É inegável que os animais de estimação viraram parte integrante de muitas famílias e ganham cada vez mais espaço (e carinho) de seus parceiros humanos.
A prova disso vem das estatísticas: segundo o último censo do Instituto Pet Brasil, o país tem hoje 149,6 milhões de animais de estimação — o terceiro maior número em todo o planeta.
Assim, sete em cada dez brasileiros são tutores de algum bichinho ou ao menos conhecem alguém que tenha um.
Esse número vem subindo pouco a pouco, mas deu um salto com a pandemia de covid-19: 30% dos pets foram adotados nos últimos dois anos, de acordo com o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal.
A convivência com os animais é benéfica à saúde e traz bem-estar. Mas é preciso tomar alguns cuidados para que essa proximidade toda não prejudique a saúde: os animais podem transmitir uma série de doenças, algumas delas potencialmente graves e fatais, como a raiva e a toxoplasmose.
Existem mais de 200 enfermidades que se encaixam no conceito de zoonoses — quando um problema pode circular e afetar seres humanos e outras espécies de forma concomitante. E cerca de 6 em cada 10 doenças infecciosas que acometem as pessoas são transmitidas a partir dos animais, incluindo os domésticos, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA.
Mas isso, claro, não é uma justificativa plausível para desistir da ideia de ter um bichinho em casa — ou, pior, abandonar o pet que já faz parte do convívio familiar.
Com algumas medidas básicas, é possível diminuir significativamente o risco de ter qualquer contato com vírus, bactérias e outros patógenos que causam as tais zoonoses, como você confere a seguir.
Mesmo se o bichinho estiver bem, ele precisa passar necessariamente por uma avaliação veterinária pelo menos uma vez ao ano.
Durante essa consulta, o profissional da saúde vai realizar alguns exames básicos e fazer perguntas sobre a saúde do animal.
Essa também é uma excelente oportunidade para realizar dois cuidados fundamentais para a saúde do pet. O primeiro deles é atualizar a carteirinha de vacinação. Afinal, existem doses que precisam ser tomadas por eles todos os anos.
Quando falamos de cães e gatos, o principal é o imunizante que protege contra a raiva, doença causada por um vírus cuja mortalidade beira os 100%.
"Ela é transmitida pela saliva e por meio de lambidas, mordidas ou arranhões de um animal que está infectado", resume a médica veterinária Simone Baldini Lucheis, professora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu, no interior paulista.
Quando os animais estão com a vacina antirrábica em dia, isso representa uma proteção a eles mesmos e, de forma indireta, aos tutores.
O segundo cuidado de rotina nas consultas anuais é a vermifugação. Esse remédio permite eliminar parasitas do organismo deles.
Lucheis explica que um dos vermes mais comuns em caninos e felinos é a larva migrans cutânea, que está por trás de um quadro conhecido popularmente como bicho geográfico.
O nome vem do fato de que ela pode se infiltrar na nossa pele e transitar nessas camadas superficiais do corpo. Daí esse verme forma linhas tortuosas muito parecidas ao que vemos em mapas.
"Também é importante que o tutor recolha as fezes de seus pets sempre que sair com eles para vias públicas e parques", acrescenta Lucheis.
Falando em limpeza, outro ponto primordial é a manutenção de potes de ração, bebedouros e locais onde o bichinho faz xixi e cocô.
Além dos vermes, esses locais podem ser fontes de contaminação por bactérias.
Uma das mais preocupantes, especialmente quando falamos em gatos, é a Toxoplasma gondii, que provoca uma doença conhecida como toxoplasmose.
"Esse micro-organismo pode estar no tubo digestivo dos animais e ser eliminado pelas fezes", descreve o médico Marcos Vinícius da Silva, responsável pelo Ambulatório de Doenças Tropicais e Zoonoses do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo.
"Um indivíduo corre o risco de se contaminar com essa bactéria por meio do contato direto com esse material, através da água ou de alimentos não higienizados e mal cozidos", exemplifica.
Em alguns casos, a toxoplasmose pode ser bem grave. Ela é particularmente preocupante nas gestantes, pois pode causar aborto espontâneo ou malformação do feto.
Para evitar esse risco, o recomendado pelos especialistas é fazer um exame de fezes que avalia a presença da Toxoplasma gondii nos gatos. O teste é ainda mais indicado em filhotes, que costumam carregar essa bactéria com mais frequência.
Se ela for detectada de fato, há tratamentos disponíveis para eliminá-la do organismo do bichano.
O outro passo é sempre manter a higiene das caixas que os gatos usam como banheiro. Além de remover as fezes diariamente, é importante trocar a areia pelo menos duas vezes por semana — e limpar o recipiente com água e sabão a cada novo ciclo.
E, claro, é imprescindível lavar bem as mãos depois de fazer essa limpeza, para evitar que bactérias acabem contaminando outras superfícies ou os alimentos.
A preocupação com as mulheres grávidas é tão grande neste caso que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos sugere que elas não façam essa faxina na caixa de areia durante os nove meses de desenvolvimento do bebê.
O local em que os objetos dos animais de estimação são mantidos é outro ponto sensível para evitar a contaminação com bactérias e outros patógenos causadores de infecções.
A caixa de areia dos gatos ou o tapete higiênico do cachorro, por exemplo, devem ser mantidos o mais longe possível da cozinha e da despensa.
Já os bichos que fazem xixi e cocô em qualquer lugar podem passar por treinos de adestramento.
Os dejetos devem ser recolhidos sempre que possível — e a área suja precisa ser limpa e desinfetada com água sanitária ou outros agentes bactericidas.
Isso vale, inclusive, para os tutores de espécies menos convencionais. As tartarugas, por exemplo, excretam com frequência a bactéria Salmonella, uma das grandes causadoras de infecções gastrointestinais em seres humanos.
Ainda no quesito organização, os ambientes externos das casas são sempre um ponto de cuidado.
Silva, que também é consultor de zoonoses do Ministério da Saúde, destaca que esses locais muitas vezes são o ponto de contato dos pets com animais silvestres.
"Há o risco de caça e captura de morcegos que vêm para a cidade ou contato com a urina de roedores", exemplifica o médico e professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
O xixi de ratos e camundongos pode trazer a bactéria Leptospira, causadora da leptospirose.
Esse micro-organismo penetra por pele ou mucosas e causa desde um quadro febril leve até hemorragias gravíssimas.
Para evitar esse problema, o primeiro passo é dar uma atenção extra aos quintais. Os passos básicos incluem a instalação de telas em ralos ou saídas de tubulações, guardar a ração dos pets em locais seguros e de difícil acesso, não acumular lixos e entulhos e fazer limpezas periódicas.
Na hora da faxina, aliás, o uso de equipamentos de proteção — como botas de borracha — é mais uma medida para evitar o contato da pele com a Leptospira.
Lucheis lembra que, no caso da leptospirose, há uma vacina disponível para cachorros. Ela deve ser aplicada a cada doze meses.
Ainda no mundo canino, outra doença que preocupa é a leishmaniose. Esse protozoário é transmitido por meio da picada de mosquitos, que adoram se reproduzir em matéria orgânica em decomposição (como as folhas secas que se acumulam no jardim). Evitar esse acúmulo de lixo, portanto, é uma maneira de prevenir a doença.
"Ainda como medida de prevenção, pode-se utilizar coleiras com repelentes nos cães e realizar a vacinação contra leishmaniose", orienta Lucheis.
Silva conta que, há algum tempo, precisou atender uma família — um casal e um idoso — que resolveu viajar de carro entre São Paulo e Mato Grosso na companhia de uma calopsita.
"O problema é que as aves da família dos psitacídeos [como a calopsita, o periquito e o papagaio] têm uma bactéria no intestino que é liberada pelas fezes quando elas estão sob estresse", explica.
"A ave foi no bagageiro, eles ficaram o tempo todo da viagem com os vidros do carro fechados e com o ar condicionado ligado. O micro-organismo ficou circulando pelo ambiente e os três adoeceram", complementa.
O quadro causado por essa bactéria é conhecido como psitacose e pode evoluir para formas graves de pneumonia.
"O transporte de animais de um lugar ao outro precisa sempre ser feito nas condições adequadas, em locais seguros e com os equipamentos corretos", orienta o infectologista.
Se você já tem um ou mais pets e decide adotar outro, esse primeiro contato entre eles precisa ser feito com muita cautela.
Afinal, o novo bichinho pode estar com alguma doença infecciosa e transmiti-la aos demais.
E isso, por sua vez, cria e reforça cadeias de transmissão de bactérias e outros patógenos que podem chegar até os seres humanos.
"É preciso deixar o novo animal de quarentena, sem contato com os demais", aponta Silva.
Nesse período inicial de afastamento, o tutor deve se certificar que o pet passou por uma avaliação veterinária, fez alguns exames, está com a carteira de vacinação em dia e usou vermífugo.
Essa janela de isolamento também é valiosa para observar qualquer sintoma suspeito no comportamento, no corpo, na rotina de alimentação, no sono ou no xixi e no cocô do novato.
Uma cartilha do CDC americano sugere que tutores não acostumem o animal com certas brincadeiras — principalmente "lutinhas" ou movimentos que estimulem mordidas ou arranhões.
Muitas vezes, na melhor das intenções, o bichinho pode ferir a pele do tutor com as garras ou os dentes.
E esses machucados viram uma porta de entrada para diversos agentes infecciosos que estão presentes nas patas ou na boca dos pets.
Um exemplo disso é a esporotricose, uma enfermidade causada por fungos da espécie Sporothrix que é transmitida por gatos e cachorros.
A sugestão dos especialistas, portanto, é sempre usar um objeto como intermediário das brincadeiras.
Cães adoram correr atrás de bolinhas ou pelúcias e felinos curtem gravetos com guizos e fios amarrados, por exemplo.
Esse procedimento é simples, seguro e evita que o animal gere filhotes inesperados. Mas Silva aponta outro benefício da castração: algumas espécies, como os gatos, participam de brigas durante a época reprodutiva por instinto.
Esses confrontos são marcados por mordidas e arranhões. E, como você já deve ter entendido, esses machucados são fontes de transmissão de vírus, bactérias, fungos e outros agentes.
Com o bicho castrado, esse comportamento é inibido — o que representa uma proteção indireta contra as tais zoonoses.
Mesmo se todos os cuidados anteriores forem colocados em prática, o animal de estimação ainda pode sofrer com algumas doenças infecciosas que também afetam os humanos.
Ficar de olho em possíveis incômodos, portanto, é um passo fundamental para fazer o diagnóstico precoce e iniciar um tratamento o quanto antes.
Os profissionais da saúde orientam que, pelo menos uma vez por semana, os tutores realizem uma checagem geral no pet.
Nessa hora, vale conferir se ele não está com lesões na pele (especialmente nas ranhuras das patas e nas orelhas), falhas no pelo ou nas penas, alterações de comportamento, mudanças na consistência das fezes…
Se esses sinais preocupantes não melhorarem depois de alguns dias, procure um veterinário para uma avaliação mais completa.
"Ter um animal exige atenção e cuidado constantes com a higiene e a saúde", constata Silva
"A interação com os pets demanda muita responsabilidade do tutor, que precisa fazer uma guarda responsável e prevenir doenças zoonóticas", conclui Lucheis.
Fonte: correiobraziliense
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