23 de Novembro de 2024

Explosão de barragem no sul da Ucrânia causa desastre humanitário


Centenas de milhares de pessoas sem acesso à água potável, um número ainda não estimado de desabrigados à espera de resgate, 10 mil hectares de terras agrícolas inundadas, um blecaute que afeta 20 mil civis, 150t de óleo despejadas no Rio Dnieper e prejuízos de US$ 1 bilhão. Aos poucos, as consequências da explosão da barragem da usina hidrelétrica de Kakhovka, no sul da Ucrânia, na madrugada de terça-feira (6/6), tomam a forma de uma catástrofe humanitária, econômica e ecológica dentro de uma guerra sem perspectivas de fim. Kiev e Moscou se culpam mutuamente pelo atentado. Além de fornecer água para a Península da Crimeia, a represa de Kakhovka era crucial para o resfriamento dos reatores da usina nuclear de Zaporizhzhia. 

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, rompeu o silêncio e acusou Kiev de ter cometido uma "atrocidade". O chefe do Kremlin alertou sobre "um desastre ambiental e humanitário em larga escala", ao conversar por telefone com o colega turco, Recep Tayyip Erdogan. As autoridades de ocupação em Kherson temem o surgimento de epidemias, ante a inundação de cemitérios e os milhares de animais mortos.

Até a noite desta quarta-feira (7/6), 5.900 moradores tinham sido resgatados — 4 mil da área controlada pelos russos e 1.900 daquela em poder da Ucrânia. Pelo menos 80 localidades, que concentram 40 mil habitantes, em ambas margens do Rio Dnieper, estão sob o risco de inundação. Andrii Kostin, procurador-geral ucraniano, estima que será necessário remover "17 mil civis". 

Emmanuel Macron, presidente da França, anunciou que, "nas próximas horas", será enviada "ajuda para atender às necessidades imediatas" da Ucrânia após a catástrofe. "A França condena este ato odioso, que põe a população em risco", declarou ele, após conversar por telefone com o ucraniano Volodymyr Zelensky. "Pude transmitir ao presidente Zelensky minha solidariedade ao seu povo após o ataque à represa", acrescentou. A ajuda inicial consiste em um comboio com uma dezena de toneladas de produtos de saúde, higiene e saneamento hídrico.

Analista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv (em Kiev), Petro Burkovsky espera que a comunidade internacional reaja de modo contundente à explosão da barragem. "Uma vez que foi um desastre causado pelo homem, ou seja, por Putin, quem o ordenou, a resposta deveria ser o completo isolamento da Rússia", defendeu, em entrevista por meio do WhatsApp. "A Ucrânia tem alertado sobre a guerra genocida russa, ao longo de 15 meses. O ataque à usina não foi uma surpresa."

Burkovsky sublinhou que chama a atenção a "inutilidade" do atentado contra a represa. Ele explicou que, sob a perspectiva militar, o território atingido era o mais protegido por obstáculos naturais, como o Rio Dnieper, as zonas úmidas e as ilhas com inúmeros braços do rio. "Os russos destruíram sua primeira linha de defesa na margem esquerda. Depois de um mês, quando o nível da água baixar, devido às altas temperaturas do verão, a travessia do Rio Dnieper naquela área ficará ainda mais fácil." 

Serhii Nikitenko, morador de Kherson: "Haverá muitas vítimas"
Serhii Nikitenko, morador de Kherson: "Haverá muitas vítimas" (foto: Arquivo pessoal )

Morador de Kherson, o jornalista Serhii Nikitenko, 39 anos, relatou ao Correio que a situação humanitária é "extremamente difícil" na margem esquerda do Rio Dnieper. "É provável que haja muitas vítimas, porque os russos não salvaram as pessoas ou o fizeram tarde demais", disse. Segundo ele, os assentamentos de Oleshi e de Gola Prystan, na região, foram completamente inundados. "Aqui em Kherson e em vilarejos da margem direita, o cenário, apesar de complicado, não é crítico. A retirada de moradores está em andamento. As autoridades trabalham contra o relógio, e voluntários de várias partes da Ucrânia se uniram aos esforços de resgate", comentou. 

Outra preocupação, segundo ele, diz respeito ao meio ambiente. "Poucos têm pensado nisso, todos se focam em salvar pessoas", disse Nikitenko. Ele acredita que a região enfrenta uma catástrofe ambiental e econômica. "A situação se desdobra de forma muito rápida. É difícil prever qualquer coisa."

A 700km dali, em Ternopil, Oleksandr Kobets — natural de Kherson e diretor da Associação da Escola Ucraniana de Construção da Paz — viajará à área do desastre no sábado (10/6). "Estamos arrumando uma carga de donativos", contou à reportagem. 

Hortaliças

A margem direita do Rio Dnieper, na região de Kherson, está sob controle de Kiev, enquanto a esquerda segue sob ocupação de Moscou. "É nessa área que assistimos  a uma catástrofe. Os moradores estão em perigo e morrendo. Os russos não resgatam os civis e os impedem de fugir", denunciou Kobets. A região cultivava quatro vezes mais hortaliças do que a média da Ucrânia. "A agricultura depende da irrigação e a água vinha da represa. Tudo está devastado."   

Tragédias se repetem dentro da catástrofe. "Um casal de idosos estava sentado sobre o telhado de casa. Um conhecido os viu. Havia muita água e se afogaram. Isso ocorreu na margem esquerda do Dnieper, na cidade de Hola Prystan. Desde terça-feira, os russos montaram postos de controle nas saídas das cidades e vilarejos. Eles impedem os moradores de fugir", acrescentou Kobets.

Em nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores nesta quarta-feira (7/6), o governo brasileiro afirma que recebeu, com consternação, a notícia do rompimento da barragem de Kakhovka. De acordo com  o Itamaraty, o incidente "demonstra, mais uma vez, o trágico e duradouro impacto da guerra para as população civis, e também a urgência da busca do entendimento entre as partes com vistas à cessação das hostilidades". "O governo brasileiro está disposto a colaborar, inclusive com as organizações internacionais competentes, para a mitigação das consequências do incidente. Além disso, considera indispensável a apuração de responsabilidades no episódio por entidade internacional isenta e independente", afirma. Segundo o comunicado, o ministro Mauro Vieira manteve, ontem, uma conversa telefônica com Rafael Grossi, diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), com quem discutiu a preservação da segurança nuclear da usina de Zaporizhia. "O governo brasileiro reitera seu firme apoio ao trabalho técnico desenvolvido pela AIEA."

Fonte: correiobraziliense

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