Lisboa — Num mundo cada vez mais intolerante, em que mais pessoas estão sendo empurradas para a vulnerabilidade, o papa Francisco conclamou a todos que “sujem as mãos” para combater a pobreza e fazer valer o amor e a solidariedade. O pontífice escolheu estrategicamente o local para entoar seu discurso: o bairro da Serafina, o mais pobre de Lisboa. No Centro Paroquial São Vicente de Paulo, onde a iluminação dificultava a leitura do texto preparado por sua assessoria, ele preferiu recorrer ao improviso e perguntou: “Quando dou a mão a uma pessoa necessitada ou a um doente, se tiro a mão para que não me contagie, eu tenho horror a pobreza?”. Pois então, completou, “que todos sujem as mãos”.
Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam que 2,4 bilhões de pessoas do planeta vivem em insegurança alimentar, ou seja, não sabem se terão o que comer no dia seguinte e 900 milhões estão na miséria absoluta. Para Francisco, não há como se falar em igualdade ante o fosso que separa ricos e pobres. Essa realidade brutal, na avaliação do chefe da Igreja católica, só será mudada com o esforço e uma nova atitude da juventude. “Não se prendam em cerimônias ou rituais distantes da realidade. Dirijam o olhar a quem sofre e anseia por esperança, sintam compaixão por quem está cansado, estendam a mão a quem está sofrendo”, recomendou.
O Papa admitiu que a própria Igreja precisa rever valores e se voltar mais aos necessitados. Muitos religiosos preferem usufruir dos luxos oferecidos pela Santa Sé a ter contato com a pobreza que aflige, sobretudo, mulheres e crianças. “A igreja não é um museu de arqueologia, necessita estar atenta às transformações”, disse. “É preciso fazer como Cristo, que se abaixou para lavar os pés dos apóstolos para curar as solidões, os medos, os sofrimentos, a dor, o abandono, a morte. Esse é o amor concreto, crível, que nos leva a dobrar os joelhos, a deixar que o coração se comova, que as lágrimas corram pelo rosto e conforte o coração”, emendou.
Próximo a ele estava o cônego Francisco Crespo, 82 anos, que, há 45, dedica-se a socorrer os miseráveis que lhe procuram diariamente. Sem ajuda suficiente do Estado e com as doações minguando, ele atende quase 900 pessoas por dia, dando educação às crianças em creche e jardim de infância e um lar para idosos abandonados à própria sorte. A maior preocupação do religioso é com relação ao futuro, sobre quem levará adiante o trabalho que mudou a cara de Serafina, o local onde nem a polícia entrava quando ele lá chegou.
No segundo dia de participação na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), o papa também focou no futuro, calcado na realidade dos jovens que se perguntam o que lhes aguarda. Aos olhos de 800 mil pessoas que lotaram a Colina do encontro, no Parque Eduardo VII, o pontífice comandou uma via-sacra para meditar sobre as fragilidades e as vulnerabilidades da sociedade e da Igreja. Na Bíblia, a via-sacra representa o caminho percorrido por Jesus desde que foi condenado à morte até a sua sepultura. Na Jornada, para traçar esse caminho, os jovens elegeram os 14 temas que mais os afligem, como a pobreza, a violência, a solidão, a intolerância, a saúde mental, a destruição do meio ambiente, a dependência das drogas, a crise humanitária, a desinformação tóxica e o medo do futuro.
Francisco ressaltou que tais aflições não devem ser um empecilho para a caminhada da juventude. Superá-las vai requerer empenho e ousadia. “Sejam testemunhas ousadas da esperança”, receitou. Ele admitiu que, aos 86 anos, dos quais 10 de pontificado, continua com suas lutas diárias dentro da Igreja, uma das maiores delas, para a aceitação, dentro do clero, dos transexuais. Ainda hoje “lhe atiram na cara” que ele recebe essas pessoas, que, segundo ele, “são filhos de Deus”, como todos. Essa declaração foi dada à revista Vida Nueva, da Espanha, antes de ele ir para a Jornada, mas só publicada nesta sexta-feira (04/08).
Consciente de que a luta contra a intolerância será longa, o papa reuniu, em Lisboa, antes da cerimônia com os jovens, 17 representantes de diferentes igrejas para que se propague o respeito às diferenças na sociedade e nas igrejas. “É preciso incluir as minorias”, pediu o pontífice, segundo o bispo Jorge Pina Cabral, um dos presentes na conversa. Francisco destacou que tudo passa pelo diálogo e que todos estão no mesmo barco. “Temos muito pontos em comum e defendemos a inclusão”, acrescentou Timóteo Cavaco, presidente da Aliança Evangélica de Portugal. “O Papa demonstrou sua enorme preocupação com a dignidade da pessoa humana”, completou o frei Peter Stilwell, diretor do Departamento de Relações Ecumênicas e do Diálogo Inter-religioso.
O Papa ainda tem dois dias de intensa agenda na Jornada Mundial da Juventude. Caberá a ele, ao final do megaevento, anunciar a sede do próximo encontro. Tudo aponta para a Coreia do Sul, pois há um enorme desejo da Igreja Católica de fincar raízes na Ásia. Uma parte dos religiosos defende que a escolha recaia sobre um país da África. Francisco dará a palavra final. Antes disso, o popstar promete dar muito trabalho à segurança, pois, desde que chegou a Portugal, tem quebrado vários protocolos. À caminho do Parque Eduardo VII, mesmo com milhares de pessoas nas ruas à sua espera, ele parou o papamóvel para tomar um chimarrão com um jovem que furou todos os bloqueios. E ainda trocaram cinco minutos de prosa.
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