Micro-organismos resistentes ao tratamento são uma preocupação real para a saúde humana — a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, em 2050, o problema pode se tornar a principal causa de óbitos no planeta. Um estudo publicado na revista mSphere traz um novo sinal de alerta para esse cenário: fungos que não sucumbem aos medicamentos disponíveis estão prosperando até mesmo nas regiões mais remotas da Terra.
O grupo liderado por Jianping Xu, da Universidade de McMaster, no Canadá, identificou que 7% das amostras de Aspergillus fumigatus coletada na região dos Três Rios Paralelos, na província montanhosa de Yunnan, na China, é resistente a um antifúngico comum. O fungo é responsável pela aspergilose, uma infecção oportunista que costuma afetar o trato respiratório e cuja transmissão ocorre pelo ar.
A equipe alerta que a cepa pode se multiplicar rapidamente, e há a possibilidade de os esporos do fungo se espalharem, o que torna a preocupação com a disseminação global uma realidade em potencial. "Sete por cento pode parecer apenas um número pequeno, mas essas cepas resistentes a medicamentos são capazes de se propagar muito rapidamente e dominar as populações locais e regionais dessa espécie", enfatiza, em nota, Xu. "Há uma necessidade de aumentar a vigilância da resistência a medicamentos no ambiente em diversas regiões geográficas", completa.
Segundo o cientista, esse fungo "está ao nosso redor o tempo todo". "Estima-se que todos nós inalamos centenas de esporos dessa espécie todos os dias. Embora nem sempre causem problemas de saúde perceptíveis, de 3 a 4 milhões de pessoas apresentam sintomas de doenças causadas pelo A. fumigatus a cada ano." Xu sublinha, ainda, que o micro-organismo pode ser muito perigoso, causando danos no pulmão ou até mesmo morte. "Agora, cada vez mais, muitas dessas infecções serão afetadas pela resistência a medicamentos", projeta.
João Nóbrega de Almeida Júnior, médico pesquisador de epidemiologia e diagnóstico de infecções fúngicas do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, explica que, em geral, os fungos resistentes são agentes oportunistas de infecção e causam doenças em pacientes imunodeprimidos ou em estado crítico. "Por serem resistentes (os fungos), diminuem a chance de os pacientes infectados responderem ao tratamento prescrito."
O infectologista Werciley Vieira Júnior lembra que a resistência pode aumentar os custos de um tratamento. "Contra esses fungos poderiam ser usados antifúngicos, mas se eles resistem a medicações mais simples, nós vamos ter que usar outros remédios, com alto custo. Não respondendo à primeira alternativa, aumenta-se o risco de gravidade do caso, e quanto mais grave, maior o risco de evoluir, de haver um desfecho ruim, com sequelas ou até óbito."
Segundo o estudo canandense, embora haja evidências crescentes que sustentem o desenvolvimento natural de resistência às drogas no ambiente, há também indicações de influência externa para que esses processos ocorram. A equipe avalia que, provavelmente, as cepas resistentes do A. fumigatus encontradas surgiram a partir dos esporos de outros fungos que foram expostos em excesso a fungicidas agrícolas em outros lugares.
E a identificação desse cenário preocupante não é inédita. O estudo é o terceiro de uma série de artigos feita pelo grupo que investiga o A. fumigatus. O primeiro ensaio revelou que aproximadamente 80% das amostras de fungos coletadas em estufas de Yunnan eram resistentes a drogas comumente utilizadas. O segundo determinou que cerca de 15% do material coletado em campos agrícolas, sedimentos de lagos e florestas da província chinesa também apresentavam resistência.
Em outros trabalhos, Jianping Xu examinou mecanismos idênticos de resistência em cepas de fungos encontradas nos Territórios do Noroeste, no Canadá, e na Índia. Ele conta que, ao contrário de vírus como o da covid-19, os fungos não precisam de um hospedeiro para se espalhar. "Eles podem viajar em humanos, através do comércio e até mesmo em ventos fortes", relata, em nota.
Para um último ensaio, os cientistas pretendem voltar às regiões montanhosas da China para testar o ar em busca de esporos de fungos. Dessa maneira, esperam esclarecer como essas cepas resistentes estão alcançando e crescendo em regiões tão remotas.
“É uma questão de saúde pública. As autoridades precisam se debruçar sobre esse assunto. Tem alguns fungos para os quais há poucas opções terapêuticas, e são medicamentos muito caros, alguns muito tóxicos também. Nas infecções em que a resistência é muito difícil de tratar, a taxa de sucesso acaba sendo baixa. Temos poucas opções de antifúngicos disponíveis e, às vezes, precisamos fazer combinações desses remédios. É muito desafiador quando nos deparamos com um caso desse, e pode ser que encontremos infecções que são, de fato, intratáveis. A gente precisa do desenvolvimento de novas drogas, de medicamentos que consigam ter ação sobre esses fungos. Também é necessário ter mais acesso aos que já existem, principalmente aos remédios muito caros. Há alguns que não têm no Brasil.”
Victor Bertollo, infectologista do hospital Anchieta
Fonte: correiobraziliense
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