Crianças representam cerca de 4% da população mundial portadora de HIV. Diante deste cenário, criar alternativas de tratamentos acessíveis e bem tolerados para os mais jovens é indispensável. Pensando assim, pesquisadores da Universidade de Colorado Anschutz Medical Campus, nos Estados Unidos, determinaram a dosagem,a segurança e a eficácia de uma nova formulação de medicamento destinada aos cuidados da população mais nova que convive com o vírus.
A composição contém três drogas — dolutegravir, abacavir e lamivudina — em uma única combinação de dose fixa (CDF). O artigo, publicado na revista The Lancet HIV, mostra que o remédio pode facilitar a administração do tratamento e melhorar os resultados para essas crianças.
O artigo relata que os medicamentos dolutegravir, abacavir e lamivudina, usados na nova fórmula, têm sido comprovadamente seguros e eficazes no tratamento do HIV em diversas partes do mundo. A fim de verificar se essas drogas poderiam gerar os mesmos resultados positivos observados em adultos e adolescentes, os pesquisadores da Universidade de Colorado, juntamente com uma equipe de estudiosos da Rede Internacional de Ensaios Clínicos sobre Aids Materna, Pediátrica e Adolescente (IMPAACT), conduziram um estudo que analisou tanto um comprimido de liberação imediata, já existente, quanto uma nova formulação de liberação prolongada, contendo os três medicamentos.
Para confirmar a eficácia da nova fórmula, 57 crianças com menos de 12 anos e pesando entre 6kg e 40kg, de quatro diferentes países, foram inscritas em cinco grupos. Dessas, 54 usaram a combinação durante 24 semanas, entre setembro de 2020 e junho de 2021. Em 98% dos participantes que mantiveram o uso do medicamento, a quantidade de vírus HIV no sangue permaneceu suprimida na última semana de utilização. "A segurança, tolerabilidade e eficácia dessas formulações parecem muito positivas", contou, em nota, Kristina Brooks, professora assistente da Universidade de Colorado e uma das líderes do ensaio.
Cinquenta e quatro crianças que participaram do estudo tinham sido submetidas a outros tratamentos anteriormente, e fizeram a troca da terapia. Duas com experiência com antirretrovirais abandonaram a pesquisa nos primeiros oito dias devido a problemas com o medicamento avaliado, enquanto um terceiro participante se mudou temporariamente e depois retornou ao estudo antes da semana 24, o que levou a uma interrupção temporária do uso do remédio.
Manuel Renato Palacios, médico infectologista do Hospital Anchieta, em Brasília, explica que o medicamento de combinação de dose fixa (CDF) inclui duas ou mais substâncias ativas em um único comprimido. "Por exemplo, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou recentemente um remédio novo para o tratamento de HIV, que combina as substâncias lamivudina e dolutegravir em apenas um comprimido. Essa aprovação representa um avanço no tratamento das pessoas que portam o vírus do HIV. Logicamente, a vantagem é reunir em uma única dose diária dois antirretrovirais que estavam disponíveis separadamente."
Segundo a professora Kristina Brooks, formulações CDF para o HIV, amigáveis às crianças, como a avaliada pela pesquisa, são limitadas. Ela afirma que essa nova composição pode ajudar a garantir a continuidade do tratamento, melhorar os resultados e facilitar o trabalho de cuidadores e responsáveis pela administração dos medicamentos. A descoberta também deve contribuir para expandir o uso dessa formulação, destinando-a a crianças com pelo menos 3 meses e pesando, no mínimo, 6kg.
O infectologista Manuel Renato Palacios pontua que o tratamento de HIV para crianças depende muito da idade e do peso, o que limita as opções e implica a troca de medicamentos conforme o bebê cresce. "Normalmente, essas drogas utilizadas no novo composto estão autorizadas para o uso de pacientes com mais de 40kg. O artigo mostra que, nos estudos feitos nos Estados Unidos, essa combinação poderia ser utilizada com segurança em pacientes que pesam entre 6kg e 40kg; ou seja, a população pediátrica, e isso é muito importante."
De acordo com o artigo, atualmente, 2 milhões de crianças vivem com o HIV. Dessas, apenas 52% fazem terapia. Apesar de representarem 4% da população mundial portadora do vírus, os pequenos representam 15% das mortes relacionadas à Aids. "Devemos continuar buscando opções de tratamento amigáveis às crianças para superar a disparidade global atual nos resultados do tratamento entre crianças e adultos", disse Brooks.
Conforme o artigo, algumas das crianças que participaram do ensaio inicial ainda usam a nova formulação do medicamento. A segurança, tolerabilidade e eficácia a longo prazo durante 12 meses de tratamento estão sendo analisadas agora pela equipe e serão divulgadas posteriormente. "Sempre precisamos garantir que novos medicamentos e formulações sejam seguros e eficazes, e que estamos administrando as doses corretas desses medicamentos dentro de uma faixa segura e eficaz. O tratamento do HIV também evoluiu ao longo do tempo, então é necessário garantir que esses novos remédios funcionem para todas as idades e populações", finalizou Kristina Brooks.
"A vantagem é que a nova formulação vai diminuir a necessidade do paciente de tomar dois ou três medicamentos separadamente, ou seja, é uma única fórmula que contém todos os remédios. Isso também melhora a adesão ao tratamento, é muito mais fácil tomar uma única vez ao dia uma fórmula que tomar várias durante o dia. O tratamento de HIV para crianças normalmente é constituído de diversas medicações em forma líquida e que tem sabores ruins ou baixa aceitação pela criança. Então, sendo o remédio mais palatável, facilita a administração à criança. Por isso é tão importante essas medicações serem formuladas especialmente para os pequenos. Diminuir a quantidade e o volume e também facilita a utilização."
Werciley Júnior, infectologista e chefe da Comissão de Controle de Infecção do Hospital Santa Lúcia
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