A comunidade científica recebeu com otimismo o anúncio da Neuralink de que o órgão de regulamentação norte-americano Food and Drug Administration (FDA) autorizou os testes de implantes cerebrais em seres humanos. Em um tuíte no fim da noite de quinta-feira (25/5), o magnata Elon Musk, fundador também da Tesla, comemorou o sinal verde do órgão para os experimentos, que ainda não têm data para começar.
Por mais futurista e mesmo assustadora que possa parecer, a tecnologia de Musk não é propriamente uma novidade, afirmam os especialistas. Ela se soma a uma crescente linha de pesquisas de interface cérebro-máquina voltadas ao desenvolvimento de dispositivos capazes de beneficiar pessoas que perderam movimentos, seja por acidentes ou doenças neurodegenerativas. Na quarta-feira (24/5), por exemplo, a revista Nature publicou o relato de cientistas suíços que implantaram eletrodos no crânio de um paciente paraplégico, permitindo que ele voltasse a andar.
"É um primeiro passo importante, que um dia permitirá à nossa tecnologia ajudar muitas pessoas", tuitou a empresa de Musk, com sede na Califórnia. Em dezembro do ano passado, durante uma apresentação da Neuralink, Musk afirmou que a startup estava "trabalhando duro" para garantir a segurança do dispositivo antes dos primeiros implantes em humanos.
A tecnologia já foi testada em outros primatas. O potencial do chip, do tamanho de uma moeda, foi demonstrado em vídeos da Neuralink, nos quais macacos jogavam on-line seguindo o movimento do cursor em uma tela. O magnata alertou, em diversas ocasiões, sobre os riscos de a inteligência artificial (IA) se sobrepor à humanidade e garante que os objetivos da sua empresa são exclusivamente médicos.
"A ideia de interfaces cérebro-máquina, como as propostas pela Neuralink. está se aproximando mais do que nunca da realidade, como visto esta semana no emocionante ensaio clínico no qual cientistas implantaram uma interface cérebro-espinha para ajudar uma pessoa com paralisia a andar", comenta a neurocientista Tara Spires-Jones, vice-diretora do Centro de Descobertas de Ciências Cerebrais na Universidade de Edimburgo. "No entanto, essas interfaces requerem neurocirurgia invasiva e ainda estão em estágio experimental. Portanto, provavelmente levará muitos anos até que estejam disponíveis", diz.
Segundo Spires-Jones, mesmo com a aprovação do FDA, a conclusão do estudo da Neuralink ainda vai demorar bastante. Inicialmente, a empresa fundada em 2016 planejava implantar os chips em humanos em 2020, conforme anunciado no ano anterior. Depois, adiou os planos para 2022, quando foi acusada de violação do bem-estar dos animais nos testes pré-clínicos.
"A Neuralink não é uma nova tecnologia", esclarece Dean Burnett, pesquisador da Universidade de Cardiff, associado honorário de pesquisa da Universidade de Cardiff, no Reino Unido. "Chips implantados no cérebro para permitir que os humanos interajam diretamente e controlem programas de computador existem há décadas. Tanto quanto posso ver, a contribuição original de Musk é lançá-lo para o mercado de massa, para pessoas que ficaram paralisadas ou feridas de alguma forma, e este é um método de restaurar alguma autonomia para elas", considera.
Questões éticas sempre serão levantadas quando se pensa em interface cérebro-máquina, diz Anne Vanhoestenberghe, professora de dispositivos médicos implantáveis ativos do King's College London, na Inglaterra. "Existem discussões realmente importantes sobre como os dispositivos serão usados e qualquer potencial de uso malicioso. Esses podem parecer conceitos bastante remotos, enquanto questões sobre segurança e privacidade de dados são muito mais amplamente compreendidas", afirma.
"Finalmente, e mais importante, sempre que uma nova tecnologia é usada pela primeira vez em humanos, consideramos os riscos para os primeiros pacientes. Embora sejamos motivados pelos benefícios potenciais para a comunidade, esses dispositivos não são de risco zero. Os potenciais participantes desses estudos passam por horas de avaliação, incluindo reuniões com psicólogos para avaliar sua adequação", completa a especialista.
Apesar de promissora na área de neuroreabilitação, a inteligência artificial em pesquisas médicas também é motivo de preocupação para alguns cientistas. No início deste mês, um grupo de pesquisadores escreveu um editorial, na revista BMJ Saúde Global, pedindo a moratória dos estudos na área até que sejam elaboradas normas e regulamentações. "Se a IA cumprir sua promessa de beneficiar a humanidade e a sociedade, devemos proteger a democracia, fortalecer nossas instituições de interesse público e diluir o poder para que haja freios e contrapesos efetivos", escreveram.
Fonte: correiobraziliense
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