Principalmente depois da pandemia de covid-19, os vírus tornaram-se ainda mais temidos pela humanidade. Por isso, causa espanto saber que esses micro-organismos podem ser a solução de um problema cada vez mais preocupante: as bactérias resistentes a antibióticos. Uma técnica de mais de 100 anos abandonada após a descoberta da penicilina voltou a atrair o interesse da ciência e, agora, um estudo da Universidade Hebraica de Jerusalém indica um alto índice de sucesso da chamada fagoterapia.
Em um artigo na revista Med, os autores relatam o resultado de um estudo de caso com 16 pessoas que tiveram infecções persistentes pela bactéria Pseudomonas aeruginosa. Esse micro-organismo é facilmente encontrado no meio ambiente, como solo, água e plantas, além de integrar a microbiota humana. É considerado um patógeno — agente capaz de produzir doenças — oportunista, que afeta especialmente quem está com o sistema imunológico debilitado ou aqueles com condições de saúde subjacentes. Nos participantes, a terapia à base de fagos, os vírus "matadores", alcançou 86,6% de sucesso.
A fagoterapia foi proposta, pela primeira vez, em 1917 pelo microbiólogo franco-canadense Felix d'Herelle. Ele usou um grupo de vírus chamados bacteriófagos, que infectam bactérias, para testar tratamentos voltados a diversas doenças típicas daquela época, como febre tifoide e cólera. Diferentemente do mecanismo de ação de antibióticos, que, ao eliminar os micro-organismos nocivos, acabam devastando a microbiota, os fagos atacam cepas ou espécies específicas. Na década de 1940, algumas companhias farmacêuticas norte-americanas produziram medicamentos com essa tecnologia para tratar diversas infecções, mas, no mundo ocidental, a descoberta de d'Herelle não foi para frente.
Com o aumento da resistência bacteriana, a fagoterapia — que foi bastante popular na ex-União Soviética — voltou aos laboratórios de microbiologia, embora os cientistas reconheçam que ainda há desafios a serem superados antes de adotá-la amplamente. No estudo israelense, Ran Nir-Paz, do Centro Médico Hadassah, e Ronen Hazan, do Departamento de Odontologia, investigaram a ação da fagoterapia no combate a um dos micro-organismos que mais estão associados às infecções hospitalares. Conhecida por desencadear quadros graves e com risco de morte, a Pseudomonas aeruginosa age em várias partes do corpo, incluindo pulmões, trato urinário, pele e feridas. A capacidade dessa bactéria de formar biofilmes protetores dificulta o tratamento — às vezes, exigindo a combinação de antibióticos e terapias complementares, explica Nir-Paz.
Antes do tratamento, secreções dos pacientes foram testadas, e os cientistas desenvolveram terapias personalizadas para aqueles cujas amostras eram sensíveis ao fago Pasa16. A substância foi administrada por vários métodos, incluindo intravenoso, aplicação no local da infecção e uso tópico. Dos 16 pacientes, 13 responderam ao tratamento, com uma taxa de sucesso de 86,6% alcançada, em média, depois de duas semanas. A terapia foi associada a antibióticos que, sozinhos, não conseguiram debelar a infecção nesse grupo de participantes.
"Estamos entusiasmados com os resultados promissores de nosso estudo. Essa pesquisa inovadora oferece esperança para pacientes com infecções persistentes e destaca o potencial da fagoterapia como uma alternativa valiosa aos antibióticos convencionais no combate a patógenos resistentes a antibióticos", destacou, em nota, Ran Nir-Paz.
Hazan ressalta que a terapia foi usada de forma compassiva — quando há autorização para tratar pacientes que já não respondem aos medicamentos convencionais — e se disse "encorajado com as descobertas". "A taxa de sucesso de 86,6% do estudo oferece esperança para pacientes com infecções persistentes e ressalta o potencial da terapia fágica como uma alternativa para combater patógenos resistentes a antibióticos", acredita.
Já na Universidade de Duke, nos Estados Unidos, pesquisadores apostam em uma molécula sintética para combater as bactérias como Salmonella, Pseudomonas e E. coli, culpadas de muitas infecções do trato urinário. Em estudos com animais, o composto, chamado LPC-233, bloqueou a capacidade do patógeno de produzir sua membrana externa, sem a qual ele não sobrevive. Segundo um estudo publicado na revista Science Translational Medicine, os resultados foram rápidos e duráveis.
Os coautores, da Universidade de Lille, na França, testaram a molécula sintética contra uma coleção de 285 cepas bacterianas, incluindo algumas que eram altamente resistentes a antibióticos comerciais. Todas foram eliminadas, conta Pei Zhou, professor de bioquímica na Duke e líder do estudo. "Nosso composto é muito bom e potente: em quatro horas, ele reduziu a viabilidade bacteriana em 100 mil vezes", revela.
O especialista conta que o alvo da molécula é uma enzima chamada LpxC, que produz o lipídio da "pele" das bactérias gram-negativas. "O composto se encaixa em um ponto de ligação na enzima e a impede de fazer seu trabalho. Ele se encaixa da maneira certa para inibir a formação do lipídio", destaca Zhou. Porém, o professor da Duke lembra que versões anteriores da molécula mostraram-se tóxicas para humanos. Por isso, os pesquisadores alteraram a fórmula e, agora, conseguiram sucesso em estudos com animais. Ainda não há previsão de quando começam os ensaios clínicos.
“Os fagos, sendo vírus que visam especificamente as bactérias, podem modular a composição e a dinâmica da microbiota, infectando e matando seletivamente certas espécies bacterianas. Eles também podem afetar um processo de transferência genética usado por bactérias para se tornarem resistentes aos antibióticos. Além disso, têm efeitos indiretos na saúde, ao modular o sistema imunológico, alterando a capacidade do corpo de responder a infecções. Compreender e aproveitar o poder dos fagos na modulação da microbiota tem um grande potencial para desenvolver abordagens terapêuticas inovadoras, melhorar prognósticos e abordar vários desafios na área da saúde.”
Marvin Edeas, microbiólogo da Universidade de Paris e copresidente do 6º Congresso Mundial de Fagoterapia Alvo, que aconteceu em junho, na capital francesa
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.