O bloco que representa 40% da população mundial e 26% de toda a riqueza gerada no planeta começa, na terça-feira (22/8), uma reunião que especialistas e diplomatas acreditam que pode ser decisiva e ter impactos na geopolítica mundial.
A Cúpula dos Brics — grupo que reúne Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul — será realizada em Joanesburgo e pode definir se o bloco irá se expandir, um movimento visto com preocupação dentro e fora do grupo. O evento vai até a quinta-feira (24/8).
Esta será a primeira reunião presencial dos chefes de Estado dos Brics desde a pandemia de covid-19, que começou em 2020. Todos os líderes irão à cúpula pessoalmente, exceto pelo presidente russo, Vladimir Putin, que participará de forma virtual.
Ele é alvo de um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPP) por supostos crimes cometidos pela Rússia durante guerra com a Ucrânia e a África do Sul é um dos países que fazem parte do tribunal, o que poderia obrigá-la a prender Putin caso ele pisasse em território sul-africano.
Esta será, também, a primeira cúpula dos Brics à qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai participar após assumir seu terceiro mandato. Ele foi um dos fundadores do grupo, criado em 2006, ainda sem a África do Sul, que se juntou ao bloco em 2010.
Apesar de a expansão dos Brics atrair a maior parte das atenções para a cúpula, a reunião também deverá ser marcada por outros temas como a possível criação de uma unidade monetária comum a ser usada entre os membros do grupo e, inevitavelmente, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
Analistas e diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que a reunião pode ter efeitos importantes sobre a política e economia internacional tanto pela possível expansão do bloco quanto pela possível criação de uma alternativa ao uso do dólar em transações comerciais.
A seguir, relembre o início do bloco e entenda os principais temas deste encontro.
O termo "Brics" surgiu em 2001 e foi cunhado pelo economista inglês Jim O’Neil para designar um grupo de países inicialmente formado pelo Brasil, Rússia, Índia e China em função das perspectivas de crescimento acentuado de suas economias.
Em 2006, os quatro países começaram a se reunir de forma conjunta e, em 2011, a África do Sul passou a fazer parte formalmente do grupo.
Atualmente, os países do Brics têm uma população somada de quase 3,26 bilhões de pessoas.
O PIB do bloco supera os US$ 26 trilhões de dólares, fortemente ancorado na locomotiva chinesa, segunda maior economia do mundo, atrás somente dos Estados Unidos.
Desde a consolidação do bloco, os cinco países realizam diversas reuniões multilaterais para debater temas econômicos e políticos.
O grupo passou, então, a ser visto como um fórum multilateral alternativo àqueles considerados mais tradicionais como o G7 (grupo dos sete países mais desenvolvidos do mundo) e o G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo).
Antes tratada como uma possibilidade distante, a expansão dos Brics será um dos temas principais da reunião entre os líderes do bloco, especialmente da reunião reservada que está prevista para a noite de terça-feira (22/8).
Fontes ouvidas pela BBC News Brasil em caráter reservado apontam que há três cenários possíveis em relação ao tema.
No primeiro, o bloco apresentaria apenas os critérios para o acesso de novos países ao grupo. O Brasil é um dos que apoia essa hipótese.
No segundo cenário, o grupo apresentaria os nomes de novos membros.
No terceiro, o bloco anuncia os critérios, seus novos integrantes e os nomes de outros países que poderiam aderir ao grupo na condição de parceiros, mas não como membros efetivos.
A China vem sendo apontada como a principal interessada em ampliar o número de membros do bloco. Nos últimos anos, a ideia de expansão dos Brics passou a ser defendida abertamente por lideranças chinesas.
"A China propõe iniciar o processo de expansão do Brics, explorar um critério e procedimentos para a expansão e, gradualmente, formar um consenso", disse o ministro de Relações Exteriores da China, Wang Yi, em maio de 2022.
O tema já havia sido da visita do presidente brasileiro à China, em abril deste ano, como mostrou a BBC News Brasil.
“A expansão dos BRICS está na agenda do encontro privado dos líderes”, confirmou o secretário para as regiões da Ásia e Oceano Pacífico do Ministério das Relações Exteriores, Eduardo Saboia, em conversa com jornalistas na semana passada à qual a BBC News Brasil esteve presente.
O movimento chinês é visto por analistas como uma forma de aumentar a influência global do país em um momento em que suas relações com países como os Estados Unidos estão abaladas.
Os norte-americanos acusam a China de espionagem e de práticas comerciais abusivas. O governo de Pequim rebate e acusa os Estados Unidos de protecionismo comercial e perseguição a empresas chinesas.
O cálculo chinês apontaria que uma ampliação dos Brics diminuiria as chances de o país ficar isolado caso as relações com os Estados Unidos piorem nos próximos anos e poderia servir de contraponto ao G7, formado pelos Estados Unidos e potências da Europa Ocidental como Reino Unido, França e Alemanha.
Mas apesar da força com a qual a China tenta liderar a expansão dos Brics, países do bloco vinham oferecendo alguma resistência nos últimos anos.
Entre eles, estão o Brasil e a Índia. Nos bastidores, diplomatas brasileiros ouvidos em caráter reservado pontuam que a expansão do bloco não poderia ser feita apenas para atender aos interesses chineses.
Um dos temores do Brasil seria o de que uma expansão acelerada do bloco poderia diminuir a influência do Brasil nos Brics, grupo que ajudou a fundar e que é visto como estratégico no próprio plano brasileiro de manter e aumentar sua influência global nos próximos anos.
“A entrada de novos países, a priori, tende a diminuir o poder relativo do Brasil no Bloco rumo à consolidação da liderança e influência chinesa sobre o Bloco”, disse à BBC News Brasil a professora de Relações Internacionais da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (Nupri-USP), Marília Souza Pimenta.
Segundo o Itamaraty, pelo menos 22 países já apresentaram interesse em se juntar aos Brics, incluindo nações de diferentes continentes como Argentina, Emirados Árabes Unidos, entre outros.
Sobre movimentação chinesa e o lobby de países interessados em entrar no bloco, Brasil e Índia, que eram resistentes à ideia, passaram a defender que o grupo primeiro definisse critérios para a análise dos pedidos de adesão.
Mais recentemente, porém, Lula chegou a defender a entrada de países como a Argentina, Venezuela, Arábia Saudita e Emirados Unidos no grupo.
O professor de geopolítica da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e pesquisador visitante da Universidade Fudan, na China, Pablo Ibanez, avalia que o Brasil teve pouca margem de manobra diante da pressão chinesa pela expansão do bloco.
“Pela forma como está conduzida e a velocidade de novos proponentes, parece não haver saída e o Brasil percebeu isso [...] são duas visões, uma da presidência, mais favorável, pois entende que fortaleceria o Sul Global, e outra do Itamaraty, mais reticente, pois necessariamente diluiria o grupo, aumentaria a proeminência chinesa e ainda carece de melhor estudo sobre as formas e os critérios de adesão”, disse Ibanez à BBC News Brasil.
Na avaliação de Eduardo Saboia, um dos critérios de adesão que interessa ao Brasil é o possível apoio dos países que postulam entrar nos Brics à reformulação do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, uma pauta histórica da diplomacia brasileira.
“Nessa ampliação, é importante que se fortaleça o ímpeto reformista do Brics, inclusive em matéria de reforma do conselho de segurança”, disse Saboia.
Outro tema que será debatido pelos líderes dos Brics será a criação de uma unidade monetária comum a ser usada pelos países do bloco em suas transações comerciais.
A ideia seria a criação de uma unidade de referência comum, com a qual os países do bloco pudessem fazer suas transações comerciais sem depender do dólar como referência.
A medida não extinguiria as moedas nacionais dos países do bloco.
O objetivo seria criar uma alternativa para driblar a dependência internacional em relação ao dólar norte-americano, referência no comércio global.
Dados do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, apontam que, entre 1999 e 2019, 96% das transações comerciais no continente americano foram feitas em dólar. Na região da Ásia e do Pacífico, esse percentual ficou em 74%. Na Europa, o euro predomina, com mais de 60% do volume. No resto do mundo, o dólar volta a dominar, com 79%.
A redução da dependência em relação ao dólar é uma pauta defendida pelo governo chinês há alguns anos e ganhou o apoio de Lula, particularmente, após ele assumir seu terceiro mandato.
Em visitas à Argentina e à China, Lula fez uma defesa direta da adoção de outras moedas no comércio internacional.
“Toda noite, me pergunto por que é que todos os países estão obrigados a fazer seu comércio lastreado no dólar. Por que é que nós não podemos fazer o nosso comércio lastreado na nossa moeda? Por que é que nós não temos o compromisso de inovar?", disse Lula em Xangai, na China, em abril.
A Rússia, que virou alvo de sanções econômicas no último ano por conta da guerra com a Ucrânia, também tem interesse em depender menos do dólar para realizar seu comércio global.
A BBC News Brasil mostrou que, segundo especialistas, reduzir a dependência em relação ao dólar é um dos pilares do plano brasileiro de aumentar sua influência global.
O terceiro ponto que deve ser pauta da reunião dos líderes dos Brics neste ano é a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. A tendência é de que não haja novidades em relação à posição do grupo, justamente pela presença da Rússia no bloco.
O conflito começou em fevereiro de 2022, quando a Rússia, liderada por Putin, invadiu o território ucraniano sob a alegação de que protegeria minorias étnicas russas sob suposta ameaça no país vizinho.
Desde então, a guerra se arrasta por mais de um ano. A Ucrânia resiste à ofensiva russa com o apoio financeiro e militar de países como os Estados Unidos e da Europa Ocidental, como o Reino Unido, França e Alemanha.
Considerando a sensibilidade do tema para os russos, a declaração final da cúpula no ano passado não trouxe condenação em relação à invasão russa.
Houve apenas a defesa de que Rússia e Ucrânia mantivessem conversas sobre o assunto e que o tema fosse abordado em fóruns como a Assembleia Geral e no Conselho de Segurança da ONU.
A expectativa é de que o tom adotado na declaração deste ano seja semelhante.
O conflito fez com que países dos Brics passassem a ser cobrados publicamente por seus posicionamentos em relação ao conflito em fóruns internacionais.
Nesse aspecto, a posição do Brasil é diferente da dos demais membros do grupo. Um termômetro dessa diferença se deu em fevereiro deste ano.
Naquele mês, os países-membros da Assembleia Geral da ONU votaram pela condenação da Rússia pela invasão à Ucrânia e pediram a retirada das tropas comandadas por Putin do território inimigo.
Ao todo, 141 países votaram a favor, 32 se abstiveram e sete votaram contra a resolução.
Entre os Brics, o Brasil foi o único que votou a favor da resolução. A Rússia, obviamente, votou contra. África do Sul, Índia e China se abstiveram.
O embaixador Eduardo Saboia disse que a declaração final da cúpula, texto que ainda está sendo negociado pelos representantes dos cinco países, não deverá trazer surpresas sobre o assunto.
“Com relação ao conflito, temos que diferenciar o que é discutido e o que ficará na declaração. Certamente, o que é conversado pelos líderes será muito mais rico do que o que ficará na declaração. Ela (a declaração) resguarda as posições dos países”, disse o diplomata.
Para a professora Marília Pimenta, à medida em que os Brics cresçam, vai ficar mais difícil que o bloco evite o tema da guerra na Ucrânia.
“O fórum dos Brics não me parece o local adequado para que (os líderes) emitam declarações sobre a guerra na Ucrânia, até pela abstenção na ONU por parte da China, Índia e África do Sul [...]Agora, à medida em que o Bloco ganha um caráter e um peso mais geopolítico, vai ficar difícil manter posições de dubiedade em nome do pragmatismo econômico”, disse a professora.
Fonte: correiobraziliense
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