20 de Setembro de 2024

Cessar-fogo fracassa e o Sudão afunda em combates violentos por poder


crédito: AFP

Fracassou o cessar-fogo previsto para durar 24 horas entre o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido  (FAR) e as tropas do Exército sudanês, que travam violentos combates pelo poder no Sudão desde a manhã do último sábado. "Os combates duram o dia inteiro. É traumatizante. Eles não respeitaram o cessar-fogo", afirmou ao Correio o pesquisador Ibrahim Alhaj Alduma, 30 anos, morador do bairro Cartum 3, na capital. Por volta das 19h (14h em Brasília), um morteiro disparado de um lança-foguetes atingiu a casa de seus familiares, no momento em que ceiavam após mais um dia de jejum durante o Ramadã. O artefato caiu no corredor, depois de atingir uma árvore, ao lado. Por sorte não explodiu. 

De acordo com Alduma, os confrontos estão mais intensos em Cartum e em Nyala, 913km a sudoeste, em Darfur do Sul. "Eles ocorrem especialmente em áreas administrativas. As FAR controlam esses locais, como o quartel-general do Exército, o palácio presidencial e o Aeroporto Internacional de Cartum. Os combatentes utilizam armas pesadas, o que faz com que bairros vizinhos sejam afetados pelos disparos. Ouço explosões em todos os lugares, e é possível ver corpos espalhados por algumas regiões e sentir o odor característico", relatou.

Alduma é voluntário em uma iniciativa humanitária e tem ajudado a mobilizar ambulâncias para remover os cadáveres. "Não sabemos ao certo quantas pessoas morreram até agora. A maioria dos mortos ainda estão abandonados pelas ruas e é impossível alcançá-los. Hoje, ajudei a remover pacientes de um hospital de Khartoum. Quatro deles não resistiram." 

"Não há nenhum sinal de apaziguamento em Cartum e em muitas outras regiões", confirmou a Organização das Nações Unidas (ONU). Os confrontos são travados entre os soldados do Exército, comandados pelo general Abdel Fattah Al-Burhan, e os homens liderados pelo ex-número dois, o general Mohamed Hamdan Daglo — ou "Hemedti" (ou "Pequeno Mohammed") —, chefe das FAR. Daglo anunciou a aprovação do cessar-fogo, que foi desrespeitada.

Segundo a agência de notícias France-Presse, quatro hospitais de Cartum foram bombardeados pelos caças de Al-Burhan. Em todo o território sudanês, 16 hospitais tiveram que suspender suas operações. O número de mortos chega a 270; pelo menos 2.600 pessoas ficaram feridas, anunciou a ONU.

Diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus condenou os ataques aos centros médicos no Sudão e advertiu que eles privam as comunidades de receberem cuidados essenciais para salvarem vidas. "Exortamos todas as partes a garantirem acesso irrestrito e seguro nas instalações de saúde para os feridos e para todos aqueles que precisarem de cuidados médicos. Também exortamos para que trabalhem pela paz."

"Aqui não está bem, não. Mas estamos sobrevivendo", desabafou ao Correio o brasileiro Matheus Cotulio Bossa, 30 anos, o Matheuzinho, meia do Al-Merreikh, clube de futebol da cidade de Omdurman, a 18km de Cartum. Ex-jogador do Atlético Goianiense e do Vila Nova, ele contou, por telefone, que a situação se deteriourou rapidamente. "Estávamos jogando a Champions League da CAF (Confederação Africana de Futebol), em que o campeão disputa o Mundial de Clubes. No Egito, jogamos contra o Zamalek. Depois dessa partida, jogamos na Arábia Saudita e retornamos ao Sudão para o campeonato nacional. A gente dormiu no país e parece ter acordado em outro", relatou Matheuzinho, um dos nove brasileiros retidos no Sudão — cinco da comissão técnica e quatro atletas. "Despertamos, no sábado, com bombas, tiros, caças, mísseis. Fomos pegos de surpresa. Está bem tenso, difícil de dormir e de as pessoas resolverem nossos problemas."

Em Cartum, a gerente de projetos Hind Mohamed, 34 anos, admitiu ao Correio que as coisas estavam "mais tensas" ontem. "Os tiroteios e os bombardeios não cessam desde o início da manhã. A energia elétrica e o abastecimento de água estão cortados em muitos lugares; os combatentes destruíram as estações fornecedoras. Foi anunciado que haveria um cessar-fogo e uma trégua entre as duas forças, com duração de 24 horas, a partir das 18h de hoje (13h em Brasília). São quase 21h e os confrontos não pararam nem por um minuto", disse, às 15h55 de ontem (em Brasília).

Hind explicou que mora não muito longe do quartel-general do Exército, um dos pontos mais tensos. "Hoje (ontem), houve disparos na área do aeroporto. Pude ouvir os tiros claramente, e vi a fumaça. Em um bairro aqui próximo, chamado Burri, testemunhamos alguma ação. Os combatentes perseguem e disparam uns contra os outros", relatou a sudanesa.

 

Matheus Cotulio Bossa, 30 anos, o Matheuzinho, meia do Al-Merreikh, em Omdurman, a 18km de Cartum

"É um momento de tristeza, de guerra. Nosso desejo é voltar para o nosso país, para a nossa família. Quero pedir orações e mensagens de incentivo, e que possam transmitir esse apelo a alguém que possa solucionar nosso problema. Entramos em contato com o Itamaraty e com o consulado, e as mensagens que recebemos é para que permaneçamos onde estamos. São três dias de guerra, o tempo está passando e a comida, acabando. A luz aqui é do gerador do hotel, e a gente não sabe até quando vai."

Hind Mohamed, 34 anos, gerente de projetos, moradora de Cartum

"Os sons que escutamos com frequência, desde o último sábado, são de bombas e disparos. Eles começam por volta das 4h e duram quatro ou seis horas. Aí são interrompidos e recomeçam, pelo resto do dia. Hoje (ontem), tem sido indiferente. Os combates são ininterruptos. No domingo, vimos aviões de guerra por um curto período. Nós ouvimos o barulho dos caças, novamente, nesta tarde."

 

Ibrahim Alhaj Alduma, 30 anos, pesquisador, morador de Cartum 

"A situação por aqui é traumatizante. Tenho monitorado a situação em todo o país, e o cenário por aqui é aterrorizante. Não é fácil. Não penso em sair de Cartum, porque todos os sudaneses estão na mesma condição. Infelizmente, estamos sem energia elétrica, e é mais seguro ficar em casa. As forças em combate atacam qualquer carro que se mova pelas ruas. Eles não têm regras de guerra, nem princípios. Não existe garantia nenhuma para a nossa segurança."

Fonte: correiobraziliense

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