Moradores de Fortaleza e de cidades da região metropolitana da capital cearense sofreram um novo apagão na manhã de ontem. A queda de energia ocorreu quatro dias após uma falha no sistema na mesma região, que atingiu 25 estados e o Distrito Federal. Esses incidentes acenderam um novo alerta sobre o funcionamento do sistema elétrico brasileiro, que sofreu um efeito cascata, ainda em investigação.
Nos dois casos, a interrupção foi causada por uma sobrecarga em uma linha de transmissão no Ceará, de uma subsidiária da Eletrobras. No entanto, apurações preliminares do Operador Nacional do Sistema (ONS), órgão responsável pela monitorização e operação da rede elétrica do país, apontaram que essa falha por si só não seria capaz de gerar tamanho transtorno.
Enquanto apura as causas, o ONS adotou uma postura mais conservadora na operação do sistema. Uma das medidas foi limitar o envio de energia renovável do Nordeste para o restante do país. O posicionamento do órgão reforçou as suspeitas de agentes do setor de que um excesso momentâneo de geração das fontes renováveis e um possível erro de cálculo no planejamento da operação do Sistema Interligado Nacional (SIN), para compensar esse excedente, provocaram a falha na transmissão que desencadeou o blecaute.
Engenheiro elétrico do Instituto Ilumina, Roberto D'Araújo destaca que o Nordeste tem enviado bastante energia eólica e solar para o restante do país e que essas fontes renováveis exigem compensar as variações. "Temos um vento extraordinário no Nordeste, com uma grande concentração de eólicas. Hoje, a região está exportando energia para o Norte e o Sudeste. Só que, como as eólicas não têm inércia, as variações dos ventos precisam ser compensadas pelas turbinas hidráulicas, o que aparentemente gerou essa instabilidade", explica.
A energia intermitente é aquela gerada por uma fonte que não pode ser armazenada em sua forma original e, por isso, só é transformada em eletricidade enquanto o recurso estiver disponível no sistema de geração. Dessa forma, a geração terá um desempenho variável durante o dia, havendo pausas e retomadas, conforme a disponibilidade da fonte principal utilizada.
Segundo D'Araújo, a compensação das variações das eólicas e solares são feitas de forma gratuita pelas usinas hidrelétricas, mas com o grande avanço das renováveis, o setor elétrico já estuda iniciar a cobrança por esse tratamento. "Já está se falando de criar uma espécie de tarifa para o que chamam de serviços auxiliares, que é essa capacidade de uma usina hidrelétrica variar rapidamente para compensar as renováveis." Para o engenheiro, o grande desafio do setor elétrico no momento é encontrar sinergia: "Não é ser contra as renováveis, pelo contrário, mas é preciso que o sistema como um todo tenha capacidade de compensar as variações, tanto do sol como do vento." Ele demonstra preocupação ainda com o valor da tarifa brasileira. "Já está muito cara, não é só o fato de ter encargos. Se olharmos o preço do quilowatt-hora comparado com outros países semelhantes, como no Canadá, que tem também grandes reservatórios, o Brasil está extremamente caro. Eu não consigo entender um país que tem tanto sol, tantos rios, tantas usinas, não consegue oferecer uma energia mais barata", acrescenta.
A eletricidade que chega à casa dos brasileiros é fornecida pelo sistema interligado, o SIN. As regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e a maior parte do Norte estão conectadas ao sistema. Roraima é o único estado que não está integrado ao SIN, tendo o abastecimento feito parcialmente pela Venezuela.
Quando ocorre um problema na rede de transmissão ou na subestação de energia, os reflexos podem rapidamente se espalhar pelo país, criando um efeito cascata. O SIN conta com uma rede de apoio, chamada de "backup", com o objetivo de evitar apagões como o da última terça-feira. Assim, na teoria, quando um ponto da rede apresenta problema, o sistema de apoio é automaticamente acionado.
Na avaliação de João Guilherme Mattos, diretor-presidente da holding brasileira Oncorp, o apagão poderia ser evitado se houvesse subsistemas nos principais centros de carga do país, com autonomia de geração. "Notamos que o sistema interligado não se aprimorou no decorrer do tempo. Por isso, muito se fala na criação de subsistemas, em que você poderia mitigar os efeitos de uma causa como o que aconteceu."
Apesar da sugestão, há especialistas que acreditam que desmembrar o sistema interligado seria um grande perigo ao país, além de deixar a conta de energia ainda mais cara. D'Araújo, do Ilumina, ressalta que, se isso ocorrer, "com certeza, a tarifa vai subir, além do desequilíbrio que seria gerado". "Temos que fazer tudo para continuarmos sendo atendidos por um sistema integrado nacional, porque temos climas e condições muito diferentes no Brasil", sentencia.
Ao longo das últimas décadas, alguns apagões ocorreram no Brasil. Os motivos vão da falta de geração de energia a falhas de transmissão, com impactos em diversas regiões do país. O mais grave foi o apagão de 2001, como ficou conhecida a crise energética que afetou o país naquele ano. De acordo com especialistas, o apagão da última semana é completamente diferente do que aconteceu em 2001. Naquela época, o país vivia um período de seca nos reservatórios, e a falta de planejamento e ação rápida — aliadas ao aumento da demanda por eletricidade e à alta dependência das hidrelétricas —, fez com que houvesse uma sobrecarga no sistema elétrico e foi necessário o racionamento.
Se, naquele momento, o problema estava relacionado à falta de geração de energia, a situação agora é contrária. Professor de engenharia elétrica da Universidade de Brasília (UnB), Ivan Camargo afirma que, em termos energéticos, a situação do Brasil é bastante confortável, diferentemente do passado, quando o país sofreu com grandes apagões e até o racionamento de energia. "Nossa geração de energia elétrica ainda é predominantemente hidráulica. Estamos em um ano particularmente úmido, com os reservatórios bem cheios. Assim, a possibilidade de atendimento da carga aumenta muito quando comparada com anos secos onde os geradores hidráulicos têm restrições operativas", avalia. No primeiro semestre de 2023, o Brasil arrecadou R$ 750 milhões exportando energia elétrica para países vizinhos.
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