22 de Novembro de 2024

O que é guerra híbrida? Por dentro do centro de estudos que investiga ameaça


crédito: Reuters

Explosões subaquáticas misteriosas, ataques cibernéticos anônimos e campanhas online para minar democracias ocidentais: tudo isso é considerado um tipo de "ameaça híbrida".

A BBC visitou um centro dedicado a combater essa forma relativamente nova de guerra que preocupa cada vez mais a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a União Europeia.

"Trata-se da manipulação do espaço da informação. Trata-se de ataques à infraestrutura crítica", explica Teija Tiilikainen , diretora do Centro Europeu de Excelência para Combate a Ameaças Híbridas (Hybrid CoE, na sigla em inglês), criado há seis anos em Helsinque, capital da Finlândia.

Ela explica que esse formato de ameaça é ambíguo, e por isso é muito difícil para os países se protegerem.

Mas essas ameaças não são ficção.

Em setembro do ano passado, fortes explosões subaquáticas no Mar Báltico abriram buracos enormes nos gasodutos Nord Stream, entre as costas dinamarquesa e sueca. Os gasodutos foram construídos para transportar gás russo para o norte da Alemanha.

Moscou negou imediatamente qualquer envolvimento nas explosões, mas autoridades de países ocidentais suspeitam que se tratava de um plano para sabotar o suprimento de energia do Ocidente. O motivo seria o apoio ocidental à Ucrânia após a invasão russa em fevereiro do ano passado.

Também houve episódios de interferência eleitoral. Pouca gente se deu conta na época, mas após a eleição de 2016 nos Estados Unidos, investigadores concluíram que houve interferência russa – novamente negada por Moscou – com o objetivo de reduzir as chances de Hillary Clinton contra Donald Trump.

A Rússia teria usado "bots" (robôs) online — contas artificiais de rede social controladas por ativistas apoiados pelo governo russo, a partir de "fábricas de trolls" em São Petersburgo.

Outra amaça híbrida é a desinformação: a propagação intencional de uma narrativa falsa, muitas vezes atraente para certos setores mais receptivos da população.

Este fenômeno se acelerou desde a invasão russa da Ucrânia, com milhões de cidadãos — não apenas na Rússia, mas também em países ocidentais — aceitando a narrativa do Kremlin de que a invasão foi um ato necessário de autodefesa.

Para ajudar os governos ocidentais a identificar e se proteger contra essas ameaças, a Otan e a União Europeia criaram o Hybrid CoE na Finlândia.

O país é uma escolha interessante e talvez natural para um centro deste tipo. A Finlândia permaneceu neutra desde a Segunda Guerra Mundial, quando cedeu território à antiga União Soviética.

Os dois países compartilham uma fronteira de 1,3 mil quilômetros. Agora, apreensiva, a Finlândia tem se aproximado cada vez mais do Ocidente, o que culminou com seu pedido de adesão à Otan no passado.

Em uma manhã fria e com neve, visitei o centro, localizado em um edifício comercial perto do Ministério da Defesa, a uma curta distância da embaixada russa, um prédio cinzento da era soviética.

Lá, Teija Tiilikainen lidera uma equipe de cerca de 40 analistas e especialistas de vários países da Otan e da União Europeia, incluindo um cidadão britânico "emprestado" do Ministério da Defesa em Londres.

Tiilikainen diz que uma área de preocupação é o Ártico, onde foi detectado um grande potencial de ameaças híbridas.

"Novas fontes de energia estão surgindo", explica. "Há novas possibilidades para as grandes potências protegerem seus interesses. Há também muita manipulação de informação."

"A narrativa russa é que o Ártico é uma região especial à margem conflitos, onde nada de ruim acontece. E, mesmo assim, Rússia está construindo um exército ali."

Talvez a principal característica das ameaças híbridas seja que elas quase nunca envolvem um ataque real, ou seja, alguém abrindo fogo com uma arma. Elas são mais sutis, mas não menos perigosas.

Muitas vezes é difícil determinar quem está por trás desses atos, como o grande ciberataque de 2007 contra a Estônia ou as explosões de gasodutos no ano passado no Báltico.

Os responsáveis têm o cuidado de deixar o mínimo possível de rastros.

Há inúmeras maneiras de um Estado prejudicar outro sem recorrer à ação militar direta.

Isso é ilustrado por um manual redigido pelo centro, no qual são descritas as ameaças híbridas marítimas. O documento contém 10 cenários imaginários, mas todos muito plausíveis.

Eles vão desde o uso clandestino de armas subaquáticas até a declaração de uma zona de controle ao redor de uma ilha, passando por bloqueio de estreitos.

Um cenário real analisado em detalhes foi a ação da Rússia no Mar de Azov antes da invasão da Ucrânia.

Desde outubro de 2018, os navios ucranianos que saíam dos portos de Mariupol e Berdyansk precisavam fazer fila para serem inspecionados pelas autoridades russas se quisessem navegar pelo Estreito de Kerch e chegar no Mar Negro.

Esse trâmite — segundo Jukka Savolainen, diretor de vulnerabilidades e resiliência do Hybrid CoE— poderia durar dias ou até duas semanas, o que causava prejuízos econômicos à Ucrânia.

Mas é no campo da desinformação que os especialistas do centro encontraram os resultados mais surpreendentes.

Depois de reunir e avaliar inúmeras pesquisas de opinião em toda a Europa, eles concluíram que em vários países da Otan, a Rússia está ganhando a guerra de informação entre setores significativos da população.

Na Alemanha, por exemplo, a versão do Kremlin de que o ataque à Ucrânia foi uma reação necessária à provocação da Otan vem ganhando popularidade à medida que a guerra avança.

Na Eslováquia, mais de 30% dos entrevistados acreditam que a guerra na Ucrânia foi provocada deliberadamente pelo Ocidente. Na Hungria, 18% atribuíram a guerra à "opressão da população de língua russa na Ucrânia".

"Eu não avaliaria a desinformação russa como especialmente sofisticada", explica Jakub Kalensky, analista da República Tcheca.

"Não é a mensagem que tem apelo, mas a quantidade."

Tiilikainen explica que o papel do centro não é tomar medidas para combater as ameaças híbridas — mas, sim, avaliar, informar e treinar outros para fazer o que for necessário para proteger a Europa desse fenômeno crescente.

Fonte: correiobraziliense

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