Lisboa — Os jovens sãos as maiores vítimas do desemprego, dos abusos sexuais e da violência urbana. Apesar desses temas não estarem presentes nos discursos oficiais da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que começou ontem e vai até domingo, milhares de meninos e meninas cruzaram o mundo em direção a Portugal certos de que terão voz nos encontros que serão liderados pelo papa Francisco. De alguma forma, acreditam que a expressão da fé tornará o futuro deles menos tortuoso.
Nem o sol escaldante nem as pesadas medidas de segurança enfrentadas para chegar ao Parque Eduardo VII tiraram a alegria dos mais de 350 mil peregrinos que acompanharam a missa de abertura da Jornada, conduzida pelo cardeal patriarca de Lisboa, dom Manuel Clemente. Em sua homilia, ele defendeu que os jovens larguem as telas de seus celulares e saiam para descobrir o mundo real, em que os desafios são enormes.
Para o religioso, os jovens não podem ficar presos às aparências de um mundo irreal, sendo manipulados, quando a realidade requer ações concretas, seja para superar os próprios problemas, seja para estender a mão ao próximo. O Papa também tem enfatizado os perigos da desconexão da vida real, mas a própria Igreja católica está longe de se conectar com o que se passa na realidade de seus fiéis, que vêm diminuindo ano a ano.
Mulher trans, a brasileira Adani Robson, 27 anos, disse que veio à Jornada para tentar propor um diálogo mais profundo entre a Igreja e às comunidades transgênero e LGBTQIA+. “O Papa tem feito um discurso de representatividade muito forte, e vejo um valor neste discurso. Mas precisamos de ações mais efetivas. Veja, o mercado de trabalho também tem um discurso bonito, de representatividade, mas, na prática, isso não funciona”, acrescentou ela, que viajou de São Luís do Maranhão para Lisboa.
Para a empresária carioca Tamara Braga, 29, a Jornada representa um reencontro com a Igreja católica, da qual se afastou por anos por discordar da estrutura machista e racista que imperava entre os religiosos. “Fui coroinha durante anos, mas me decepcionei. Está na hora de a Igreja buscar um caminho diferente, de ser mais inclusiva”, afirmou. Ela, que é uma mulher LGBT, contou que se sentiu muito mal ao ser questionada ontem por um padre, dentro de uma igreja portuguesa, se a bandeira que ela estava abrindo no recinto era da comunidade gay.
Vanessa Pitanguy, 27, de Belo Horizonte, ressaltou a importância de a Igreja combater o racismo religioso. “É triste ver católicos atacando outras religiões, como a umbanda e o candomblé. O Papa tem um papel importante no combate à intolerância”, destacou. Segundo Lucas Pessoa, 28, da comunidade de Santo Amaro, no Rio de Janeiro, é vital que a Igreja se envolva mais em políticas públicas para conter o genocídio da juventude negra. “Estou fazendo uma coleta de dados periféricos na Maré, e tem dias que não consigo ir para as aulas porque há uma guerra dentro da favela”, assinalou.
Na opinião de Maria Angélica, 29, do Maranhão, é muito difícil para a população afrodescendente participar de eventos como a Jornada, sobretudo em outro país. “Por isso, estou aqui, nesse diálogo com a Igreja católica, com o Papa Francisco, para dar visibilidade ao que enfrentamos no nosso dia a dia”, frisou. Para Felipe Veloso, 21, estudante de engenharia civil, que se inscreveu como voluntário na Jornada, o encontro da juventude é uma enorme demonstração de que a Igreja está atenta às transformações da sociedade.
Professor universitário, Sérgio Moraes, 29, de Patos, Paraíba, lembrou que conheceu a Jornada em 2018, na Costa Rica e no Panamá, e ressaltou estar convencido de que o Papa Francisco está empenhado em dar voz às novas gerações. “Não foi à toa que ele promoveu uma grande abertura na Igreja, com falas muito fortes”, disse. Tanto ele quando Felipe veem com bons olhos o enfrentamento que a Igreja vem fazendo em relação aos abusos sexuais cometidos por religiosos. “O combate a esses crimes é fundamental”, reforçou Sérgio.
Integrante de um grupo de 20 pessoas que cruzaram o Atlântico para reforçar a fé na Igreja católica, Rosana de Araújo, 50, afirmou que o catolicismo está se renovando e a Jornada, com jovens de todo o mundo, é um importante termômetro para medir a força da estrutura comandada por Francisco. “Esse é o caminho que eu acredito”, assinalou. Para Vinícius Gonçalves, 25, de Rondônia, “a Igreja católica está longe de acabar”, ainda que os indicadores apontem que o número de fiéis a Roma despencou nos últimos 20 anos.
Para o Frei João Carlos, 52, do Maranhão, que está na sua quarta edição da Jornada da Juventude, a “Igreja está viva, pois nunca contemplou números”. No entender dele, as tradições do catolicismo se encaixam perfeitamente ao mundo novo. Pelos cálculos dos organizadores da Jornada Mundial da Juventude, apenas um país não conta com participantes no megaevento: Maldivas. O maior número de peregrinos é da Espanha, seguida por Portugal, França e Estados Unidos. Entre os países de língua portuguesa, os destaques ficam por conta de Brasil, com quase 6 mil participantes até ontem, Angola e Cabo Verde.
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