Os ritmos podem variar do jazz ao forró, do samba ao pop. O que não muda é a alegria transbordante de Nêgah Santos comandando a percussão na banda do programa Late Show com Stephen Colbert, na rede americana CBS.
Na gravação da primeira quarta-feira do ano, ela entrou correndo no palco, de bustiê de lantejoulas prateadas e um contagiante sorriso que não largou o rosto dessa brasileira nem mesmo depois que as câmeras foram desligadas. "Eu sou a pessoa mais feliz do mundo de fazer o que eu faço e vou te passar isso, você vai sair daqui sorrindo", disse.
Paulista da zona oeste, nascida e criada na Cohab Educandário, Nêgah fala do trabalho com a banda de Colbert, um lugar disputadíssimo no mercado da música americana, como se tivesse acabado de chegar. Em 2015, Colbert substituiu o famoso apresentador David Letterman na condução do Late Show.
Mas ela foi convidada — e aceitou o convite — em dezembro de 2017. Mesmo com cinco anos de estrada e muita história para contar, ela confidencia: "até hoje é difícil de acreditar". Não é modéstia. É história de vida escrita com garra, dedicação, e talento.
A infância não foi fácil, mas foi de muito aprendizado. "Meu pai não estava presente. Minha mãe trabalhava em três empregos. E sempre dizia pra gente: você quer alguma coisa, vai e busca! ", conta. Ao mesmo tempo, preocupada em dar a melhor educação possível aos filhos, ela esteve sempre pesquisando cursos e programas gratuitos para as crianças. Quando ouviu falar do projeto Meninos do Morumbi, só sossegou quando encontrou vaga para os dois.
A ONG Meninos do Morumbi, criada pelo baterista Flávio Pimenta, começou no quintal da casa do músico onde ele ensinava as primeiras noções de percussão a crianças de Paraisópolis. Mas o interesse era tanto, a carência tão grande, que o fundo do quintal virou uma organização sem fins lucrativos onde Nêgah teve uma revelação. "Minha mãe me inscreveu na aula de dança e o meu irmão na de percussão. Assim que ela saiu, fui atrás dele. Queria fazer tudo que meu irmão fazia. Quando o professor pendurou um tambor no meu ombro e eu dei a primeira batida, descobri o que eu queria fazer pro resto da minha vida! ", conta.
A gente já sabe que ela conseguiu chegar lá. Mas como?
Um milionário americano, filantropo ativo, acompanhou um workshop da ONG no qual Nêgah participou como colaboradora. Nessa época ela já tinha feito audição e entrado no conservatório Tom Jobim, em Itapecerica da Serra. No fim do dia, o tal milionário perguntou à Nêgah o que ela queria fazer na vida. A resposta estava na ponta da língua: estudar na prestigiosa escola de música Berklee, com sede em Boston. Ele prometeu ajudar mas deixou claro que ela tinha que procurar as informações e saber o que seria necessário.
Berklee é uma das grandes e prestigiadas escolas e universidade de música nos Estados Unidos. A outra é a Julliard, em Nova York. A essa altura, Nêgah já sabia do que estava falando. E correu atrás. Fez a audição no Brasil e ganhou uma bolsa integral. O americano compareceu e ajudou com as passagens e a estadia. Ela só não conta o nome do mecenas. "Ele não quer", justifica. Mas é alguém da área de tecnologia.
Na Berklee, universidade por onde passaram mais de 300 ganhadores do Grammy (entre eles, Esperanza Spaulding, Diana Krall, Al DiMeola, Branford Marsalis), Nêgah estudou com Terri Lyne Carrington, baterista consagrada que tocou com Dizzy Gillespie, Stan Getz, Herbie Hancock, Wayne Shorter e Al Jarreau, entre outros. Terri se tornou mentora da brasileira.
No começo, as aulas eram um desafio e tanto. O inglês era uma barreira. E Nêgah precisava manter boas notas para não perder a bolsa. Ela gravava as aulas para ouvir tudo novamente. Foi se virando, ralando, sempre se aprimorando. Ganhou a confiança da mentora e no último dia de aula, no ano da formatura, surgiu o convite para acompanhara turnê do grupo irlandês Riverdance.
Nêgah agarrou a oportunidade sem piscar. Na hora de voltar, foi barrada na imigração, na Alemanha. O visto para os Estados Unidos estava quase vencendo. Mas a agente da imigração tinha visto o show do Riverdance e reconheceu a brasileira. Um pouco de conversa, uma história inventada na hora, e o embarque acabou acontecendo.
Ela não sabia o que esperar, mas sabia que Nova York era o destino. Com o dinheiro do trabalho na Europa, pagou seis meses de aluguel e começou a buscar trabalho. Tocou com vários grupos e durante uma apresentação no Harlem, um tal de Jon Batiste estava na plateia. Ele era, na época, o líder da banda de Stephen Colbert no Late Show. Pediu o contato de Nêgah, que já sabia bem quem ele era. Por isso mesmo achou que o telefone não tocaria jamais. Mas a produção do show ligou, uma semana depois, convidando a brasileira para três noites de trabalho com o grupo.
Depois da experiência, foi convidada para uma festa de Natal da banda na casa do próprio Stephen Colbert. Ela se beliscava durante o evento. "Estou na casa do Colbert!", pensava. Foi ele mesmo, o ator-comediante, que fez o convite: "Nêgah, nós gostamos muito de você, não quer ficar na banda? ".
Isso foi há cinco anos. O trabalho na banda continua estimulante e enriquecedor. Toda semana os músicos criam novas trilhas para o programa, em conjunto. E ainda dá tempo de fazer shows nos fins de semana e se arriscar em projetos mais ousados.
Nêgah acaba de lançar um disco de forró, com produção do líder da banda do Late Show, Louis Cato, músico que já tocou todos os instrumentos do grupo, no programa, além de ter tocado com Beyoncé, Lauryn Hill e tantos outros.
E por que forró? Ela foi quebrar um galho, substituir um amigo por um mês em um grupo de forró, e o amigo demorou a voltar. Lá se foi um ano de trabalho com o ritmo nordestino que ela abraçou e usou como base para compor músicas que agora estão no álbum. E assim, nesse ritmo de oportunidades e desafios, ela vai navegando nessa cidade tão difícil mas tão cheia de possiblidades. Tantas que Nêgah já virou até personagem de um desenho animado que faz parte de um show de variedades no YouTube, o Cory and the Wongnotes. Nêgah é uma das integrantes da banda do show, liderada pelo guitarrista Cory Wong.
"Nova York é o melhor lugar para se desenvolver musicalmente. A quantidade de talento nessa cidade! Aqui não é preciso ensaiar. A galera está sempre pronta"! Ela também. Sempre.
Fonte: correiobraziliense
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