Chicago — Mesmo após 40 anos de carreira, o médico oncologista Patrick J Loehrer não deixa de se emocionar com as histórias dos pacientes que cruzam o seu caminho — ou mesmo de se encantar com o voo das aves sobre o Lago Michigan, em Chicago, cidade americana onde foi criado, no estado de Illinois.
Na conversa com a reportagem, o doutor Loehrer se emocionou por várias vezes ao falar do trabalho no Quênia. Para ser merecedor do título de humanitário, que lhe rendeu premiação no congresso anual da Sociedade Americana de Oncologia (Asco), no último domingo (4/6), ele destaca que é importante colocar os holofotes não sobre si próprio, mas sobre as tantas pessoas que trabalham para garantir o acesso à saúde por todo o globo.
“Trabalhar em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento — o que a oncologia global faz — acende uma chama que nós todos temos quando entramos na faculdade de medicina, mas essa luz se extingue em muitos de nós à medida que continuamos. Nós nos preocupamos em ganhar dinheiro e com outras questões, e esquecemos por que realmente nos tornamos médicos. Para mim, a vela voltou a acender, pois ela já estava lá, mostrando que há coisas mais importantes do que nós mesmo”, declara, em referência a primeira visita ao Quênia, há quase 18 anos.
Patrick J Loehrer ajudou a levar ao Quênia tratamentos contra o câncer
Arquivo pessoal
Patrick J Loehrer e comunidade médica no Quênia
Arquivo pessoal
Patrick J Loehrer, médico oncologista americano ajudou a levar tratamentos contra o câncer ao Quênia
Arquivo pessoal
Patrick J Loehrer, médico oncologista americano ajudou a levar tratamentos contra o câncer ao Quênia
Arquivo pessoal
Patrick Loehrer foi ao país africano conhecer o trabalho desenvolvido pela Universidade de Indiana em parceria com o grupo Ampath (Modelo Acadêmico de Fornecimento de Acesso à Saúde, em tradução livre) para tratamento de HIV/Aids. “Eles tem um modelo maravilhoso lá”, destaca. “Os pacientes com câncer, porém, eram colocados no fundo das alas de tratamento e nada era feito por eles. Isso me lembrou o que os Estados Unidos devem ter sido nos anos 1950. Como eu sabia das possibilidades, isso me moveu, me emocionou. Tem uma paciente em particular em quem eu sempre penso”, diz o médico, sem conseguir conter as lágrimas.
A paciente a que ele se refere era uma mulher de mais ou menos 40 anos, que havia passado mais de um ano rodando entre diferentes locais em busca de tratamento, e tudo o que conseguia eram remédios para a dor causada pelo enorme tumor que crescia em sua mandíbula. “Em certo ponto, ela finalmente conseguiu chegar a um hospital. A essa altura, todo o seu rosto tinha sido tomado pelo tumor. Fomos à parte de trás visitá-la. Ela tinha um cobertor sobre a cabeça. O médico estava traduzindo a história dela, de swahili — idioma africano — para o inglês”, lembra-se o médico.
“Eu tinha inocentemente tirado fotos de diferentes pacientes, já que era a minha primeira vez lá e eu queria documentar tudo o que fosse possível. Eu tinha minha câmera comigo e ela não queria retirar o cobertor da face porque não queria nos assustar. Eu estava tão emocionado… Então ela tirou, e eu me lembro que linda mulher ela era. Hoje, eu consigo me lembrar da sala, do cobertor, mas não me recordo do rosto dela. Só lembro o quanto era bonita.”
Depois de tomar alguns momentos para se recuperar da emoção que aflora sempre que compartilha a história, o doutor Loehrer atesta: “Foi ela quem me fez decidir: eu precisava fazer alguma coisa. Ali começou a minha missao”. Depois de toda a jornada, que passou pelo início da oferta de radioterapia na região e pela construção de um hospital, ele se compara a figura de São Paulo, discípulo que nunca encontrou Jesus, mas que contava "ótimas histórias sobre Ele”. “Eu sou um contador de histórias, não sou um humanitário”, diverte-se. “As pessoas que estão lá (no Quênia), elas são verdadeiros heróis."
Quando voltou do país africano, Loeher começou a articular para mudar a trajetória de adultos e de crianças que perdiam suas vidas para cânceres facilmente tratáveis. Encontrou um grande amigo do ensino médio, que havia se tornado bem sucedido financeiramente, como ele descreve. Durante um jantar, pediu ajuda para financiar a iniciativa. “Ele me perguntou: ‘Quanto custaria por um ano?’ Eu inventei um número, pois não sabia. Ele me disse: ‘Vou te dar metade disso. Em seis meses, me mande um relatório e eu envio a outra metade’. Começou assim”.
Depois desse aporte inicial, até mesmo empresas farmacêuticas se tornaram parceiras do projeto, assim como um grupo de universidades e de centros de medicina, sob a coordenação da Universidade de Indiana, onde Loeher leciona. Nos Estados Unidos, antes mesmo de começar o trabalho na África, o médico criou o grupo de câncer Hoosier, há mais de 35 anos. O objetivo é promover o trabalho conjunto de médicos da comunidade e acadêmicos em áreas rurais do estado de Indiana.
Como resultado do trabalho no país africano, hoje 150 pacientes com câncer são consultados por dia. Há 15 anos, no início do projeto, levava um ano para se chegar a esse número. “Um dos aspectos que eu me esforcei foi para que tivesse radioterapia lá, porque tínhamos pacientes chegando com tumores enormes na mandíbula, crianças com sarcoma de Kaposi, que é um câncer comum na áfrica subsaariana. A mandíbula se projeta de tal forma que o olho vira na direção do outro olho. É inacreditável.”
Há cinco anos, o doutor Patrick pode comemorar esse objetivo cumprido e ainda a construção de um hospital com unidades preparadas para oferecer quimioterapia e radioterapia. “Este ano, abriram mais uma ala de radiação. Estão tratando cinquenta pacientes por dia com radiação”, celebra.
Na avaliação do médico oncologista, e crucial que as universidades tratem a oncologia global como uma disciplina curricular, que possa instigar médicos e países de diferentes níveis socioeconômicos a debater questões e variáveis comuns que, em última análise, levem também a soluções para problemas compartilhados nas mais variadas nações. "Há alguns problemas que todos nós compartilhamos como humanos, mas nós tipicamente estamos mais focados em medicina, em termos de fazer cirurgia, radiação, quimioterapia, e não focados em questões de humanidade, que se cruzam no caso de pacientes com câncer. Acho que, assim, podemos fazer a grande diferença no mundo.”
O Consórcio Ampath é uma rede de centros de saúde acadêmicos que tem como objetivo operar parcerias de longo prazo para atender as necessidades de populações em situação de extrema vulnerabilidade. Hoje, há um braço exclusivo para oncologia. Universidades norte-americanas trabalham em conjunto, lideradas pela Indiana University, Moi University e o Moi Teaching and Referral Hospital, o único hospital que oferece atendimento terciário para 25 milhões de habitantes na parte Ocidental do Quênia.
São parceiras do consórcio as universidades de Brown, Duke, John Hopkins, Alberta, Purdue, Californio San Francisco, Toronto, Linkoping, Virginia; escolas de medicina Icahn, Dell, Kaiser Permanente; e centro de inovação em saúde global Stanford e NYU Langone Health.
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