22 de Novembro de 2024

A região onde as pessoas tomam cerveja no café da manhã


Estamos em um sábado de manhã, mas parece sexta-feira à noite no bar e restaurante Gaststätte Großmarkthalle, na zona sul de Munique, na Alemanha. Seus salões revestidos de madeira estão repletos de gente, garçonetes com roupas típicas carregam bandejas cheias de bebidas e a freguesia aumenta lentamente.

O local atrai uma multidão em busca de um clássico café da manhã da Baviera: o Weißwurstfrühstück - literalmente, "café da manhã com salsicha branca". A refeição consiste na salsicha branca que originou seu nome, acompanhada de pretzels macios e mostarda doce - tudo regado a cerveja de trigo.

Muitos lugares em todo o mundo mantêm tradições matinais próprias. Em Lyon, na França, as pessoas comem miúdos com vinho às nove horas da manhã. Em Van, na Turquia, o café da manhã típico tem nove pratos. Em Trang, na Tailândia, não é raro dirigir-se a um restaurante em busca do tradicional dim sum antes do nascer do sol.

E, na Baviera, o Estado no sul da Alemanha conhecido pelos seus trajes tradicionais e pela folia da Oktoberfest, este costume culinário reflete a alegria local de viver.

"O Weißwurstfrühstück é mais do que apenas uma refeição; é uma desculpa para uma reunião informal quando é tarde demais para o café e cedo demais para o almoço", afirma Frauke Rothschuh, da secretaria de Turismo de Munique. Segundo ela, as pessoas costumam ficar apreciando o ambiente e, é claro, a cerveja.

O café da manhã típico pode ser encontrado em toda a cidade de Munique, mas o Gaststätte Großmarkthalle aparece constantemente entre os lugares mais bem avaliados da região. Dois irmãos, Ludwig Wallner e Gabi Walter, administram o restaurante desde que assumiram o negócio do pai, em 1999.

"Não mudou muito nos 55 anos [em que minha família está] na administração", afirma Wallner.

A decoração é simples e funcional. Luminárias de ferro fundido ficam penduradas no teto em formato de abóboda e porta-copos de cerveja substituem as toalhas de mesa. Meu laptop parece não combinar com o ambiente.

Wallner é o único dono de restaurante da cidade que ainda trabalha como açougueiro. Ele acorda cedo todas as manhãs e produz as salsichas manualmente com uma receita secreta da família, da mesma forma em que ele aprendeu quando era criança. Os ingredientes vêm do matadouro local e do grande mercado atacadista (Großmarkthalle) vizinho.

Durante a semana, o restaurante recebe comerciantes famintos e clientes do mercado. No fim de semana, as grandes mesas são ocupadas por famílias e amigos ou compartilhadas por grupos menores de estranhos que se cumprimentam carinhosamente dizendo, em alemão, Servus! ("saúde!").

Todas as idades são bem-vindas. Você encontra pais raspando o sal dos pretzels para dar aos seus filhos e clientes assíduos pegando mais uma cerveja sem precisar pedir.

"Alguns dos nossos dias mais movimentados são durante a Oktoberfest ou o Carnaval", explica Wallner, "ou em dias de jogo dos times de futebol de Munique".

Não se sabe ao certo qual é a origem das Weißwürste - salsichas brancas cozidas, feitas com vitela, bacon, cebola, salsa e especiarias. Mas a história mais popular diz que elas foram inventadas por acaso.

Em 1857, o jovem Sepp Moser, dono de restaurante em Munique, esgotou seu estoque de tripas de carneiro para suas salsichas e as substituiu por tripas de porco. Com receio de que elas pudessem se romper durante a fritura, Moser decidiu cozinhá-las em água.

A aposta deu certo. Hoje, as salsichas cozidas são um dos mais conhecidos pratos da Baviera e uma das primeiras coisas que os moradores locais recomendam aos visitantes. O café da manhã é consumido em todo o Estado alemão, especialmente na Alta Baviera (Oberbayern).

"É um prato que associo à minha família no interior", afirma Theresa Portenlänger, que gerencia com seus irmãos o moderno bar Xaver's, em Munique. "Sempre temos um Weißwurstfrühstück juntos na véspera de Natal."

Pergunto a ela sobre a ideia de tomar cerveja de manhã e ela responde: "acho que muitas pessoas, na verdade, não a consideram uma bebida alcoólica. É mais um alimento comum, como o pão!"

Esta refeição fica mais difícil de encontrar quando se cruza a chamada linha do Weißwurstäquator - o "equador da salsicha branca". A linha não tem uma definição exata; os rios Meno e Danúbio são indicados como possíveis fronteiras.

Mas esta divisão reflete diferenças culturais, além das culinárias, em cada parte do país. Você não encontra muitas pessoas usando Lederhosen - as calças típicas da Baviera - no norte da Alemanha, por exemplo.

Tradicionalmente, as salsichas devem ser consumidas antes de bater o sino da igreja ao meio-dia. A tradição vem de uma época anterior à refrigeração e diferentes técnicas de preparação.

Hoje, esta preocupação é desnecessária, mas muitos lugares e moradores locais ainda a obedecem. Outros, como Wallner e Portenlänger, agora servem as salsichas após esse horário, mas ainda soa estranho pedir o prato no final da tarde.

Servidas em uma tigela com água quente, as salsichas brancas podem ser consumidas de diversas formas, mas você precisa antes remover a pele.

A técnica que me ensinaram é fazer um corte ao longo do comprimento da salsicha e descascá-la. Os moradores de Munique já têm prática e simplesmente sugam o seu interior - em alemão, zuzeln.

Mas, em qualquer lugar aonde você for, o melhor é observar e aprender.

"A maioria das pessoas é muito fiel ao restaurante do seu bairro", afirma Rothschuh. "Quando tenho visitantes de fora da cidade, costumo levá-los ao Turmstüberl, no Museu Karl Valentin, e combinar o Weißwurstfrühstück com um passeio turístico."

Além do museu dedicado ao comediante nascido em Munique, outros pontos importantes incluem os restaurantes Ayinger am Platzl e Donisl, perto da Marienplatz, ou o Schneider Brauhaus, que tem uma extensa coleção de cerveja de trigo.

O famoso Hofbräuhaus é outra opção, mas tome cuidado: ele é conhecido como um local para ver os principiantes comendo a pele da salsicha ou, pior, pedindo ketchup.

Munique tem forte reputação na Alemanha por ser um lugar apegado às suas tradições, mas isso também está mudando, à medida que sua população mais jovem olha para o futuro.

Hoje, nas vizinhanças do Gaststätte Großmarkthalle, você pode encontrar desde tacos até pizza vegana. A poucas quadras de distância, por exemplo, o café Om Nom Nom, aberto recentemente em um antigo açougue, serve pratos com queijo vegano.

E, embora não haja como negar que o Weißwurstfrühstück causa arrepios na espinha dos nutricionistas ou dos defensores da alimentação vegetariana, até esta antiga tradição da Baviera está evoluindo.

Em 2022, a startup Greenforce, com sede em Munique (uma das que mais crescem na Alemanha), lançou salsichas brancas veganas na Oktoberfest.

"Isso teria parecido muito improvável apenas cinco anos atrás", afirma o fundador e CEO (diretor-executivo) da empresa, Thomas Isermann, "mas a recepção positiva dos nossos produtos demonstra como a nutrição consciente também se aplica a eventos como a Oktoberfest, por mais tradicional que seja".

A empresa será o principal fornecedor vegano da Oktoberfest em 2023, abastecendo diversos restaurantes de Munique, como o Herrschaftszeiten, no centro da cidade, e o Max Emanuel Brauerei, no bairro estudantil de Maxvorstadt.

Produzidas na Alemanha com proteína de ervilha, as salsichas veganas têm 76% menos gordura e 62% menos calorias. Os dois restaurantes recomendam três salsichas como a porção padrão.

"Para mim, a opção sem carne não altera o significado, nem a importância social do café da manhã", afirma Isermann. "O fato é que ela permite que mais pessoas participem."

Decidi observar o que Wallner achava das salsichas veganas. Ele havia conversado comigo calmamente até então, mas ficou rapidamente alvoroçado. "Agora, você me pegou!", riu-se ele, dando um murro na mesa.

Procurando dar uma resposta equilibrada, ele disse que sabe que é uma mudança que não pode ignorar. Mas não consegue reunir as palavras "salsicha" e "vegana" em uma frase só.

Será que ele provaria uma? "Sim, claro! É bom conhecer a concorrência."

* Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.

Fonte: correiobraziliense

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