20 de Setembro de 2024

"Não há riscos políticos no Brasil, mas oportunidades", diz embaixador


crédito: Vicente Nunes/CB/D.A Press

Madri — Há uma grande preocupação do capital estrangeiro com os riscos políticos na América Latina, em especial, com o Brasil, diante dos ataques terroristas aos Três Poderes, em 8 de janeiro, e com o Peru, em que o então presidente, Pedro Castillo, tentou um autogolpe e está preso. Em um debate com empresários, acadêmicos e investidores, o embaixador brasileiro na Espanha, Orlando Leite Ribeiro, fez questão de rebater essa visão, apontada por uma pesquisa realizada pela IE University com 108 companhias espanholas. Segundo ele, o “Brasil é um país de oportunidade, não de riscos”.

Na avaliação do diplomata, que participou ativamente das negociações para o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, enquanto esteve no Ministério da Agricultura, há uma postura equivocada dos donos do dinheiro, pois, quando olham para a América Latina, tratam a região como se fosse uma coisa só. “Temos, sim, riscos políticos no Peru, como estamos vendo, e em outros países, mas no Brasil, não”, afirmou. Segundo ele, o que houve em 8 de janeiro, com a invasão do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF), foi amplamente superado, os criminosos foram identificados e serão julgados. “Então, não dá para falar em risco político no caso do Brasil”, reforçou.

Para ele, a democracia no Brasil está fortalecida e a alternância de poder é um ativo a ser valorizado. E os investidores reconhecem isso, tanto que, em 2022, mesmo com todo o acirramento do processo eleitoral, o país recebeu US$ 92 bilhões do exterior, o dobro do registrado no ano anterior. “Isso é mais uma demonstração de que esse tema político não teve nenhuma influência na decisão de se investir no país. O que tem importância, no caso do Brasil, para uma empresa que investe a longo prazo é o ambiente de negócios, que vem melhorando ao longo dos anos. Nós tivemos reforma da Previdência, reforma trabalhista e, agora, precisamos ter uma reforma tributária, que o presidente Lula já disse que é prioritária. Isso, sim, é o que determina o desejo de uma empresa em investir”, emendou.

O embaixador reconheceu, contudo, que há um desconhecimento enorme em relação ao Brasil tanto na Espanha quanto no restante da Europa, o que exigirá um esforço coordenado de agentes públicos e privados no sentido de ressaltar as potencialidades do país. Ele ressaltou, ainda, que os espanhóis estão demandando uma visita do presidente Lula ao país e, sobretudo, a participação dele na reunião de cúpula entre a União Europeia e os países da América Latina e do Caribe (Celac), marcada para julho. A Espanha assumirá a presidência temporária da UE. “Os espanhóis têm mandado vários recados, pedindo a presença do presidente, porque ele é uma figura internacional, que é maior até que o Brasil. A presença do presidente Lula faz com que a reunião tenha mais visibilidade”, frisou Ribeiro em entrevista ao Correio.

Pesquisa realizada pela IE University com mais de uma centena de empresas espanholas mostrou preocupação com o risco político na América Latina. Como vê essa questão?

Um dos defeitos desse informe, que é muito bom, é que não detalha, trata a América Latina como se fosse uma só. Nós temos, sim, riscos políticos no Peru, como estamos vendo, e em outros países da América Latina, mas não no Brasil. O que tivemos no Brasil foi um episódio, no dia 8 de janeiro amplamente superado, em que os criminosos já foram identificados e estão sendo julgados. Então, acho que não dá para falar em risco político no caso do Brasil. Mais ainda, é importante não confundir esse conceito, que, como disse, não guarda relação com a situação brasileira, com mudanças naturais na condução do país, que é algo inerente à democracia. O valor do investimento direto no país em 2022 é bastante significativo para demonstrar o acabei de falar. Aumentou 100% em relação ao ano anterior, chegando a US$ 92 bilhões. Isso aconteceu no ano eleitoral no Brasil, em que os investidores sabiam que teríamos basicamente duas alternativas para o novo governo, e que nós acabamos sabendo em outubro qual seria. Mas esses investimentos foram ao longo do ano. Isso é mais uma demonstração de que esse tema político não teve nenhuma influência na decisão de investimento. O que tem importância, no caso do Brasil, para uma empresa que investe a longo prazo é o ambiente de negócios, que vem melhorando ao longo dos anos. Nós tivemos reforma da Previdência, reforma trabalhista e, agora, precisamos ter uma reforma tributária, que o presidente Lula já disse que é prioritária. Isso, sim, é o que determina o desejo de uma empresa em investir.

Quando diz que o Brasil é um país de oportunidades para investimentos, o que vê?

Vejo o caso da Ibéria. É um exemplo de uma empresa que precisa aproveitar melhor as oportunidades no Brasil. A Aena, que tem metade do capital exposto pelo governo espanhol, é hoje a maior operadora de aeroportos no Brasil. Se a Aena conseguisse conjugar esforços com a Ibéria, teríamos ligações aéreas muito mais lógicas, porque não faz muito sentido você sair de Madri para São Paulo, para depois ir para o Norte e o Nordeste brasileiros, quando se pode voar diretamente, poupando, inclusive, combustível e melhorando a sustentabilidade. Quando se tem esse tipo de ligação aérea, promove-se também o turismo, facilita o investimento nessas regiões. O problema hoje é que, sim, nós recebemos muito investimento da Espanha, mas está concentrado em certas regiões do país, com exceção, obviamente, das grandes empresas, como a Telefônica, o Santander e a Mapfre, que têm presenças nacionais. Há uma concentração em São Paulo. Esse investimento poderia ser distribuído se houvesse uma conexão melhor. Outro exemplo: a Espanha é o segundo maior destino turístico do mundo. Estão presentes, no país, os maiores grupos investidores de infraestrutura turística. Vir à Espanha apenas para tentar atrair turistas para o Brasil, acho muito limitante. Creio que as autoridades brasileiras e os grandes grupos, inclusive, os estados, têm de buscar investimentos.

Na sua avaliação, falta visão do Estado brasileiro e dos agentes privados?

Não, falta coordenação. Visão a gente tem. O problema é que não coordenamos os esforços. E vou dar um exemplo: na Fitur (Feira Internacional de Turismo), uma das maiores do mundo, a República Dominicana, que é metade de uma ilha, estava com um estande maravilhoso. México, também. Nós tínhamos sete estandes, um da Embratur, um de São Paulo, um do Rio de Janeiro, um do Ceará, um de Fortaleza, um da Bahia e um do município de Maricá (RJ). Poderíamos ter unido esforços e feito um único estande vendendo a imagem, a marca Brasil. Mas estávamos dispersos. Inclusive, num dia, o estande da Embratur apresentou uma baiana dançando samba e, no dia seguinte, o estande do Rio de Janeiro apresentou outra baiana dançando. Se a gente se coordena, consegue somar esforços e ter uma apresentação melhor.

A Espanha é o segundo maior investidor estrangeiro no Brasil, atrás só dos Estados Unidos. Há potencial para aumentar isso? O que o governo brasileiro pode fazer?

Com certeza. Acho que uma coisa que poderia acontecer é as pessoas olharem um pouco mais para a Espanha. Temos de nos vender. Há uma desvantagem em relação aos outros países da América Latina, que a questão da língua. Porém, essa desvantagem é superada pelas oportunidades que o Brasil apresenta, oportunidades que são desconhecidas. É preciso vir aqui e tratar de vender. Tenho, na medida do possível, sempre que surge uma oportunidade, conversado com os governadores dos estados e com o governo central sobre a necessidade de eles mostrarem o que é o Brasil, na verdade, é um país continental. No imaginário popular na Espanha, o Brasil se reduz a uma imagem que mistura um pouco o Rio de Janeiro com São Paulo. Estivemos, agora, em pleno período de carnaval. Com todos os espanhóis que falo, eles associam a imagem do carnaval ao que temos do Rio. Mas não temos um carnaval, são vários tipos de carnaval, o de Recife, o da Bahia e outros com manifestações culturais distintas. Essas diferenças não são conhecidas da Espanha. Então, diante desse desconhecimento do país, essa ponte precisa ser precisa construída.

Vale a pena investir no Brasil? Por quê?

Muito, porque o Brasil tem um bom ambiente de negócios. Há alternância de governo, e as regras não mudam, o ambiente regulatório é bastante estável. A segurança jurídica é uma marca do país, e a facilitação de negócios é algo que tem sido feito ao longo de vários governos, e continuará sendo feito, ainda com mais prioridade, pelo governo que começou.

Há previsão do presidente Lula de visitar a Espanha?

Ainda não. Mas é importante lembrar que a Espanha ocupará a presidência temporária da União Europeia no segundo semestre deste ano. Então, tenho a expectativa de que uma visita ocorra.

Tem a reunião da União Europeia com a Celac em julho. Lula participará?

A reunião ocorrerá em Bruxelas. Ainda não temos a confirmação da participação do presidente, mas quero crer que sim. Os espanhóis têm mandado vários recados, pedindo a presença do presidente, porque ele é uma figura internacional, que é até maior que o Brasil. A presença do presidente Lula faz com que a reunião tenha mais visibilidade. Então, é óbvio que eles fazem muita questão que o presidente esteja presente. Contudo, isso vai depender, obviamente, da agenda e de uma decisão do ministro Mauro Vieira.

Como está o acordo entre o Mercosul e a União Europeia?

As negociações foram concluídas em 2019, mas o acordo ainda não foi assinado. Isso dá oportunidade ao novo governo brasileiro de olhar o acordo com calma e decidir se deseja levar adiante a assinatura ou se quer propor alguma alteração ao texto. O presidente Lula já assinalou que atribui grande importância a um acordo. Resta saber se este é o acordo ou se teremos de fazer algum tipo de modificação para ajustá-lo às políticas do governo brasileiro.

O senhor está confiante de o acordo saia neste ano?

Esse acordo levou 20 anos para ser negociado. Ele dependeu de um alinhamento astral para que as conclusões fossem encerradas. Então, precisamos de um outro alinhamento astral para que seja assinado. É possível que a gente tenha algo no segundo semestre desse ano. Como disse, a presidência da União Europeia será da Espanha, que quer muito (o acordo). E existe uma relação muito próxima entre o presidente Lula e o presidente Pedro Sánchez. Então, é possível que essa dinâmica entre os dois acabe contagiando as burocracias dos dois países e, no caso, dos dois blocos, e a gente possa ter um acordo.

A Europa virou as costas para a América Latina em algum momento?

Há três países que nunca deixaram de olhar para a América Latina e para o Brasil, em especial, que são Portugal, Espanha e Itália. Outros países têm visões distintas em razão de suas próprias formações e também de suas estratégias. Houve, no passado, uma estratégia, por exemplo, de atrair a Rússia para a esfera europeia, com uma crescente dependência energética. Foi uma aposta que a realidade nos mostra que, talvez, não tenha dado muito certo. Então, hoje, a palavra na Europa é diversificar, buscando parceiros confiáveis. Sempre se diz que a América Latina é a região mais euro compatível, porque temos os mesmos valores, temos duas línguas em comum. Então, estão buscando transformar essa euro compatibilidade, que sempre esteve aí, em mais comércio, maior aproximação em termos de investimentos, mais relações.

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Fonte: correiobraziliense

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