19 de Setembro de 2024

Equador decreta estado de exceção após assassinato de presidenciável


Cerca de 96 horas antes de ser morto, Fernando Villavicencio fez um discurso quase premonitório, durante comício em Chone, a 310km de Quito. "Escutem bem. Disseram-me para usar o colete à prova de balas. Aqui estou, de camisa suada. Vocês são meu colete antibalas. (...) Venham, aqui estou. Disseram que iriam me quebrar. Aqui estou, aqui está Don Villa. Que venham os chefões do narcotráfico. Que venham os matadores de aluguel! Acabou o tempo da ameaça", gritou o jornalista de 59 anos, candidato presidencial pelo movimento Construye (centro-esquerda).

Nesta quinta-feira (10/8), enquanto o corpo de Villavicencio começava a ser velado, no Cemitério Vertical, a capital equatoriana vivia um clima de medo e de incerteza. O presidente Guillermo Lasso decretou estado de exceção em todo o território nacional, pelo prazo de 60 dias, sob a justificativa de "grave comoção interna", e manteve o primeiro turno das eleições gerais para 20 de agosto.

Mulher recebe os primeiros socorros depois de ser ferida no atentado ao candidato, na quarta-feira
Mulher recebe os primeiros socorros depois de ser ferida no atentado ao candidato, na quarta-feira (foto: API/AFP)

O estado de exceção prevê limitar o direito à liberdade de reunião e a suspensão do direito à inviolabilidade de domicílio — as forças de segurança poderão realizar inspeções e buscas, sem necessidade de ordem judicial. O chefe de Estado anunciou que solicitou apoio do FBI (a polícia federal dos EUA) para investigar o crime. Uma delegação de agentes desembarcaria em Quito nas próximas horas. 

A medida anunciada por Lasso parece longe de afastar a sensação de insegurança depois do atentado de quarta-feira (9/8), quando pistoleiros dispararam 13 vezes, três delas contra a cabeça de Villavicencio, no momento em que deixava o Colégio Anderson de Quito, na região centro-norte da capital. Juan Zapata, ministro do Interior do Equador, confirmou a prisão de seis suspeitos pelo crime, todos colombianos. Dois tinham ordem de captura por um caso de receptação. Granadas, fuzis, submetralhadora e munição foram apreendidos durante operações policiais que culminaram nas detenções. No 193º aniversário de independência do Equador, nesta quinta-feira (10), as comemorações deram lugar ao luto e à tristeza.

Integrantes da organização criminosa Los Lobos reivindicam autoria do magnicídio
Integrantes da organização criminosa Los Lobos reivindicam autoria do magnicídio (foto: Reprodução)

Em vídeo divulgado pelas redes sociais, homens encapuzados, ostentando fuzis, assumiram a autoria do ataque e fizeram ameaças. "Queremos deixar claro a toda a nação equatoriana. Cada vez que os políticos corruptos não cumprirem com sua promessa, quando receberem nosso dinheiro, que são milhões de dólares, para financiar a campanha, serão descartados. Nós, a organização Los Lobos, assumimos a responsabilidade pelos fatos. Eles voltarão a se repetir, quando corruptos não cumprirem com sua palavra", afirma um deles, que lê um comunicado e cita outro candidato. "Você também, Jan Topic, cumpra com sua palavra ou será o próximo."

Professor de ciência política da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), em Quito, Simón Pachano admitiu ao Correio que a decisão de Lasso de decretar estado de exceção pode ser útil no sentido de fazer avançar as investigações. "Vários grupos criminosos ameaçaram muitas pessoas, incluindo integrantes do Conselho Nacional Eleitoral, o próprio Villavicencio e outros políticos e candidatos. Será muito difícil garantir a segurança de todos os potenciais alvos. Este é um inimigo quase invisível, pois atua na sombra e usa uma forma de assassinato de aluguel, algo difícil de controlar."

Contraproducente

Arturo Moscoso, diretor da Faculdade de Relações Internacionais da Universidad Internacional de Ecuador (UIE), explicou à reportagem que o país decretou estados de exceção em outras ocasiões, sem resultados palpáveis. "A violência não diminuiu, mas aumentou. O problema é que, por um lado, a penetração do narcotráfico parece estar nas estruturas de segurança do Estado. Por outro, parece que não se faz um trabalho de inteligência eficiente, no sentido de tentar desativar, ou pelo menos controlar, as organizações criminosas", observou. Ele crê que o estado de exceção visa proteger o sistema eleitoral. "O medo da violência deve aumentar a abstenção, principalmente nos povoados e nas cidades mais isoladas", disse o estudioso. 

O desespero e o pânico tomaram conta das pessoas que estavam no Colégio Anderson de Quito
O desespero e o pânico tomaram conta das pessoas que estavam no Colégio Anderson de Quito (foto: API/AFP)

Moscoso admite que dois grandes cartéis mexicanos ingressaram no Equador. "O Cartel Jalisco Nueva Generación (CJNG) e o Cartel de Sinaloa estão aqui. Eles converteram em seu braço armado organizações criminosas equatorianas, como Los Lagartos, Los Choneros, Los Lobos e Los Tiguerones", acrescentou Moscoso. "Los Lobos trabalham para o CJNG. As disputas de poder entre as diferentes organizações obedecem a disputas de poder entre diferentes cartéis."

Segundo o advogado constitucionalista equatoriano André Benavides, morador de Quito, as Forças Armadas serão mobilizadas para reforçar a segurança nas cidades do país e auxiliar a Polícia Nacional do Equador. "Este é o 12º estado de exceção decretado. Até então, não tivemos resultados concretos, que permitam neutralizar a delinquência", lembrou à reportagem. Ele relatou que as ruas da capital amanheceram vazias, no dia seguinte à execução de Villavicencio. "O primeiro turno das eleições, em 20 de agosto, não será adiado. O governo e o Conselho Nacional Eleitoral pretendem dar garantias de segurança", comentou Benavides.  

Homem se emociona logo depois de tomar conhecimento do asssassinato do presidenciável, no local do crime
Homem se emociona logo depois de tomar conhecimento do asssassinato do presidenciável, no local do crime (foto: API/AFP)

Também advogado constitucionalista em Quito, Gonzalo Muñoz lembrou ao Correio que Villavicencio dedicou seu trabalho como jornalista investigativo em denunciar a corrupção no governo do  Rafael Correa e em ajudar a condenar o ex-presidente e funcionários por receberem suborno. "Na condição de presidente da Comissão de Fiscalização da Assembleia Nacional, Villavicencio enfrentou grupos do crime organizado, que têm marcado presença no país, principalmente nas províncias costeiras.

 

O assassinato

Fernando Villavicencio foi assassinado às 18h14 de quarta-feira (20h14 em Brasília), no momento em que saía do Colégio Anderson de Quito, na região centro-norte da capital equatoriana, onde tinha acabado de fazer um comício. Pistoleiros a bordo de uma motocicleta se aproximaram da janela do carro usado por Villavicencio e dispararam 13 vezes. Três tiros acertaram a cabeça do candidato, que morreu no local.

A vítima

O ex-congressista e jornalista Fernando Villavicencio tinha recebido várias ameaças de morte
O ex-congressista e jornalista Fernando Villavicencio tinha recebido várias ameaças de morte (foto: Rodrigo Buendia/AFP)

Aos 59 anos, Fernando Villavicencio travava uma ferrenha luta contra a corrupção. Dias antes de ser executado, apresentou denúncias de irregularidades em contratos estatais. Uma de suas investigações jornalísticas levou o ex-presidente Rafael Correa (2007-2017) ao banco dos réus. O relatório feito em conjunto com seu colega e amigo Christian Zurita expôs um esquema de propinas que encurralou o ex-chefe de Estado e funcionários de seu governo por terem recebido subornos de empresários. Suas investigações lhe renderam ordens de prisão. Em 2014, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) concedeu medidas cautelares após ele ser condenado a 18 meses de prisão por difamar Correa. Villavicencio aparecia na segunda colocação nas pesquisas de intenção de voto, atrás da candidata Luisa González, próxima a Correa, de acordo com a empresa de pesquisa Cedatos.

Suspeitos capturados

Os seis suspeitos de envolvimento no assassinato de Fernando Villavicencio, candidato à Presidência do Equador
Os seis suspeitos de envolvimento no assassinato de Fernando Villavicencio, candidato à Presidência do Equador (foto: Reprodução)

Seis colombianos foram presos por envolvimento no assassinato de Villavicencio e estão à disposição da Justiça do Equador. São eles: Andrés Manuel Mosquera Ortiz, José Neider López Hitas, Adey Fernando García García, Camilo Andrés Romero Reyes, Jules Osmin Castaño Alzate e Jhon Gregore Rodríguez Gomgora. Dois dos suspeitos foram capturados minutos depois do atentado, enquanto quatro estavam em outras localidades de Quito. As autoridades suspeitam que eles façam parte dos Los Lobos, uma organização do crime organizado ligada ao cartel Jalisco Nueva Generación, do México.

Armas apreendidas

Armas utilizadas pela quadrilha suspeita de assassinar o candidato à Presidência do Equador Fernando Villavicencio
Armas utilizadas pela quadrilha suspeita de assassinar o candidato à Presidência do Equador Fernando Villavicencio (foto: Reprodução)

Em um carro estacionado diante de uma das casas invadidas pela polícia do Equador, foi encontrada uma maleta com armas e granadas. Os agentes apreenderam um fuzil, quatro pistolas, uma submetralhadora, seis alimentadores de calibre 9mm e dois de calibre 5.56, caixas com munição, três granadas de fragmentação e vários quilos de substâncias entorpecentes.

 

Arturo Moscoso, diretor da Faculdade de Relações Internacionais da Universidad Internacional de Ecuador (UIE)
Arturo Moscoso, diretor da Faculdade de Relações Internacionais da Universidad Internacional de Ecuador (UIE) (foto: Fotos: Arquivo pessoal )
 

"Um estado de exceção pode nos dar uma sensação de paz momentânea, mas se não se atacarem as causas, quando essa medida terminar, a violência voltará a reinar. Quanto às eleições, elas não podem ser suspensas por mandato legal. Mas, certamente, os resultados serão muito diferentes dos que pareciam possíveis antes do assassinato de Villavicencio."

Arturo Moscoso, diretor da Faculdade de Relações Internacionais da Universidad Internacional de Ecuador (UIE)

 

Simón Pachano, professor de ciência política da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), em Quito
Simón Pachano, professor de ciência política da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), em Quito (foto: Arquivo pessoal )

"O estado de exceção era o que o governo podia fazer, em resposta ao assassinato. Lasso não tem muito mais atribuições para casos assim. Ela permite o bloqueio de rodovias e buscas em residências. Creio que terá uma influência moderada na campanha presidencial, pois restringe a possibilidade de concentrações multitudinárias e de grandes manifestações."

Simón Pachano, professor de ciência política da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), em Quito

 

Ricardo Fagundes Leães, professor de relações internacionais da ESPM
Ricardo Fagundes Leães, professor de relações internacionais da ESPM (foto: Arquivo pessoal )

"O Equador enfrenta uma grave turbulência política. Desde 2000, foram 10 presidentes, sete deles em sete anos. O único período de estabilidade foi durante o governo de Rafael Correa, tanto que elegeu o sucessor. O correísmo acabou por se opor a Lenín Moreno e era o favorito nas últimas eleições presidenciais. Lasso venceu, mas sofreu uma oposição muito forte e recorreu à 'morte cruzada', a dissolução do parlamento e a antecipação de eleições."

Ricardo Fagundes Leães, professor de relações internacionais da ESPM

 

Fonte: correiobraziliense

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