Humanos e chimpanzés se separaram de um último ancestral comum há cerca de 7 milhões de anos e, atualmente, compartilham 98,7% do DNA. Apesar das semelhanças, o Homo sapiens desenvolveu um cérebro muito maior e um corpo mais adequado para andar sobre dois pés. Embora se saiba que essas diferenças são resultado de alterações no DNA, ainda é um desafio identificar quais das pequenas diferenças genéticas entre nós e os macacos foram significativas para a evolução. Essa é a questão abordada por uma pesquisa divulgada, nesta terça-feira (20/06), na revista Cell. Durante o estudo, o grupo de cientistas descobriu que a estrutura cerebral pode ser resultado de genes que regulam a velocidade das divisões celulares.
O ensaio foi realizado por um grupo de cientistas de várias instituições dos Estados Unidos e utilizou ferramentas tecnológicas desenvolvidas no laboratório Weissman, também nos EUA, para investigar as principais diferenças no funcionamento de certos genes entre humanos e chimpanzés. Na abordagem adotada, os pesquisadores analisaram células-tronco obtidas a partir de amostras de pele humana e dos macacos.
Para isso, utilizaram a tecnologia CRISPRi, uma ferramenta de edição genética, a fim de desativar os genes que seriam objeto da análise. A equipe observou se as células editadas continuavam a se multiplicar na taxa considerada normal. Se parassem de se reproduzir rapidamente ou interrompessem completamente a atividade, indicaria que o gene havia sido desativado.
Conforme o artigo, após a conclusão dos experimentos com CRISPRi, o grupo elaborou uma lista dos genes que pareciam ser essenciais em uma espécie, mas não em outra. Em seguida, procuraram por padrões. Os cientistas observaram que muitos dos 75 genes identificados estavam envolvidos nos mesmos processos biológicos. Em geral, pequenas alterações individuais na expressão dos genes podem ter um efeito limitado. No entanto, quando essas alterações se acumulam no mesmo processo biológico, podem ocasionar uma mudança significativa na espécie.
Segundo os autores, a identificação de genes que se agrupam nos mesmos processos sugere que esses genes, provavelmente, estão envolvidos na evolução humana e dos chimpanzés. "Sabemos que existem muitas mutações de pequeno efeito que, em conjunto, podem ser responsáveis por muitas diferenças entre as espécies. Essa nova abordagem nos permitirá estudar esses efeitos agregados, permitindo pesar o impacto do conjunto de alterações nas funções celulares", afirma, em nota, Alex Pollen, um dos autores do estudo e professor do Departamento de Neurologia da Universidade da Califórnia.
Durante a análise, uma questão se destacou: um grupo de genes que auxilia no controle do ciclo celular, regulando quando e como as células se dividem, se mostrou essencial para os chimpanzés, mas não para os humanos. Segundo os cientistas, há muito tempo acredita-se que a regulação do ciclo celular desempenhe um papel fundamental na evolução do cérebro humano. A hipótese é de que, antes de se tornarem maduros, os progenitores neurais, células que se desenvolverão em neurônios, passam por múltiplas divisões para produzir mais células semelhantes a eles mesmos. Quanto mais divisões ocorrem, maior será o número de células cerebrais e, consequentemente, maior será o tamanho do cérebro.
Os pesquisadores acreditam que algo tenha mudado durante a evolução humana para permitir uma transição mais rápida dos progenitores neurais para a etapa de divisão. Eles descobriram que vários genes que facilitam a progressão acelerada do ciclo celular são essenciais nas células progenitoras neurais dos chimpanzés, mas não nas humanas. Quando as células progenitoras neurais dos macacos perdem esses genes, elas permanecem em um estado de não divisão, enquanto que, nos humanos, continuam a circular e a se dividir. Essa descoberta sugere que os progenitores neurais humanos podem ser mais resistentes a estresses, o que permite que os Homo sapiens produzam células em quantidade suficiente para construir um cérebro maior.
Para Pollen, os resultados não são muito diferentes do esperado, apesar de, no início, o grupo não saber ao certo quais genes ganhariam foco. "Essa hipótese existe há muito tempo, e acho que nosso estudo está entre os primeiros a mostrar que há de fato uma diferença entre as espécies em como o ciclo celular é regulado em progenitores neurais. Não tínhamos ideia de quais genes nossa abordagem destacaria, e foi realmente emocionante quando vimos que uma de nossas descobertas mais fortes correspondia e expandia essa hipótese existente."
Na avaliação de Amilcar Tanuri, médico e professor titular de genética da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o trabalho dos pesquisadores é relevante principalmente por avaliar as células precursoras dos neurônios. "A partir desse ensaio, podemos ver que a tendência é o ser humano, na embriogênese, formar mais neurônios que o chimpanzé, fazendo com que tenhamos um tamanho de cérebro maior. A pesquisa mostra também que a pequena evolução que houve propiciou diferenças em funções celulares humanas."
O especialista narra, ainda, que estudos como esse poderão auxiliar em investigações de questões futuras ligadas à área de saúde. "Acredito que esse tipo de pesquisa pode nos ajudar a tratar algumas doenças neurológicas e de atrofia cerebral", indica. A equipe americana trabalha, agora, justamente com esse objetivo: usando a abordagem para procurar diferenças sutis no uso de genes que podem estar subjacentes a características como maior risco de desenvolver uma enfermidade e o tipo de resposta a um medicamento.
Esse estudo traz à luz informação superimportante sobre genética de populações e genética evolutiva. Ainda não temos certeza de todas as diferenças entre os DNAs, mas é bom ressaltar que não são apenas essas mostradas no estudo — nós temos 98% do DNA em comum com chimpanzés, isso é importante e chama atenção. No entanto, estudos como esse trazem à tona informações sobre como pequenas diferenças se manifestam. Além disso, a gente tem falado, cada vez mais, sobre o mecanismo de desenvolvimento de doenças, o que pode ser estudado por pesquisas assim. Por exemplo, se o DNA dos dois é semelhante, um tem a doença e o outro não tem, possivelmente não veio de uma parte hereditária, mas da parte ambiental. Então, cria-se essa discussão científica."
Ciro Martinhago, médico geneticista, especialista em reprodução humana e membro da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA)
Fonte: correiobraziliense
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