25 de Fevereiro de 2025

Escândalo de abuso de menores por padres consterna Portugal


crédito: Patrícia de Melo Moreira/AFP

Lisboa — Aos 10 anos, a menina sonhava em estudar música. A vontade era tamanha, que aceitou, de imediato, a oferta do padre da paróquia que a família frequentava para lhe dar aulas. O aprendizado, no entanto, teria de ser na casa dele. O assédio à garota foi imediato. Começou com beijos, e logo vieram as penetrações. Em pouco tempo, a criança engravidou, processo que, felizmente, acabou interrompido. Os abusos, porém, continuaram. O basta só veio quando a mãe do religioso descobriu a violência rotineira e o obrigou a parar. Caso mantivesse a prática dos crimes, ela afirmou que o mataria com as próprias mãos.

O relato faz parte de centenas de depoimentos chocantes colhidos pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica de Portugal, divulgado ontem. Numa tentativa de acerto de contas com a história, a Conferência Episcopal Portuguesa abriu seus arquivos para uma profunda investigação sobre o que se passou nos últimos 72 anos. Com as informações disponíveis, foram registrados 512 casos efetivos de pedofilia, mas se estima que ao menos 4.815 meninos e meninas de até 18 anos teriam sido vítimas de violência sexual de religiosos.

Com mais de 500 páginas, o documento da comissão — intitulado Dar voz ao silêncio — provocou um terremoto em território luso, onde mais de 80% das pessoas se declaram católicas. Presente na divulgação dos dados, o presidente da Conferência Episcopal, dom José Ornelas, disse que a situação era "dramática, uma ferida aberta que dói e envergonha". E acrescentou: "O relatório exprime uma dura e trágica realidade. Houve, e há, vítimas de abuso sexual provocadas por clérigos e outros agentes pastorais, no âmbito da vida e das atividades da Igreja em Portugal". Ele pediu perdão a todas as vítimas.

Segundo Pedro Strecht, coordenador da Comissão Independente, apesar de todos os casos, apenas 25 serão encaminhados ao Ministério Público para possível abertura de inquéritos. Para o juiz e ex-ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, também do grupo de pesquisadores, infelizmente, a maioria dos casos prescreveu e não há como ultrapassar os limites da legislação. A lei portuguesa prevê que denúncias de abuso sexual só podem ser feitas até as vítimas completarem 23 anos. O ideal, no entender dele, é que a Assembleia da República amplie esse limite para 30 anos ou mais — na Espanha, é 35.

Tanto Strecht quanto Laborinho ressaltaram que, ao longo dos trabalhos de pesquisas, percebeu-se enorme disposição da igreja em ocultar as denúncias de pedofilia. Por isso, disseram, esse foi apenas o começo de uma ação para dar visibilidade ao que se tentou esconder por tantos anos. Os relatos colhidos vão de 1950 em diante e impressionam pelas crueldades cometidas por padres, freiras e professores de colégios católicos. Uma das histórias que mais chamaram a atenção envolve uma menina de apenas 7 anos.

Nascida nos anos de 1970, filha de trabalhadores rurais, F. contou que costumava se confessar todas as semanas na igreja da paróquia, dentro da preparação para sua catequese. O padre, com posição de destaque na diocese, no Norte de Portugal, tinha entre 30 e 40 anos. Ela relatou à comissão que era comum o religioso tocá-la "pelas pernas acima, até chegar onde queria, dizendo obscenidades". Um dia, ele a incentivou a masturbar o próprio irmão, então com 13, 14 anos. Disse-lhe o padre: "Sabes que as mulheres têm de aprender a tirar leite dos homens? Como se faz às vaquinhas, nas tetas".

O pároco afirmava ainda que o irmão da menina "era como um bicho de uma só teta (o seu órgão íntimo)", e que ela "fosse lá mugir". "E isso eu fiz certo dia, quando ele estava a tomar banho. Ele riu-se e, ao mesmo tempo, ficou assustado, mas eu não sabia, juro mesmo, o que estava a fazer, só dizia que o senhor padre queria que eu lhe tirasse o leite (esperma)", contou. O irmão, então, lhe perguntou quem havia falado com ela sobre aquele ato. A menina revelou que havia sido o religioso. "Nunca mais há de fazer isso", ordenou o jovem.

"Estamos impressionados com tudo o que vimos e ouvimos. Temos consciência de que precisamos pedir perdão a todos", assinalou dom Francisco Senra Coelho, arcebispo de Évora, ciente de que os abusos não tinham limites, como deixou claro uma mulher nascida nos anos de 1940. Ela, que enviou aos pesquisadores um e-mail escrito por uma sobrinha, disse que presenciou o irmão, então com 13 anos, ser violentado por um padre, de cerca de 40 anos, na casa da família dos garotos. O religioso visitava a mãe dos meninos, que havia ficado viúva.

"O meu irmão faleceu agora. Penso que ele nunca contou nada do que eu vi. E o que eu vi não foi bonito, e não posso ir para o outro mundo, falecendo, e carregar comigo esse segredo. Uma vez, na tal casinha que havia no quintal, vi algo estranho e, quando lá fui espreitar, estava o meu irmão, coitadinho, ele era muito bonito e perfeito, branquinho de pele, despido de calças e roupa de baixo e o padre, meio que no chão, a pôr o órgão dele na boca (do menino). Nunca tinha visto na vida essas coisas. Pareceu tudo passar muito rápido, pois fugi com o olhar e, quando voltei a olhar, estava o meu irmãozinho, coitado dele o que sofreu, sei lá eu o que aquela alma pode ter sofrido, estava ele, agora, no chão como um animal e o padre por trás, a enfiar-se nele, e ele aflito de lágrimas de chorar", detalhou.

Fonte: correiobraziliense

Participe do nosso grupo no whatsapp clicando nesse link

Participe do nosso canal no telegram clicando nesse link

Assine nossa newsletter
Publicidade - OTZAds
Whats

Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.