No Brasil, a obesidade atinge cerca de 26% da população, conforme o Ministério da Saúde, e representa risco para outros males, como diabetes e hipertensão. Os problemas associados ao excesso de peso não param por aí. Uma pesquisa divulgada na revista Nature Metabolism mostra que ele também prejudica a resposta do cérebro aos nutrientes e afeta questões hormonais ligadas à alimentação. O estudo também aponta que as mudanças cerebrais em pessoas obesas são duradouras, permanecendo mesmo após o emagrecimento.
Segundo o ensaio desenvolvido pela Amsterdam UMC, na Holanda, e pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos, os obesos mostraram resposta reduzida na atividade cerebral após a infusão de nutrientes no estômago. Para a pesquisadora líder do trabalho, Mireille Serlie, os resultados observados sugerem que a detecção de nutrientes no estômago e no intestino é minimizada nesses indivíduos. "Isso pode ter consequências profundas para a ingestão de alimentos", enfatiza, em nota, a professora de endocrinologia da instituição holandesa.
A equipe observou alterações na dopamina, um neurotransmissor ligado a sentimentos gratificantes ao se alimentar, no cérebro dos voluntários com excesso de peso. "Descobrimos que aqueles com obesidade liberam menos dopamina em uma área do cérebro importante para o aspecto motivacional da ingestão de alimentos, em comparação com pessoas com peso corporal saudável", relatam os autores.
A nutricionista Camila Pedrosa, especialista em comportamento alimentar, explica como o desequilíbrio de dopamina afeta os pacientes. "Pode levar a uma redução na sensibilidade dos receptores de dopamina devido a uma exposição frequente a dietas ricas em alimentos altamente palatáveis, com alto teor de açúcar e gordura, que, normalmente, são alimentos industrializados."
A especialista também conta que, com o passar do tempo, a pessoa precisa de mais dopamina para produzir a mesma resposta de recompensa ao se alimentar. "Essa redução da sensibilidade pode levar a uma busca cada vez maior por alimentos altamente palatáveis, contribuindo para um ciclo vicioso de consumo excessivo."
Conforme o artigo, a ingestão de alimentos depende da integração de sinais metabólicos e neuronais complexos entre o cérebro, diversos órgãos, incluindo o intestino, e parâmetros nutricionais observados no sangue. Esse sistema estimula sensações de fome e saciedade, ajuda a regular a alimentação, além de desencadear a motivação para procurar comida. Apesar desses processos serem estudados e bem compreendidos em animais, pouco se sabe sobre o que acontece nos humanos, segundo os autores.
Para contornar a falta dessas informações, o grupo realizou um estudo controlado com 60 voluntários. Foram feitas infusões de nutrientes diretamente no estômago de 30 participantes com peso corporal saudável e 30, com obesidade. Durante a abordagem experimental, os indivíduos tiveram medidas, simultaneamente, a atividade cerebral e a liberação de dopamina.
Ao observar os resultados, os cientistas notaram que, após a infusão dos nutrientes, os participantes com peso saudável apresentaram padrões específicos de atividade cerebral e liberação de dopamina. Essas respostas foram significativamente diferentes no outro grupo, o de obesos, e não voltaram aos padrões normais após esses voluntários perderem 10% do peso corporal em decorrência de uma dieta de 12 semanas.
A avaliação da equipe é que o resultado sugere que as mudanças no cérebro são duradouras e se mantêm mesmo com a perda de peso. "O fato de essas respostas no cérebro não serem restauradas após a perda de peso pode explicar porque a maioria das pessoas recupera o peso após um emagrecimento inicialmente bem-sucedido", afirma Mireille Serlie.
Marco Aurélio Fraga Borges, neurologista do Instituto de Neurologia de Goiânia, sublinha que a reversibilidade dos efeitos da obesidade varia de acordo com cada indivíduo e a gravidade da condição. "A perda de peso e a adoção de um estilo de vida saudável são abordagens essenciais. Essas alterações na relação intestino-cérebro podem contribuir para dificuldades na regulação do apetite, na tomada de decisões alimentares e no controle do peso corporal em indivíduos obesos, cronificando ainda mais a situação", detalha.
Para Fernanda Lopes, endocrinologista do Exame Medicina Diagnóstica, os resultados do trabalho divulgado na Nature Metabolism são imprescindíveis no atual contexto de epidemia de obesidade, podendo ajudar no desenvolvimento de formas mais eficazes de enfrentamento ao problema. "Essas pesquisas são necessárias para que as próximas gerações tenham ganhos na qualidade de vida e para que a medicina consiga melhorar a atenção aos pacientes com obesidade", afirma. "Ensaios assim podem ajudar no cuidado e na compreensão dessa e de várias doenças, mas ainda estamos muito longe de conseguir intervir de forma mais efetiva no tratamento da obesidade."
A obesidade é uma doença crônica, sobre a qual se descobre um pouco mais a cada dia. A fisiopatologia dessa doença envolve alteração hormonal, incluindo hormônios que induzem saciedade e estimulam a fome. Além disso, há mudanças em neurotransmissores, o que reduz a sensação de saciedade e aumenta a fome. As medicações antiobesidade que temos hoje atuam justamente nesses mecanismos fisiopatológicos, diminuindo ou aumentando a liberação desses hormônios que induzem a saciedade. Estudos como esse são importantes porque nos permitem conhecer mais sobre a fisiopatologia da doença e desenvolver novas medicações que agem nesses mecanismos. O importante é conhecer como a doença se desenvolve e os pontos-chave que são gatilhos para a doença. Assim, a gente consegue agir nesses pontos e tratar melhor a obesidade."
Érika Fernanda de Faria, médica endocrinologista do Hospital Santa Lúcia Norte
Fonte: correiobraziliense
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