Uma única dose de psilocibina, o princípio psicoativo dos chamados cogumelos mágicos, mostrou-se promissora para a remissão da anorexia, transtorno alimentar para o qual há carência de tratamento medicamentoso eficaz. A conclusão é de um pequeno estudo publicado, nesta segunda (24/07), na revista Nature Medicine. Embora preliminar e com um número reduzido de pacientes — 10 mulheres de 18 a 40 anos —, a pesquisa foi bem recebida pela comunidade científica porque, além da falta de opções farmacológicas, o distúrbio tem elevada taxa de mortalidade — o risco de óbito precoce é cinco vezes maior, comparado à população em geral, segundo uma revisão estatística do Instituto Psiquiátrico Parnassia, na Holanda.
O estudo com a psilocibina mostrou que 25mg da droga, acompanhado de psicoterapia, resultou na remissão dos sintomas de quatro pacientes. Além disso, após o tratamento, 90% das participantes afirmaram ter uma visão mais positiva da vida, com 80% classificando a experiência como uma das "cinco mais significativas" que vivenciaram e 70% reportando melhora na qualidade de vida em geral. Não houve efeitos colaterais graves com o medicamento, mas os autores da pesquisa observam que mesmo a versão sintética da substância é alucinógena. Por isso, a terapia só pode ser realizada no ambiente clínico, com monitoramento.
A psilocibina é produzida naturalmente por um grupo de mais de 100 tipos de cogumelos e, assim como o ácido lisérgico (LSD), produz alucinações — por isso, é usada de forma recreativa e em alguns rituais religiosos. A substância foi sintetizada em 1959 pelo químico suíço Albert Hoffman, que a isolou do fungo P. mexicana para fins medicinais. A farmacêutica para a qual ele trabalhava comercializava livremente a droga para médicos, o que foi proibido pouco tempo depois por autoridades de saúde em boa parte do mundo.
Porém, na última década, a estagnação das opções terapêuticas para distúrbios mentais levou pesquisadores a investir novamente no estudo do potencial de psicodélicos para doenças como depressão, ansiedade, abuso de álcool e, agora, pela primeira vez, anorexia nervosa. Segundo os autores do estudo da Universidade da Califórnia, em San Diego, publicado na revista Nature Medicine, ainda não se sabe como a droga ajudou a melhorar a qualidade de vida das pacientes com o transtorno alimentar.
Porém, no artigo, eles afirmam que é possível que a substância seja capaz de reverter alterações na produção da serotonina. Pesquisas anteriores sugerem que a psilocibina atua ativando os receptores cerebrais que reagem a esse neurotransmissor, associado ao bem-estar, e que pode estar reduzido em pessoas com anorexia.
Esse distúrbio alimentar e mental é caracterizado pela obsessão de manter o peso corporal o mais baixo possível. Deixar de comer ou se exercitar exaustivamente são algumas das estratégias utilizadas por pessoas que sofrem do problema. A desnutrição grave em decorrência do quadro pode matar por complicações cardiovasculares, renais e cerebrais, entre outras. Além disso, estima-se que até 40% das mortes precoces dos pacientes sejam por suicídio.
"É emocionante ver essa pesquisa sendo realizada. Atualmente, não há intervenções farmacológicas aprovadas para a anorexia nervosa, e elas são muito necessárias para salvar vidas", destaca Gemma Sharp, chefe de pesquisa de imagem corporal e distúrbios alimentares e psicóloga clínica sênior da Universidade de Monash, na Austrália. "Meus pacientes com transtorno alimentar manifestaram interesse na terapia com psilocibina por vários anos, e estou feliz que haja gradualmente mais oportunidades para eles participarem de pesquisas", diz a especialista, que não participou do estudo.
Sharp, porém, lembra que o estudo californiano ainda é preliminar. "O número de pessoas envolvidas na pesquisa foi muito pequeno para examinar minuciosamente os impactos nos transtornos alimentares e nos sintomas mais amplos de saúde mental." Ainda assim, se diz otimista. "As mulheres geralmente relataram melhorias em sua qualidade de vida, que é tão importante na recuperação do transtorno alimentar. Essa pesquisa fornece uma plataforma importante para estudos em larga escala. Um objetivo crucial é entender exatamente como a psilocibina pode ajudar pessoas com anorexia nervosa (os mecanismos biológicos), pois isso nos permitirá, como médicos e pesquisadores, otimizar quaisquer estratégias de tratamento."
No estudo, os pesquisadores utilizaram a psilocibina sintética COMP360, versão experimental da droga desenvolvida pela empresa de biotecnologia Compass Pathways, do Reino Unido. "As pessoas que vivem com anorexia nervosa precisam urgentemente de novas opções", ressalta o diretor-médico da corporação, Guy Goodwin. "Esse estudo mostra evidências preliminares promissoras de que o tratamento com psilocibina sintética pode ajudar as pessoas que vivem com essa condição difícil de tratar. Agora, estamos procurando investigar essas descobertas em nosso estudo maior de fase 2", revela.
Em um artigo de opinião publicado na Nature Medicine, os pesquisadores Tomislav Maji e Stefan Ehrlich, das universidades de Berlim e Dresden, respectivamente, destacaram o potencial do alucinógeno para tratamento da anorexia, mas observaram que, apesar dos efeitos benéficos, também existem "riscos potenciais a serem considerados ao planejar futuros ensaios clínicos".
"As anormalidades médicas associadas à anorexia nervosa, como baixo peso corporal e anormalidades eletrolíticas, podem aumentar a suscetibilidade a drogas potentes no sistema nervoso central", escreveram. Ainda assim, os psiquiatras concluíram que "dada a necessidade de tratamentos aceitáveis para esse distúrbio, a terapia com psilocibina pode representar um caminho promissor".
"A anorexia é uma doença potencialmente fatal. Há uma necessidade urgente de desenvolver novos tratamentos. Há muito interesse e exagero em torno do uso da psilocibina para potencialmente tratar uma variedade de diferentes condições psiquiátricas. Esse novo estudo é uma pesquisa em estágio inicial para verificar se a psilocibina combinada com uma psicoterapia é segura em pessoas com anorexia. O estudo não foi projetado para medir se o tratamento experimental foi eficaz, e não houve comparação com grupo placebo. Embora essa seja uma notícia empolgante, ainda não podemos dizer que a terapia assistida com psilocibina será útil para pacientes que sofrem de anorexia. O tratamento não deve ocorrer fora dos ensaios de pesquisa. Ninguém com anorexia ou outros distúrbios alimentares deve tentar se automedicar com psilocibina."
Michael Bloomfield, professor de neurociência psiquiátrica da Universidade College London
Fonte: correiobraziliense
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