão até Cusco.
"Os protestos têm sido organizados por um partido de extrema esquerda chamado Movadef, integrado por pessoas que faziam parte ou que se simpatizavam com a guerrilha maoísta Sendero Luminoso. Ainda que não sejam mais terroristas, são muito violentos e organizados. Conseguem apoio da população pobre com base em uma 'narrativa' que apresenta o presidente destituído Pedro Castillo como vítima da direita de Lima."
Fonte: correiobraziliense
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