22 de Novembro de 2024

Tempo flui diferente em regiões distintas do Universo, diz físico italiano


Em Tempo: O Sonho de Matar Chronos, o físico italiano Guido Tonelli parte da observação da realidade imediatamente ao nosso redor, a visível aos nossos olhos, para a exploração de mundos de objetos astronômicos colossais, assim como o do que é muito, muito pequeno, na procura de entender como funciona o fluxo do passado, do presente e do futuro.

"Consideramos o tempo um conceito abstrato por sermos objetos macroscópicos, vivendo em uma espécie de 'mundo do meio', no qual o relógio parece fluir perfeitamente e igual para todos", diz Tonelli, em entrevista à BBC Brasil.

"Fenômenos bem peculiares ocorrem próximos a grandes massas, como estrelas e buracos negros, nos arredores dos quais o espaço-tempo é deformado e pode se ter a impressão de o tempo passar muito mais devagar, assim como tudo é diferente no mundo microscópico, dos fótons, elétrons e múons".

A leitura leva o leitor a se imaginar nessas realidades nas quais parecem não valer as mesmas leis naturais com as quais estamos acostumados, as da física clássica fundada por Isaac Newton a partir dos pioneiros estudos da força da gravidade.

Quando se observam tanto os corpos gigantescos que povoam o Universo, quanto os fenômenos que acontecem em escalas subnucleares, a passagem harmoniosa de passado para o presente e para o futuro se distorce, se despedaça e se liquefaz.

"Espaço e tempo nos aparecem como um par indissociável; não um conceito abstrato, mas uma substância material", escreve o autor.

O discurso de Tonelli toma o partido da mecânica quântica e o da relatividade, ciências fundadas no início do século passado por nomes hoje icônicos, a exemplo do alemão Albert Einstein (1879-1955), do dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) e do austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961), três ganhadores do Nobel por contribuições no campo que levaram a mudanças na forma como percebemos o tempo.

Isso quer dizer que Tonelli defende, por meio da exibição de descobertas e experimentos científicos, a teoria de que o tempo é, nas palavras dele, um elemento material que "ocupa o universo inteiro, que vibra, oscila e se deforma".

Ou seja, não se trata de um conceito criado por nós, humanos, ao formularmos calendários e congêneres. O espaço-tempo, para a Física moderna, corresponde a uma espécie de campo que permeia todo o cosmo.

No livro, o físico italiano, professor da Universidade de Pisa, não apresenta novíssimas teorias.

Assim como em sua obra anterior, Gênesis: a história do universo em sete dias, lançada em 2019, a habilidade de Tonelli está em conduzir o leitor pela evolução do entendimento que temos sobre uma questão fundamental de nossa existência, não em revolucionar as ciências com propostas teóricas disruptivas.

Se em Gênesis ele apresentou os conceitos mais modernos da Física para responder à pergunta "Como tudo começou?", em Tempo, que chegou às livrarias brasileiras em junho, pela Zahar, a reflexão gira em torno das questões seminais: "O que é o tempo?", "Conseguiremos um dia derrotá-lo?", "Ele existe, mesmo, ou é só ilusão?".

"O tempo é uma substância, um elemento material", afirma o cientista.

"No nosso dia a dia, não vemos o espaço-tempo oscilando. Mas a verdade é que o tempo flui diferente, em distintas regiões do Universo, pois ele depende do local, em particular da quantidade de massa ao redor."

Tonelli é adepto de alegorias. No livro, ele imagina físicos viajando em direção a um buraco negro supermassivo.

Um deles, em uma nave a uma distância segura do fenômeno. A outra espaçonave, contudo, tem a ousadia de se aventurar, cruzando a fronteira do buraco negro, conhecida pelo termo "horizonte de eventos". Essa segunda, portanto, adentra o evento cósmico.

Ao atravessar o horizonte de eventos, o tempo parece continuar a passar normalmente para quem está dentro da nave dos exploradores. Porém, se esses cientistas emitirem um sinal de rádio para os outros colegas, na outra espaçonave, uma eternidade passaria até a mensagem ser recebida.

Em referência ao mundo exterior, enquanto se passassem alguns segundos dentro do buraco negro, poderiam se passar séculos e até milênios para quem está, por exemplo, na Terra.

"Próximo a corpos de supermassa, o tempo caminha proporcionalmente bem, bem mais devagar", explica Tonelli à BBC Brasil.

"Em teoria, apenas tecnicidades nos impedem de dobrar o tempo a nosso favor. Tenho certeza que um dia faremos isso."

Ele resgata como o público percebia os físicos que inauguraram os estudos da mecânica quântica, como Einstein: "Naquela era da primeira década do século passado, esses cientistas se faziam perguntas que, aos olhos do senso comum, pareciam inúteis, como 'por que o fóton viaja à velocidade da luz, mas não a supera?'. O mundo, porém, estava era preocupado com outras questões, como a fome e a iminência da Primeira Guerra Mundial".

Entretanto, Tonelli defende como foram essas bases científicas que levaram ao desenvolvimento de inovações como celulares, satélites, o raio-X e a energia nuclear.

Como pesquisador, o físico italiano tem experiência na liderança de equipes do Grande Colisor de Hádrons, o acelerador de partículas localizado no subsolo da fronteira da Suíça com a França.

Ele era um dos principais cientistas do laboratório quando ocorreu o anúncio da descoberta do bóson de Higgs, detectado pelas placas do equipamento no ano de 2012.

"Quando há uma descoberta científica de peso, nosso mundo não muda imediatamente. Décadas depois, todavia, esse mesmo achado costuma levar a revoluções tecnológicas", avalia Tornelli.

"Com a confirmação do bóson de Higgs, agora temos certeza que a massa dos objetos, sejam das estrelas ou de nossos corpos humanos, não são certezas absolutas. Elas dependem da existência de um campo, formado pelos bósons, e que em tese pode ser manipulado", acrescenta o físico.

"Imagino que essa descoberta poderá levar a progressos incríveis".

A Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, mantém uma página na internet, a Nasa Spinoff, que compila avanços tecnológicos presentes no dia a dia e que tiveram origem na ciência espacial realizada em seus laboratórios, esta fruto direto da evolução da Física quântica.

São elencados mais de 2 mil produtos, desenvolvidos desde 1976, em áreas como agronomia, transportes, geração de energia, medicina, tecnologia da informação, dentre outras.

Os antigos gregos viam Chronos (uma divindade que personifica "o tempo") como um titã.

O gigante devorava os próprios filhos, por medo de uma profecia de que um deles o deporia. Até que Zeus enganou o pai, que comeu uma pedra envenenada em seu lugar. Assim, Zeus matou Chronos, o tempo, e se tornou imortal.

"No passado, o ser humano se via como um ser frágil em meio a um cosmo eterno, feito do Sol, das estrelas, dos planetas, das divindades imortais", diz o autor de Tempo.

"Hoje, sabemos que tudo tem seu fim. A energia do Sol, por exemplo, vai se esgotar em alguns bilhões de anos, e nossa estrela irá assim morrer".

Há séculos, não tínhamos as ferramentas para medir com precisão distâncias e passagens de tempo pequenas demais, ou exageradamente grandes. A civilização, assim, recorria à mitologia e à religiosidade.

Segundo a narrativa da Bíblia, por exemplo, a criação do mundo teria se dado em 6 de outubro de 3761 a.C..

Hoje, a Ciência já concluiu que nossa espécie, a humana, surgiu na África há cerca de 300 mil anos, como descendentes de outros primatas.

Vivemos na Terra, planeta que surgiu há 4,5 bilhões de anos no Sistema Solar.

Todos habitamos o mesmo Universo, que teve início em uma grande expansão, o Big Bang, há 13,8 bilhões de anos.

"O espaço-tempo, como campo e substância, teriam nascido junto com o surgimento da massa e da energia no cosmo", acrescenta Tonelli.

Em seu novo livro, o físico italiano não se aventura por uma definição precisa do que é o tempo, além de apontá-lo como uma substância e como parte de um campo onipresente.

Contudo, ele faz referências a cientistas que exploram as teorias mais modernas da mecânica quântica sobre o tema, a exemplo de seu conterrâneo, e também físico, Carlo Rovelli.

Autor de best-sellers de divulgação científica, como Sete breves lições de física, de 2015, no meio acadêmico, Rovelli, hoje com 66 anos, é reverenciado por suas pesquisas seminais sobre a existência do que ele chama de "gravidade quântica em loop".

"As teorias quânticas vão se tornar parte de nossa compreensão básica do mundo. Porém, levará tempo para isso acontecer, como demorou mais de um século para aceitarem o modelo heliocêntrico de Copérnico", disse ele em entrevista em dezembro do ano passado, na ocasião do lançamento no Brasil de seu último livro, O Abismo Vertiginoso.

Rovelli, comparado frequentemente por veículos de imprensa ao físico inglês Stephen Hawking (1942-2018), devido ao sucesso de suas obras de divulgação científica em torno de estudos próprios e de colegas da mecânica quântica, ficou conhecido também por sua visão única sobre as propriedades do tempo.

Em 2012, ele ganhou fama por começar uma palestra do evento TEDx com a afirmação "o tempo não existe".

Mas ele afirma acreditar, sim, na existência do tempo. Só não é este com o qual estamos acostumados, o dos dias, semanas e meses do calendário.

"O que chamamos de tempo não funciona como uma característica real do Universo", disse ele na entrevista.

Em outro de seus livros, A Ordem do Tempo, de 2017, Rovelli explora as concepções que a humanidade já teve acerca desse elemento crucial da realidade: de Newton, que teorizava duas formas de tempo, e Einstein, para quem o espaço-tempo resultaria de deformações do campo gravitacional, ao atual estágio de pesquisas.

Para os cientistas da vertente de Rovelli, cujas teorias ecoam nos capítulos finais de Tempo, nos quais se abordam problemáticas sobre a entropia do Universo, o tempo é um elemento térmico.

Em vez de medida cronológica, como a calculada nos calendários, ele seria uma variável resultante da crescente entropia do cosmo, ao longo de seus 13,8 bilhões de anos de existência.

O subtítulo do livro de Tonelli, O Sonho de Matar Chronos, faz referência ao desejo de superar a mortalidade, pela analogia ao mito grego que narra como Zeus alcançou a divindade ao envenenar o titã, seu pai.

Contudo, apesar de acreditar na possibilidade de dobrar e manipular o campo do espaço-tempo, o autor não vislumbra qualquer possibilidade de vencermos a mortalidade, como fez Zeus.

"Nada é eterno, toda estrutura de matéria, seja um humano, uma estrela, uma galáxia, é frágil intrinsecamente", afirma o autor. "Cedo ou tarde, tudo se acaba".

Enquanto partículas elementares, como o bóson de Higgs, têm tempo de duração curtíssimo, de mínimas frações de microssegundos, estrelas, planetas e galáxias permanecem no cosmo por bilhões de anos.

Mas, no fim, como teoriza a física moderna, até mesmo o Universo um dia acabará.

Guido Tonelli defende uma teoria da Física moderna que indica o cosmo se encerrando na escuridão e frio total.

Segunda essa tese, a expansão cósmica, iniciada com o Big Bang, não se interromperá até romper o próprio campo do espaço-tempo.

"Se a estrutura do Universo não mais suportar o espaço-tempo, aí será o verdadeiro fim dos tempos, um Apocalipse, mas como contado pela Física quântica", conclui.

Fonte: correiobraziliense

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