Uma única injeção no cérebro poderá tratar de forma duradoura a dependência grave de álcool. O abuso da substância é responsável por 3 milhões de mortes por ano em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e está associado a mais de 200 doenças e lesões. Embora alguns pacientes respondam a medicamentos orais, os tratamentos disponíveis não se adequam a todos e há uma forte demanda por terapias mais eficazes.
Três instituições de pesquisa norte-americanas se uniram para desenvolver uma alternativa que, de acordo com um estudo publicado nesta segunda-feira (14/8) na revista Nature Medicine, reduziu "drasticamente" o consumo de álcool. Os cientistas apostaram na terapia genética para levar diretamente ao cérebro uma molécula que bloqueia o desejo de voltar a beber. O método já é usado, com outro objetivo, em pacientes com doença de Parkinson.
"Neste momento, não há terapias direcionadas a circuitos cerebrais alterados pelo uso prolongado e pesado de álcool", reconhece a coautora correspondente Kathleen Grant, professora de Neurociência Comportamental no Centro Nacional de Pesquisa de Primatas de Oregon. A cientista explica que o abuso da substância altera sistemas responsáveis pela liberação do neurotransmissor dopamina. Esses neurônios integram uma via de recompensa chamada mesolímbica, crucial no uso excessivo de álcool e outras drogas.
À medida que a dependência se desenvolve, as alterações no cérebro se intensificam. Elas incluem níveis reduzidos de liberação e sensibilidade dos receptores de dopamina e aumento da captação do neurotransmissor. Juntas, as mudanças levam a níveis abaixo do normal do neurotransmissor. Os cientistas acreditam que o estado hipodopaminérgico pode obrigar os usuários que abusam do álcool a voltar a beber após períodos de abstinência.
"A abordagem de terapia genética que utilizamos tem como alvo essas mudanças na função da dopamina na via de recompensa mesolímbica do cérebro, causada pelo uso crônico de álcool", destaca o coautor correspondente Krystof Bankiewicz, professor de cirurgia neurológica e diretor do Centro de Saúde e Desempenho do Cérebro, em Ohio. "Nossas descobertas sugerem que esse tratamento pode prevenir recaídas sem exigir adesão à terapia de longo prazo por parte dos pacientes."
O estudo foi realizado com macacos rhesus. Assim como humanos, alguns primatas da espécie são mais predispostos a experimentar o álcool e tornarem-se dependentes. Oito foram utilizados na pesquisa. Antes de receberem a injeção, eles foram habituados ao consumo de álcool a 4%. Depois, quatro receberam a substância, aplicada diretamente à região do cérebro associada à dependência.
A infusão desenvolvida pelos pesquisadores consiste em um vírus não prejudicial, que funciona como transportador de um gene que codifica uma proteína chamada GDFN (fator neurotrófico derivado da glia). A GDFN é conhecida como um fator de crescimento — ela estimula as células a aumentarem rapidamente em número —, elevando a função dos neurônios no cérebro que sintetizam a dopamina, reduzida no caso do abuso de álcool.
"A dopamina está envolvida no reforço do comportamento e no fato de as pessoas acharem certas coisas prazerosas", explica Kathleen Grant. "O uso agudo de álcool pode aumentar a dopamina. No entanto, ao beber cronicamente, o cérebro se adapta de tal forma que diminui a liberação de dopamina. Então, quando as pessoas são viciadas em álcool, elas realmente não sentem mais prazer em beber. Parece que estão bebendo mais porque sentem necessidade de manter o estado de embriaguez", observa.
Quatro macacos receberam o tratamento, e os demais fizeram parte do grupo de controle. Entre os primeiros, o consumo de álcool teve uma redução de mais de 90%, comparado aos demais. "A bebida caiu para quase zero. Por meses a fio, esses animais optavam por beber água e simplesmente evitavam o álcool. Eles diminuíram a bebida a ponto de estar tão baixo que não registramos o nível de álcool no sangue", comemora o pesquisador. O efeito comportamental foi observado em quatro semanas.
"No geral, nossas descobertas indicam que a terapia genética GDNF pode diminuir a ingestão de álcool", acredita Krystof Bankiewicz. "Acreditamos que essa abordagem justifica um estudo mais aprofundado como uma terapia promissora para a dependência em álcool e, possivelmente, para outros transtornos de abuso de substâncias."
Simon Waddington, pesquisador de terapias gênicas na Universidade College London, na Inglaterra, considerou a técnica "impressionante". "Mas os médicos podem ter receio de administrar esse tratamento às pessoas, a menos que estejam gravemente doentes com abuso de álcool. É uma coisa e tanto levar uma injeção no cérebro de uma terapia genética cujo efeito você não pode apagar", pondera o cientista, que não participou do estudo.
Krystof Bankiewicz esclarece que, caso testado e aprovado em humanos, o tratamento será bem direcionado. "Seria mais apropriado para pacientes cujas abordagens terapêuticas tradicionais não funcionam. São pessoas que, provavelmente, causarão danos graves, cometerão suicídio ou matarão outras pessoas devido ao consumo excessivo da bebida."
Um projeto que mapeou alterações cerebrais em quase 1,3 mil pessoas diagnosticadas com seis tipos diferentes de doenças mentais revelou uma grande diversidade de modificações no órgão em pacientes com condições como depressão maior e esquizofrenia. O estudo, publicado na Nature Neuroscience e liderado por pesquisadores da Universidade de Monash, na Austrália, usou imagens do cérebro para medir o volume de mais de 1 mil regiões.
“Nas últimas décadas, os pesquisadores mapearam áreas do cérebro mostrando volume reduzido em pessoas diagnosticadas com uma ampla variedade de doenças mentais, mas esse trabalho se concentrou principalmente nas médias de grupos, o que dificulta entender o que está acontecendo nos cérebros individuais”, disse a estudante de doutorado Ashlea Segal, que liderou a pesquisa. “Por exemplo, saber que a altura média da população australiana é de cerca de 1,7m me diz muito pouco sobre a altura do meu vizinho”, compara.
A equipe usou novas técnicas estatísticas para mapear regiões no cérebro, mostrando volumes anormalmente pequenos ou grandes em pessoas diagnosticadas com esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar, transtorno obsessivo, transtorno compulsivo, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade ou transtorno do espectro autista.
"Confirmamos descobertas anteriores de que as regiões específicas do cérebro que apresentam grandes desvios no volume variam muito entre os indivíduos, com não mais de 7% das pessoas com o mesmo diagnóstico apresentando um grande desvio na mesma área cerebral”, disse o professor Alex Fornito, responsável pela análise estatística. “Esse resultado significa que é difícil identificar alvos de tratamento ou mecanismos causais focando apenas nas médias dos grupos. Também pode explicar por que pessoas com o mesmo diagnóstico apresentam grande variabilidade em seus perfis de sintomas e resultados de tratamento”, acrescentou.
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