A crise no varejo brasileiro está fazendo o setor rever seu clássico modelo de negócios, acendendo um alerta diante das dificuldades enfrentadas por grandes varejistas como Marisa, Tok&Stok, Polishop, Riachuelo e Renner, que anunciaram recentemente o fechamento de centenas de lojas físicas. Em entrevista ao Correio, o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Antônio Sá, especialista em varejo, marketing e comportamento do consumidor, avaliou as tendências da área. Segundo ele, a pandemia não trouxe o fim do comércio presencial, e é hora de buscar soluções que facilitem o processo de compra e aumentem a eficiência das empresas.
O especialista considera que o grande desafio é integrar os canais de venda on-line às lojas físicas, para otimizar times e ter menor custo logístico de modo a fazer os produtos chegarem mais rápido ao consumidor. Para que as varejistas não fiquem à mercê dos marketplaces, Sá afirma que é hora de as empresas voltarem ao básico e apostarem na melhora da experiência do consumidor. "Não é inovação por inovação, nem tecnologia por tecnologia, mas aquilo que de fato vai tornar a oferta e a operação melhores", destaca.
O que mudou no varejo pós-pandemia?
Na pandemia, tivemos comportamentos muito distintos entre os segmentos. Nos que fecharam, as vendas despencaram. Mas alguns segmentos foram beneficiados porque tiveram um aumento de demanda muito grande, como o alimentar e o fármaco. Em geral, no mundo todo, o mercado foi impactado pelo arrefecimento da economia. Além disso, houve uma expansão muito forte do e-commerce. No ano passado, com as pessoas voltando do home office, o crescimento já foi menor. Mas o e-commerce continua sendo uma tendência forte. Com isso, tornou-se obrigatório um ajuste e a adaptação para uma convergência entre o comércio on-line e as lojas físicas.
Então, não podemos considerar como tendência o fim do comércio presencial?
Não, de forma alguma. Está muito claro, agora, o papel da loja física. Uma loja que, primeiro, oferece uma conveniência muito grande por estar ao lado de onde as pessoas moram ou trabalham, ou no seu caminho. A experiência sensorial é muito rica para o consumidor, que pode ver novidades, tocar os produtos. O ser humano é um ser social, então, ir à loja costuma ser, também, um passeio. Mas há pessoas que, para alguns tipos de compra, não querem sair de casa, preferem deixar no automático e receber os produtos em casa. Isso depende de momentos, de categorias e pesquisas do consumidor, inclusive.
Recentemente, vimos uma crise financeira bastante similar em grandes varejistas como Polishop, Marisa e Tok&Stok, com o fechamento de centenas de lojas físicas. O que essas empresas têm em comum e o que tem levado a esse movimento?
O que elas têm em comum é que as três são varejistas de não alimentos, ou hardlines (bens duráveis), que têm, em grande parte, um suprimento de produtos importados e de bens que não são de primeira necessidade. Com juros altos e consumidores endividados, a demanda caiu. Isso não impacta os setores mais resilientes, que são o fármaco e o alimentar, mas outros, como móveis e vestuário, sofrem mais. Por outro lado, com a moeda desvalorizada, produtos importados tornam-se muito caros. Essas varejistas não têm fôlego para oferecer crédito que consiga ajudar o consumidor. E tem uma concorrência muito forte dos marketplaces. Redes que possuem muitas lojas físicas, na hora em que o consumo cai, têm custos fixos importantes, isso torna mais pesado para elas passarem pela crise.
As varejistas ficaram à mercê dos marketplaces? Como competir com empresas como Amazon, por exemplo, que oferecem uma entrega ultrarrápida?
Isso depende do tipo de varejo. Os alimentares são mais resilientes. Quanto a varejistas da parte de não alimentos, ter ou não marketplace não é uma opção. Você precisa ter canais de venda on-line. O desafio vai ser integrar isso às lojas físicas para ter menores custos de logística, otimizar times, fazer os produtos chegarem mais rápido e aumentar o nível de experiência do consumidor. A eficiência é um diferencial muito grande.
Como avalia os impactos nos pequenos negócios? Para eles, tem sentido esse movimento, como para as grandes redes?
Sim. Muitas vezes eles têm menos fôlego financeiro. Mas quando você fala em lojas de vizinhança, fala de oferecer conveniência para o consumidor. Assim como para as redes, essa questão é sempre muito importante, agrega valor para o consumidor. Mas, quando se fala na redução do consumo, como está tendo agora com a inflação, os pequenos também sofrem bastante.
Quais os principais desafios para superar essa crise?
A palavra de ordem é olhar para o futuro. E é preciso operar muito bem, ou seja, estamos falando de digitalização, presença on-line e utilização de dados para melhor satisfazer seus clientes, de inovações tecnológicas. Mas isso em conjunto com o básico da operação, que é ser eficiente no ponto de venda, oferecer uma experiência de compra muito simples e muito fácil para o consumidor vir até a loja. Então, temos aí duas coisas que devem andar juntas. Não é inovação por inovação, nem tecnologia por tecnologia, mas aquilo que de fato vai tornar a oferta e a operação melhores.
O que esperar do setor daqui para frente?
O mercado está começando a ter uma aposta melhor, principalmente com a expectativa de contínua redução de juros e de crescimento da economia. A minha leitura é de que a gente já alcançou uma base e agora vamos crescer.
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