Lisboa — As forças policiais entraram em alerta máximo em Portugal. Há o temor de que a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que se realizará entre os dias 1º e 6 de agosto no país e terá o papa Francisco como grande estrela, seja usada por movimentos radicais para provocar mortes e pânico na multidão. O Serviço de Informações e Segurança (SIS) identificou uma série de ameaças classificadas como de grau três, numa escala que vai de um, risco baixo, a cinco, risco significativo. Foram mapeados, segundo documento ao qual o Diário de Notícias teve acesso, possíveis ataques terroristas de lobos solitários motivados ou não ideologicamente, ações isoladas de pessoas com perturbações mentais e protestos de manifestantes violentos. Desde a última semana de julho, mais de 16 mil policiais estão nas ruas.
Por precaução, o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, Paulo Viseu Pinheiro, determinou que todas as fronteiras terrestres do país fossem fechadas. Desde 22 de julho, ninguém entra e sai de Portugal sem passar por barreiras policiais e ser identificado. A regra vale, inclusive, para cidadãos da União Europeia (UE).
Todas as principais estradas que cortam o país estão com bloqueios de segurança, de forma que se tenha controle total sobre o fluxo de veículos. As autoridades admitem que Portugal se destaca por ser um país pacífico — aparece entre as sete nações mais seguras do mundo em todos os rankings —, mas, para elas, não se pode ter uma visão ingênua num mundo em que o extremismo cresceu muito. A Europa tem sido um dos epicentros de ataques terroristas e está com uma guerra em seu território.
Pelas projeções do governo português, a Jornada Mundial da Juventude será o maior evento da história de Portugal, que nunca sediou uma Copa do Mundo ou as Olimpíadas. Portanto, o desafio será enorme para se manter tudo dentro da normalidade. A expectativa é de que até 1,5 milhão de peregrinos transitem por Lisboa e em seu entorno, o correspondente a 15% da população do país, o que pode resultar em estrangulamento dos serviços públicos. Tal possibilidade foi levantada pelo coordenador do Grupo de Projeto da Jornada, José Sá Fernandes, ao detalhar um amplo plano de mobilidade e segurança para tentar mitigar eventuais problemas.
Católicos fazem compras em loja da JMJ na Praça do Comércio, em Lisboa
AFP
O esquema, que dará muita dor de cabeça aos portugueses e aos turistas que estiverem em Portugal durante a Jornada, inclui o fechamento de várias estações de metrô nas proximidades da Praça Eduardo VII e do Parque Tejo, onde foram instalados os dois palcos para as missas que serão rezadas pelo papa Francisco e onde se concentrará a maior parte dos peregrinos.
As autoridades estão pedindo aos moradores de Lisboa e de seu entorno que só saiam de casa se necessário e sempre portando documento de identidade e comprovante de residência. Só assim poderão circular por áreas mais restritas. No caso daqueles que precisarão ir ao trabalho, as empresas terão de emitir um comunicado formal explicando as razões.
Mesmo as pessoas que estão em tratamento de saúde contínuo terão de apresentar o receituário médico para atravessar as barreiras de controle. Por isso, a ministra-adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, solicita paciência a todos, para que os transtornos sejam os menores possíveis. "Pedimos serenidade", afirma. Ela ressalta que, mesmo com algumas estações de metrô fechadas durante a JMJ, não deverá haver problemas no transporte público, porque foram reforçados os números de ônibus e de trens. Nos dias de semana, diz, serão mais 340 mil lugares disponíveis, incluindo os carros adicionais do metrô que circularão pelas estações abertas. No fim de semana, a disponibilidade adicional será de até 780 mil lugares.
Em meio a todo esse planejamento, o governo está sendo obrigado a lidar com uma série de greves marcadas justamente para os dias da Jornada. A Federação Nacional dos Médicos já informou que a categoria cruzará os braços nos dias 1 e 2 de agosto. Os operadores de trens iniciaram uma paralisação parcial, que deve se estender até o fim do megaevento católico. Sindicatos que representam os funcionários dos aeroportos prometem que eles cruzarão os braços em 5 e 6 de agosto. Há, ainda, a ameaça de suspensão da coleta de lixo e os professores, que estão em guerra com o governo, prometem seguidas manifestações.
Outro fantasma ronda as autoridades: o medo de crimes sexuais, uma vez que Portugal estará tomado por jovens do mundo inteiro — eles são maioria entre os 1,5 milhão de peregrinos e estão espalhados por várias cidades, em hotéis, casa de famílias, centros religiosos e acampamentos. Trata-se de um público muito vulnerável ao assédio. A recomendação é que familiares, mesmo de longe, mantenham contatos frequentes com os meninos e meninas, de forma que qualquer suspeita possa ser comunicada com rapidez às forças de segurança.
Portugal nunca se recuperou do trauma do desaparecimento, há 15 anos, da menina britânica Madeleine McCann. Ela passava férias com a família na Praia da Luz, no Algarve, sul do país, e sumiu no dia 3 de maio de 2007, pouco antes de completar 4 anos. Até hoje, ninguém sabe as circunstâncias exatas do sumiço da criança e muitas hipóteses já foram investigadas.
A menina estava no quarto do hotel com seus irmãos gêmeos, então com 2 anos, quando desapareceu. Seus pais, os médicos Kate e Gerry McCann, haviam saído para jantar num restaurante próximo ao hotel onde estavam hospedados. Em abril deste ano, um homem foi acusado na Alemanha pelo desaparecimento de Madeleine. As autoridades alemãs apontam como principal suspeito um pedófilo reincidente alemão identificado como Christian B.
O forte aparato de segurança montado em Portugal por causa da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que terá o papa Francisco como a grande estrela, fez com que surgisse o temor de desabastecimento nas áreas fechadas para trânsito de veículos, sobretudo, os de carga na capital portuguesa. Consumidores, restaurantes, armazéns e os próprios supermercados trataram de reforçar os estoques. O encontro vai de amanhã a 6 de agosto.
Desde a semana passada, famílias têm antecipado as compras, para que nada falte nos dias em que o esquema de segurança montado para proteger os jovens e o papa estiver em andamento. Nos restaurantes, os clientes estão esbarrando com caixas e caixas das aquisições extras dos últimos dias. Os supermercados abarrotaram os depósitos das lojas instaladas nas regiões mais afetadas pela Jornada.
Mesmo no entorno de Lisboa, como Almada, houve corrida para as compras. O pontífice não passará pela cidade, mas haverá vários eventos religiosos no Santuário do Cristo Rei, que costuma atrair muita gente mesmo em períodos de normalidade. Ruas no entorno do monumento já foram fechadas. No armazém de dona Fátima Laranjeiro, próximo ao Cristo Rei, as filas de consumidores tornaram-se uma constante.
O governo vem recomendando às pessoas que moram nas regiões mais afetadas pela Jornada Mundial da Juventude que abasteçam as despensas e a geladeira e só saiam de casa em caso de necessidade. Como muitas ruas de Lisboa serão fechadas, com restrição até mesmo a pedestres, a dica é evitar a circulação. Ninguém, porém, está proibido de sair de casa, até porque a Jornada é vista como uma celebração da fé, da caridade e da solidariedade. (Vicente Nunes)
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