22 de Novembro de 2024

Venezuela, meio ambiente e Rússia: 3 pontos que ainda dividem Europa e Brasil


Brasil e Europa estão em um momento de reaproximação diplomática, impulsionados pela tentativa da União Europeia de retomar o espaço perdido na América Latina na última década — sobretudo para a China.

A realização da primeira cúpula em oito anos entre União Europeia (UE) e a Comunidade dos Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) foi um sinal dessa busca em reatar laços estreitos.

Houve avanços nas negociações de acordos comerciais e anúncios de grandes investimentos europeus na América Latina.

No entanto, a cúpula — que terminou nesta terça-feira (18/07) em Bruxelas — também evidenciou diferenças grandes de opinião que ainda separam europeus dos latino-americanos — e do Brasil em especial.

Confira abaixo três pontos que foram polêmicos nos dois dias de cúpula UE-Celac:

A União Europeia é crítica do regime de Nicolas Maduro na Venezuela. A UE considera que as eleições presidenciais venezuelanas de maio de 2018 — que reelegeram Maduro — "não foram livres, justas, nem credíveis, carecendo de legitimidade democrática, e que o país necessita urgentemente de um governo que represente verdadeiramente a vontade do povo venezuelano", segundo nota do bloco. Desde 2017, há sanções europeias contra a Venezuela.

Já o Brasil defende o diálogo com os venezuelanos, e o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, critica os EUA por bloqueios à Venezuela. Lula também se reuniu com Maduro em Brasília em 2018.

Essa diferença de postura ficou clara em Bruxelas.

No primeiro dia da cúpula, o governo da França anunciou que haveria um encontro quadrilateral para discutir a democracia na Venezuela — com líderes de Brasil, Colômbia e Argentina. O encontro não constava inicialmente na agenda do Itamaraty e foi confirmado ao longo do dia pelo governo brasileiro.

Na reunião, além dos presidentes Lula, Emmanuel Macron (França), Alberto Fernández (Argentina) e Gustavo Petros (Colômbia), estiveram representantes do governo e da oposição na Venezuela: a vice-presidente Delcy Rodríguez e o oposicionista Gerardo Blyde.

Depois do encontro, Lula disse que o grupo discutiu "a possibilidade de normalizar a situação na Venezuela". A União Europeia quer enviar observadores às eleições presidenciais do ano que vem, mas a Venezuela não aceita.

O alto representante da UE para Assuntos Internacionais e Política de Segurança, Josep Borrell, também participou da reunião — e disse que não houve avanços na questão dos observadores internacionais na eleição venezuelana de 2024. A questão deve voltar a ser discutida em uma reunião internacional em Paris em 11 de novembro.

Em declaração conjunta, França, Brasil, Colômbia, Argentina, Venezuela e a UE se comprometeram a trabalhar pela organização de eleições justas e transparentes e disseram que esse "processo deve ser acompanhado de uma suspensão das sanções, de todos os tipos, com vistas à sua suspensão completa".

Nas margens do encontro, Lula participou de um café da manhã com líderes da esquerda europeia e latino-americana, como o presidente de governo da Espanha, Pedro Sanchez, o chanceler alemão Olaf Scholz.

No encontro, os líderes falaram sobre os desafios da ascensão do populismo de extrema-direita na América Latina e na Europa — citando Jair Bolsonaro no Brasil e o partido Vox na Espanha —, mas não mencionaram a crise política na Venezuela.

Venezuelanos não foram convidados para o encontro, que, segundo os organizadores, reúne "progressistas, socialistas e democratas" dos dois continentes.

Um dos pontos que Lula mais abordou ao longo da cúpula foi a proteção ao meio ambiente e a Amazônia.

Citando o aumento significativo do desmatamento na Amazônia durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), os europeus fizeram um adendo ao acordo comercial União Europeia-Mercosul firmado em 2019 com novas exigências na área ambiental, uma iniciativa na época defendida pela França.

O documento também introduz penalidades para os países que não alcançarem as metas climáticas do Acordo de Paris, de 2015.

O acordo ainda não foi finalizado, e a questão ambiental tem emperrado negociações.

Em Bruxelas, Lula convidou os franceses a participarem de uma cúpula sobre a Amazônia que será realizada em Belém, em agosto. A França foi convidada por ter parte da Floresta Amazônica em território seu, a Guiana Francesa.

Lula disse que também convidou a Indonésia, a República Democrática do Congo e a República do Congo (que possuem florestas tropicais com desmatamento).

A reunião sobre desmatamento e florestas tropicais em uma cidade na região amazônica é uma tentativa do governo brasileiro de assumir o protagonismo internacional na questão ambiental meses antes da reunião climática anual da COP (conferência da ONU sobre o clima), que acontece este ano nos Emirados Árabes.

Ao final da cúpula em Bruxelas, Macron negou a jornalistas que as preocupações ambientais da França sejam ameaças protecionistas ao Brasil.

"Nossas relações comerciais são coerentes com nossa agenda climática, e precisamos continuar lutando contra as emissões de carbono importadas e o desmatamento importado. Nós nos respeitamos, e isso não é uma ameaça. Fizemos isso com o Chile, com a Nova Zelândia. Também estamos discutindo isso com o Canadá. É respeitoso e justo", disse Macron.

Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, disse que a Europa não está ameaçando o Mercosul e que não possui nenhuma agenda oculta na questão ambiental — ou seja, indicou que a União Europeia não está tentando usar preocupações ambientais como desculpa para impor medidas protecionistas.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, que é aliado próximo de Lula, disse que a chegada do brasileiro ao poder neste ano reduziu as preocupações internacionais com o compromisso do Brasil no combate ao desmatamento na Amazônia.

Com a Dinamarca, Lula buscou consensos na questão ambiental. Após encontro bilateral, a premiê dinamarquesa, Mette Frederiksen, anunciou a intenção de aprovar uma contribuição para o Fundo Amazônico no orçamento dinamarquês.

O tom crítico da União Europeia ao presidente russo, Vladimir Putin, se intensificou durante a cúpula, depois do anúncio de que a Rússia não renovará sua participação em um acordo que permitia aos ucranianos exportarem grãos pelo Mar Negro.

O pacto permitia que mais de 32 milhões de toneladas de alimentos ucranianos chegassem aos mercados mundiais.

Analistas dizem que a decisão de Putin pode levar uma escalada internacional de preços de alimentos.

"Para aqueles que ainda duvidam da sinceridade do presidente Putin e seu compromisso com o bem comum, a resposta dele é bastante clara: ele decidiu transformar comida em arma de guerra. E eu acho que isso é um erro enorme", disse Macron, presidente da França.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, disse que existe um risco que a decisão da Rússia traga insegurança alimentar para o resto do mundo.

Lula manteve sua posição crítica às sanções impostas por União Europeia e Estados Unidos à Rússia — e disse que vai defender uma reforma da arquitetura internacional.

"Precisamos de paz para superar os grandes desafios que temos diante de nós e isso implica mudanças sistêmicas profundas. Dividir o mundo em blocos antagônicos seria uma insensatez. É inadiável reformar a governança global. Esse será um dos principais temas da presidência brasileira do G-20, no próximo ano."

Apesar das desavenças, líderes europeus disseram na saída do encontro que houve um consenso da Europa e da América Latina sobre como tratar a guerra da Ucrânia na declaração final da cúpula — com a exceção de um país, que se opôs a qualquer menção ao conflito: a Nicarágua.

No texto final, não foi usado o termo "agressão" da Rússia à Ucrânia, como acontece em quase toda declaração que envolve apenas a União Europeia.

O texto final não contém nenhuma referência explícita à Rússia.

"Expressamos profunda preocupação com a guerra em curso contra a Ucrânia, que continua a causar imenso sofrimento humano e está exacerbando as fragilidades existentes na economia global, restringindo o crescimento, aumentando a inflação, interrompendo as cadeias de abastecimento, aumentando a insegurança energética e alimentar e elevando os riscos à estabilidade financeira", diz o documento assinado por todos os países de União Europeia e Celac — com a exceção da Nicarágua, que é aliada de Moscou.

"Nesse sentido, apoiamos a necessidade de uma paz justa e sustentável. Reiteramos igualmente nosso apoio à Black Sea Grain Initiative e aos esforços do secretário-geral da ONU para garantir sua extensão. Apoiamos todos os esforços diplomáticos voltados para uma paz justa e sustentável de acordo com a carta da ONU."

Fonte: correiobraziliense

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