Lucy, a famosa humana primitiva que viveu há 3,2 milhões de anos, tinha capacidade de ficar tão ereta quanto ficamos hoje. É o que sustentam cientistas da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, em um estudo publicado na última edição da revista Royal Society Open Science. O grupo chegou à conclusão ao fazer a reconstrução digital e modelar em 3D os músculos da perna e da pelve do hominídeo Australopithecus afarensis.
No ensaio, a equipe liderada por Ashleigh Wiseman usou dados de código aberto publicados recentemente sobre o fóssil de Lucy para criar um modelo digital da estrutura muscular da parte inferior do seu corpo. Eles recriaram 36 músculos em cada perna, sendo que a maioria era muito maior no ancestral primitivo e ocupava mais espaço nas pernas do que atualmente.
Por exemplo, os principais músculos das panturrilhas e coxas de Lucy tinham mais do que o dobro do tamanho do que temos hoje. Eles representavam 74% da massa total da coxa do hominídeo, em comparação com apenas 50% nas configurações atuais. Além disso, homens e mulheres da atualidade apresentam uma proporção muito maior de gordura por tecido muscular.
Para recriar os músculos de Lucy, a cientista utilizou exames de ressonância magnética e tomografia computadorizada das estruturas musculares e ósseas de uma mulher e de um homem modernos. Assim, foi possível traçar caminhos musculares e construir um modelo musculoesquelético digital. Em seguida, o grupo usou modelos virtuais existentes do esqueleto de Lucy para "rearticular" as articulações — ou seja, juntar o esqueleto novamente.
Com isso, pôde-se definir o eixo a partir do qual cada articulação era capaz de se mover e girar, replicando a forma de locomoção dos ancestrais primitivos. Por fim, os músculos foram colocados em camadas no topo do modelo criado, tendo como base as informações sobre os músculos dos humanos modernos. "A capacidade de Lucy de andar ereta só pode ser conhecida reconstruindo o caminho e o espaço que um músculo ocupa dentro do corpo", explica, em nota, Wiseman.
Andar único
Apesar de os paleoantropólogos concordarem que Lucy era bípede, não há consonância sobre a forma como ela andava. Alguns acreditam que ela se locomovia agachada, de maneira parecida aos chimpanzés quando andam sobre duas pernas. Outros pensam que o movimento estava mais próximo da forma como os humanos modernos caminham.
Nos últimos 20 dias, começou a se formar um consenso sobre o andar totalmente ereto, e a nova pesquisa britânica dá mais forças para essa corrente. Os músculos extensores do joelho de Lucy e a alavancagem que permitiriam fazer confirmam a capacidade de endireitar as articulações do joelho tanto quanto uma pessoa saudável pode fazer hoje.
"Somos o único animal que fica de pé com os joelhos retos. Os músculos de Lucy sugerem que ela era tão proficiente no bipedalismo quanto nós, embora, possivelmente, também se sentisse em casa nas árvores. Lucy, provavelmente, andava e se movia de uma maneira que não vemos em nenhuma espécie viva hoje", avalia Wiseman.
Segundo a autora, acredita-se que o Australopithecus afarensis conseguia percorrer áreas de pastagens arborizadas abertas e florestas mais densas na África Oriental. As características musculares a que ela e os colegas chegaram podem ter ajudado nisso. "Essas reconstruções dos músculos de Lucy sugerem que ela seria capaz de explorar ambos os habitats de forma eficaz", afirma.
Trabalhos parecidos anteriores trouxeram informações desse tipo sobre outras espécies. Reconstruções musculares já foram usadas para medir a velocidade de corrida de um Tyrannosaurus rex, ilustra a líder do estudo. "Ao aplicar técnicas semelhantes aos humanos ancestrais, queremos revelar o espectro do movimento físico que impulsionou nossa evolução, incluindo as capacidades que perdemos", sublinha Wiseman.
Lucy foi batizada com o nome de uma famosa música dos Beatles — Lucy in the sky with diamonds. Ela era uma jovem adulta, com pouco mais de 1m de altura e cerca de 28kg. Seu cérebro teria, aproximadamente, um terço do tamanho do nosso. O famoso espécime fóssil foi descoberto na Etiópia, em 1974, e é um dos exemplares mais completos já descobertos de qualquer tipo de Australopithecus: os cientistas conseguiram recuperar 40% de seu esqueleto.
Ela era de uma espécie humana primitiva, Australopithecus afarensis, que viveu na África Oriental há mais de 3 milhões de anos. Esses ancestrais eram mais baixos, tinham rosto de macaco e conseguiam andar sobre duas pernas. Adaptaram-se a ambientes com árvores e savanas, o que, acreditam os estudiosos, os ajudou na sobrevivência, que durou quase 1 milhão de anos.
Fonte: correiobraziliense
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