22 de Novembro de 2024

Covid longa: três anos depois, o desafio persiste


Mais de três anos após o início da pandemia da covid-19, pacientes, médicos e cientistas ainda não sabem responder, ao certo, o que é uma síndrome misteriosa que afeta cerca de 65 milhões de pessoas em todo o mundo, embora este número também seja uma incerteza. A forma persistente da doença é considerada uma epidemia por si só, sem um fim claro à vista. Novos estudos tentam compreender as causas, a duração dos sintomas e se há formas seguras de prevenir um problema com consequências individuais, sociais e para os já sobrecarregados sistemas de saúde globais. Especialmente em um momento em que o número de casos aumentou 80%, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e novas variantes mais virulentas começam a circular no mundo.

"A covid longa não é apenas uma síndrome; é uma síndrome de síndromes", define Andrea Foulkes. Ela é diretora de bioestatísticas do Recovery, grande banco de dados do Hospital Geral de Massachusetts, nos Estados Unidos, que reúne informações detalhadas de saúde de 9.764 pessoas que tiveram ou não a doença. Recentemente, os pesquisadores do projeto publicaram, na revista Jama, um artigo sobre os critérios sintomáticos para identificar as sequelas da infecção pelo Sars-CoV-2.

Os pesquisadores anotaram os problemas de saúde relatados pelos voluntários ao longo de seis meses e compararam a ocorrência entre os que tiveram covid e os que não sofreram a infecção. Então, listaram aqueles ao menos duas vezes e meia mais frequentes entre os primeiros. Assim, chegaram a 12 manifestações clínicas atribuídas à doença, incluindo fadiga pós-esforço, perda ou alteração no olfato/paladar, tontura, confusão mental, questões gastrointestinais, palpitações e tosse crônica.

Foulkes esclarece que o assunto não está encerrado, mas acredita que, ao restringir os sintomas, é possível ter um quadro mais claro das sequelas do Sars-CoV-2. "Agora que temos uma definição, esperamos que aumente a capacidade de identificar a covid longa", diz.

Na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), um projeto em parceria com a Assessoria Clínica de Bio-Manguinhos (Asclin), da Fiocruz, investiga a síndrome pós-covid em adultos e crianças que serão acompanhados por quatro anos. Segundo o pesquisador principal, Alexandre Medeiros de Figueiredo, professor da UFPB, a literatura já demonstra sintomas persistentes, como respiratórios, cognitivos, cardiológicos e gastrointestinais, mas há a necessidade de se avançar na compreensão do problema.

"Precisamos entender mais a fundo esses sintomas e como eles afetam a vida das pessoas. Saber como fica o sistema imunológico das pessoas que desenvolvem essa síndrome, se existe alguma diferença na resposta imune dos que tiveram a forma mais branda da doença ou mais grave. Quem tem uma maior probabilidade de ter a síndrome? Será que idosos apresentam maior risco? Existe alguma associação familiar? Essas são algumas das questões que nós vamos responder", destaca Figueiredo. O estudo está em andamento, mas, por enquanto, revelou que 40% dos participantes apresentam um ou mais sintomas até três meses pós-infecção.

Chegar a um consenso diagnóstico é, porém, apenas uma peça do quebra-cabeça. Embora existam muitas pistas, ainda não se sabe o que causa as sequelas ao nível molecular e celular. A resposta pode ajudar também a compreender síndromes semelhantes desenvolvidas após outras infecções agudas, como doença de Lyme e herpes zoster, afirma Jennifer Snyder-Cappione, professora do Departamento de Virologia, Imunologia e Microbiologia da Universidade de Boston. "Fiquei surpresa com o conjunto surpreendentemente comum de sintomas distintos presentes em algumas das formas mais graves de covid longa e em outras síndromes de doenças pós-infecciosas", revela.

De uma coisa, os cientistas já têm certeza: a covid longa não é uma única doença. "As perturbações fisiológicas são, muitas vezes, o resultado de muitos caminhos que se cruzam. Essas perturbações podem ser perfeitamente definidas clinicamente, mas, subjacentes aos sintomas, estão mecanismos muito diferentes", acrescenta Snyder-Cappione.

A virologista tem um estudo, ainda não publicado, sugerindo que um dos mecanismos por trás da covid longa é a reativação de infecções crônicas dormentes, especialmente do vírus Epstein-Barr, que causa a mononucleose. A pesquisa de Snyder-Cappione mostra que os níveis de anticorpos EBV no organismo estão correlacionados com a persistência dos sintomas pós-covid. Segundo a cientista, a resposta das células T de memória específicas para esse micro-organismo aumenta drasticamente nos meses seguintes à infecção por Sars-CoV-2, mas o mesmo não acontece nos pacientes totalmente recuperados.

"Atualmente, existem várias teorias diferentes sobre a causa subjacente dos sintomas da covid longa. Uma delas diz que vírus residuais ficam escondidos em tecidos, aos quais o sistema imunológico não consegue chegar facilmente, como o cérebro ou o intestino. Isso causa uma liberação lenta de inflamação crônica, fazendo com que as pessoas se sintam constantemente debilitadas. Outras teorias incluem uma reação autoimune, em que o corpo continua a lutar contra si quando termina de combater o vírus; danos permanentes causados às mitocôndrias (a casa de força de cada célula individual) ou alterações em nossa capacidade de resposta imunológica a bactérias e vírus ambientais do dia a dia. Ainda há muito a aprender sobre essa doença, em grande parte porque pesquisas anteriores sobre síndromes de fadiga pós-viral estão longe de serem concluídas e, em alguns contextos, lamentavelmente inadequadas."

David Strain, professor e consultor da Escola de Medicina da Universidade de Exeter, no Reino Unido

Outro mecanismo possível é o desencadeamento de autoimunidade pelo Sars-CoV-2. Condições autoimunes são aquelas nas quais o organismo deflagra uma resposta exagerada à presença de invasores, e o que deveria ser uma defesa acaba, ao contrário, prejudicando o corpo. Algumas pesquisas demonstraram que pessoas com covid longa desenvolvem mais doenças do tipo, como artrite reumatoide e lúpus.

A resposta inflamatória hiperativa do sistema de defesa pode estar por trás de muitos casos de covid longa, acredita Troy Torgerson, diretor de Imunologia Experimental do Instituto Allen de Imunologia, nos Estados Unidos. Ele é um dos autores de um estudo, publicado, recentemente, na revista Nature Communications, que avaliou biomarcadores sanguíneos de pacientes de covid longa e de pessoas infectadas pelo coronavírus, mas que se recuperaram plenamente.

Dos 55 voluntários com a forma persistente da doença, dois terços apresentavam níveis altos de moléculas inflamatórias. Já os que não sofreram dos sintomas após a fase aguda não apresentavam esses sinais. Segundo Torgerson, embora anteriormente cientistas tenham apontado a associação entre inflamações e a covid longa, esta é a primeira vez em que se rastreia a presença de biomarcadores nos mesmos pacientes ao longo do tempo — eles são acompanhados desde 2020.

"Especificamente, os marcadores sanguíneos descobertos nesse subconjunto de pacientes com o que chamamos de covid longa inflamatória apontam para um tipo de inflamação semelhante à observada em doenças autoimunes, como a artrite reumatoide", destaca Torgerson. A descoberta pode levar a opções de tratamento que ataque não apenas os sintomas, mas as causas. "Esse tipo de inflamação, por exemplo, pode ser tratada com uma classe de medicamentos existente chamada inibidores de JAK", indica. Ele destaca, porém, que nem todas as pessoas com covid longa têm inflamações. "Não podemos dar a todos os mesmos tipos de terapias e não devemos colocar todos em um grupo para fins de tratamento."

Uma possível estratégia para reduzir a incidência de covid longa é utilizar, durante a fase aguda da doença, a metformina, um medicamento para diabetes, diz um artigo publicado, recentemente, na The Lancet Infecctious Diseases. A pesquisa foi realizada com 1.126 pessoas testadas positivamente para covid-19 três dias antes de ingressarem no estudo. Nenhuma havia sido contaminada previamente, e todas apresentavam risco de evoluir para a forma severa da infecção por terem sobrepeso ou obesidade.

Os voluntários receberam a metformina por duas semanas. Segundo os autores, da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, comparado ao grupo placebo, os que tomaram o medicamento tiveram um risco 40% menor de desenvolver covid longa no período de acompanhamento, de 10 meses. "Os resultados desse estudo são importantes porque a covid longa pode ter um impacto significativo na vida das pessoas, e a metformina é um medicamento barato, seguro e amplamente disponível. Seu uso como medida preventiva pode ter implicações significativas na saúde pública", acredita Carolyn Bramante, principal autora do estudo. (Paloma Oliveto)

Fonte: correiobraziliense

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