Desde que a humanidade começou a olhar para o céu, nossa Lua nos encara de sua órbita a uma distância relativamente curta do nosso planeta. Ela é o mais visível dos satélites naturais do nosso Sistema Solar, mas não é o único.
Calcular quantos são, no entanto, é um desafio constante.
Em maio deste ano, astrônomos anunciaram que haviam descoberto 62 novas luas orbitando Saturno, um dos gigantes gasosos do Sistema Solar.
Com isso, o número de luas confirmadas orbitando este planeta distante — que fica a cerca de 1,3 bilhão de quilômetros do Sol — aumentou para 145.
As descobertas também consagraram Saturno como o planeta com o maior número de luas em sua órbita, desbancando seu vizinho gigante Júpiter, no que foi chamado por alguns de "corrida lunar".
E o número de luas de Saturno continuou a crescer com outra descoberta adicionada à lista pela mesma equipe apenas algumas semanas depois.
As novas luas foram localizadas por uma equipe liderada por Edward Ashton, pesquisador de pós-doutorado do Instituto de Astronomia e Astrofísica da Academia Sinica em Taiwan. A descoberta, feita por meio de um telescópio no topo do Mauna Kea, um vulcão no Havaí, levou mais de dois anos.
Mas os astrônomos observam Saturno e seus satélites há mais de três séculos e meio. A humanidade já enviou, inclusive, quatro espaçonaves para Saturno, e ainda assim essas luas passaram despercebidas.
Como é que tantas luas de Saturno permanecem escondidas? O que torna as luas distantes tão difíceis de encontrar? E quantas luas mais podem estar por aí na escuridão do espaço?
Na última contagem, havia nada menos que 290 luas "tradicionais" no nosso Sistema Solar. No entanto, simplesmente observar uma lua não significa que seja oficialmente uma lua.
Alguns dos novos satélites já haviam sido observados antes, mas há um longo processo até que a União Astronômica Internacional chame oficialmente um deles de lua. São vários anos de observações constantes.
Durante séculos da civilização humana, muitos dos nossos vizinhos celestiais estiveram distantes demais para que pudéssemos discerni-los.
Em 1655, o astrônomo holandês Christiaan Huygens descobriu a maior das luas de Saturno, Titã, maior que o planeta Mercúrio. Só 16 anos depois que Jean-Dominique Cassini encontrou Iapetus e depois Rhea, Dione e, finalmente, Tétis em 1684. E apenas em 1789 o astrônomo alemão William Herschel identificou Mimas e a lua gelada Encélado.
Outras luas de Saturno escaparam da observação humana por muito mais tempo. Hiperión, que tem forma de batata, só foi descoberta em 1848, seguida cerca de 50 anos depois por Febe, que se desloca em torno de Saturno na direção oposta à maioria das outras luas.
Mas só com a chegada da era espacial e dos telescópios modernos que a lista de luas de Saturno começou a crescer consideravelmente. Naves espaciais como as sondas Voyager e Cassini foram capazes de acrescentar mais descobertas ao observar de perto o complexo sistema de Saturno.
Ainda assim, a grande maioria das luas de Saturno foram descobertas há relativamente pouco tempo, a partir do ano 2000.
Uma razão para isso é que os satélites descobertos nos primórdios da astronomia seguiam certos padrões: eram relativamente grandes e percorriam órbitas previsíveis, que os astrônomos chamam de órbitas regulares.
"Se você olhar para as quatro luas brilhantes de Júpiter, os satélites galileanos, eles são chamados de luas regulares, e todos os planetas gigantes têm luas regulares", diz Brett Gladman, astrônomo canadense da Universidade de British Columbia e um dos colegas de Ashton que participaram das recentes descobertas em torno de Saturno.
"E suas luas estão orbitando no plano equatorial do planeta, assim como os anéis ao redor do planeta. Acredita-se que elas tenham se formado em órbita, um disco achatado de gás e poeira que se formou ao redor dos planetas gigantes... da mesma forma que nossos planetas se formaram em órbita ao redor do Sol."
O senso comum, segundo Gladman, era que, se as luas se formavam a partir dos planetas próximos, elas ficariam muito próximas e orbitariam em torno de seus planos equatoriais — de forma parecida como os anéis planetários.
Mas acontece que algumas luas não seguem essas regras. Os planetas também têm satélites irregulares cujas órbitas não seguem uma trajetória previsível em torno do plano equatorial do planeta hospedeiro.
Suas órbitas são mais elípticas e inclinadas, se distanciando mais do planeta e, muitas vezes, em uma direção diferente do curso do planeta ao redor do Sol. Muitos também são muito menores em tamanho.
Durante décadas, os detetives de luas tiveram que usar chapas fotográficas daqui da Terra para tentar encontrar evidências das luas do Sistema Solar. Quanto menores elas eram e quanto mais irregular sua órbita, mais difíceis eram de observar.
Mas nas décadas de 1990 e 2000, a fotografia digital mudou de repente a maneira como cientistas, como Gladman, podiam localizá-las.
Os sensores CCD das câmeras digitais eram muito mais sensíveis à luz do que as chapas ou emulsões fotográficas, o que significa que objetos muito mais tênues poderiam ser detectados.
Mas surgiu um novo problema. Os sensores CCD eram pequenos, então o campo de visão que podiam capturar era muito limitado.
"Os planetas gigantes são muito grandes, a região ao redor deles onde você poderia orbitar os planetas — em vez de orbitar o Sol — é muito grande", diz Gladman.
"Em 1997, descobri as duas primeiras dessas luas perto de Urano usando uma câmera. Foi difícil, mas funcionou."
Ele acrescenta que a distância relativa do planeta da Terra supunha um campo de visão relativamente limitado de busca.
Veio então outro avanço: câmeras CCD de mosaico, que agrupam vários sensores CCD em uma rede.
"Isso dá a você um campo de visão muito mais amplo", explica Gladman.
"Quando isso aconteceu, houve uma explosão [de descobertas] no fim dos anos 1990, início dos anos 2000."
Em 2000, o próprio Gladman comprovou a eficácia da nova técnica.
"Foram 12 que descobri em 2000 com um par de telescópios", diz ele.
"As câmeras de mosaico multi-CCD de grande formato passaram a estar disponíveis em telescópios de grande abertura. E assim, você conseguia capturar céu o suficiente para que encontrá-las não fosse como pescar no escuro."
Detectar luas é um trabalho meticuloso.
"Antigamente, capturávamos uma imagem e, talvez, uma hora depois, outra imagem e, uma hora depois, outra imagem do mesmo deslocamento", conta Gladman.
Essas três imagens ajudariam a mostrar se um objeto — talvez uma lua — estava viajando em uma direção definida.
"Antigamente, quando as câmeras CCD não eram muito grandes, eu fazia tudo no olho. Mas agora as bases de dados são enormes, isso não é viável de fazer. Temos um software de computador que pega agora o enquadramento, encontra todos os objetos, elimina tudo o que não se move e depois procura o que se move."
As luas que faltam encontrar são pequenas e refletem apenas uma pequena quantidade de luz, o que obrigou os cientistas a usar novas abordagens.
A descoberta em maio, por exemplo, envolveu uma técnica chamada shift stack, que é semelhante ao modo de múltipla exposição em uma câmera.
E os astrônomos acreditam que a busca por luas é um campo que vale a pena seguir avançando. As recentes descobertas — de tênues pedaços de rocha que mal refletem a luz — oferecem algumas pistas sedutoras sobre o passado do sistema solar.
Mike Alexandersen, pesquisador de pós-doutorado do Minor Planet Center (MPC), que também participou da descoberta das últimas luas de Saturno, diz que as descobertas vão guiar nossa compreensão do que formou essas luas em primeiro lugar.
"Acredita-se que a razão pela qual elas estão agrupadas e têm órbitas semelhantes é que costumava haver um objeto que sofreu uma colisão. E depois, ao longo de bilhões de anos, os fragmentos continuaram a se chocar."
Gladman chama isso de "cascata colisional": uma série de colisões que dão lugar a luas cada vez menores.
Ele e seus colegas sugeriram recentemente que um evento de colisão relativamente recente, nas últimas centenas de milhões de anos, pode ter criado algumas das menores luas irregulares de Saturno.
Alexandersen conduziu várias pesquisas sobre o Cinturão de Kuiper: uma vasta aglomeração de detritos gelados 20 vezes maior que o cinturão de asteroides do nosso Sistema Solar.
Ele diz que o mapeamento de cerca de 4 mil objetos no Cinturão de Kuiper ofereceu algumas teorias sobre a formação dos planetas — e por que tantas luas pequenas estão espalhadas pelo Sistema Solar.
Um antigo cataclismo pode ter feito esses minúsculos satélites girar na escuridão, até um ponto em que a atração gravitacional dos gigantes gasosos (Júpiter e Saturno) era maior do que a do agora distante Sol — embora Alexandersen observe que o Sol siga exercendo influência mesmo nestas grandes distâncias.
As luas que esses detetives astronômicos buscam estão no limite do que a tecnologia atual pode capturar — satélites que medem pelo menos um quilômetro de diâmetro.
A inteligência artificial pode oferecer um salto adicional.
"Podemos usar técnicas de machine learning de inteligência artificial para fornecer as bases de dados a um computador e dizer a ele para encontrar as luas", afirma Gladman.
"Ainda estamos trabalhando nisso... é uma coisa desafiadora de se fazer. Mas nos últimos anos, as pessoas estão começando a fazer verdadeiros progressos."
Seja como for, as descobertas não dão sinais de que vão parar. Poucas semanas após o anúncio das 62 novas descobertas, os cientistas tiveram outra surpresa: havia mais uma lua para acrescentar à lista.
"Foi anunciada mais uma lua que não foi incluída no comunicado de divulgação para a imprensa porque não conseguimos ajustar a órbita corretamente", diz Alexandersen à BBC.
"Mas nós resolvemos isso. Portanto, não são 62, mas 63."
Isso eleva o total de luas de Saturno para 146.
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
Fonte: correiobraziliense
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