Um minúsculo implante neural eletrônico poderá ser enviado ao cérebro através dos vasos sanguíneos e registrar a atividade individual de neurônios no interior do órgão. A nova tecnologia — apresentada, nesta quinta-feira (20/07), na revista Science — foi testada em ratos, com o objetivo de, no futuro, facilitar interfaces eletrônicas que sejam seguras e ajudem no tratamento de doenças e em terapias de reabilitação.
As interfaces cérebro-máquina (ICMs) são uma aposta para ajudar pessoas com paralisia ou distúrbios neurológicos a recuperarem suas funções. Conforme a pesquisa, desenvolvida por cientistas da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, a maioria dos dispositivos convencionais é limitada a avaliar a atividade neural apenas na superfície do cérebro. Chegar a regiões profundas requer, comumente, uma cirurgia intracraniana invasiva para a implantação de sondas, o que pode resultar em infecções, inflamação e danos aos tecidos.
Uma alternativa para implantar bioprodutos em regiões profundas do cérebro é a rede vascular cerebral. Anqi Zhang, autora principal da pesquisa, e o coautor Charles Lieber, porém, contextualizam que o uso dessa abordagem em humanos não será imediato. "Embora isso seja realmente empolgante para nós, com o potencial de impactar positivamente as condições e doenças humanas, levará tempo para traduzir de forma segura para estudos clínicos", justificam.
Zhang e sua equipe projetaram um dispositivo de gravação eletrônico em forma de malha, que pode ser carregado em um microcateter flexível e implantado em vasos sanguíneos com dimensões menores do que 100 mícrons — um mícron equivale a um milésimo de milímetro — diretamente no cérebro. Uma vez no lugar de destino, o dispositivo se expande, como um stent, para registrar sinais neuronais.
O neurologista Eduardo Uchôa, da Associação Brasileira de Neurologia, aponta que essa dinâmica é a principal inovação da pesquisa. "É um método menos invasivo, quando comparado aos procedimentos cirúrgicos tradicionais. O mecanismo de implantação se assemelha a de um stent utilizado em procedimentos vasculares", compara.
Para avaliar o potencial da sonda micro-endovascular (MEV), os pesquisadores implantaram o micro-objeto nos vasos sanguíneos do cérebro de ratos. Confirmaram a capacidade de medir a atividade de neurônios individuais no córtex e no bulbo olfatório dos animais. Além disso, constataram que os dispositivos exibiram estabilidade a longo prazo, não causaram mudanças substanciais no fluxo sanguíneo cerebral ou no comportamento das cobaias e provocaram uma resposta imune mínima.
Quando for possível utilizar a nova tecnologia em humanos, a qualidade das informações cerebrais obtidas vai melhorar, apostam os criadores. Segundo eles, as ICMs atuais têm compensações entre invasividade e resolução. "Por exemplo, a eletroencefalografia é menos invasiva, mas a resolução da gravação é baixa porque o crânio atenua grande parte da atividade neural. Por sua vez, os eletrodos de profundidade são invasivos e requerem cirurgia, mas a gravação pode alcançar resolução de células individuais", ilustram. "Devido à invasividade significativamente reduzida, nossa técnica pode ser muito mais fácil de ser levada às clínicas do que os eletrodos de profundidade atualmente utilizados."
Vladimir Zaccariotti, neurocirurgião do Centro de Tratamento de Epilepsia do Instituto de Neurologia de Goiânia, pontua que, apesar de promissora, a técnica tem algumas ressalvas. "A dificuldade é a questão dos vasos sanguíneos, que diminuem de espessura à medida que se aproximam da área em que o oxigênio vai ser extraído das células. Então, tem um limite de onde essa sonda poderá chegar. Não sei se será em uma área de estudo necessária para aquele paciente", explica. "Na doença de Parkinson, por exemplo, a pessoa tem uma doença numa área muito profunda, os vasos ali são microscópicos, capilares, ou seja, não tem como você chegar com a sonda."
“O próximo passo dos implantes cerebrais, além do tratamento das doenças, é poder fazer o cérebro interagir com dispositivos externos. É o que se chama de interface cérebro-computador ou interface cérebro-máquina. Essa fronteira ainda está muito distante de ser vencida, mas há progressos. Há grandes expectativas de que áreas do corpo comandadas por áreas cerebrais mortas, como em derrames e traumatismos, possam ser reavivadas com essa tecnologia. Mas reforço que ainda há um caminho muito longo. Frente às grandes inovações que demandam muito tempo de aprendizado, expectativas e custos, sempre é bom lembrar de medidas de saúde baratas e eficazes em neurocirurgia: a prevenção. Uso de capacete, combater embriaguez ao volante, educação contra traumatismos banais, estímulo de hábitos saudáveis para prevenção de derrame e medicina preventiva ainda têm papel preponderante sobre as grandes inovações.”
Mauro Takao Suzuki, neurocirurgião, diretor clínico do Hospital Sírio-Libanês de Brasília.
Fonte: correiobraziliense
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