A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) notificou a agência de viagens 123 Milhas para prestar esclarecimentos sobre a suspensão temporária dos pacotes com datas flexíveis e a emissão de passagens promocionais. O órgão, vinculado ao Ministério da Justiça, atuará em conjunto com o Ministério do Turismo para tentar evitar prejuízos aos consumidores.
Segundo a Senacon, a modalidade de venda de passagens por meio de transferência de milhas precisa obedecer o Código de Defesa do Consumidor, e a cláusula contratual que permita cancelamento de forma unilateral é abusiva e, consequentemente, nula.
Na noite de sexta-feira, a 123 Milhas anunciou a suspensão de passagens e pacotes promocionais com embarque previsto de setembro a dezembro de 2023. Em comunicado, a companhia aponta como causas "fatores econômicos e de mercado", como a elevada taxa de juros e preços das passagens.
A empresa informou que devolverá integralmente os valores pagos pelos clientes por meio de "vouchers", acrescidos de correção monetária de 150% do Certificado de Depósito Interbancário (CDI). Os vouchers poderão ser usados apenas em outros produtos da 123 milhas, como passagens, hotéis e pacotes turísticos, adquiridos dentro da plataforma.
De acordo com o secretário da Senacon, Wadih Damous, a empresa é obrigada a oferecer o dinheiro de volta como ressarcimento, e não voucher. "A empresa não pode impor como ressarcimento uma modalidade que não seja dinheiro. Ela até pode oferecer os vouchers, mas os consumidores têm que ter a possibilidade de escolher a modalidade de ressarcimento que quiserem. A responsabilidade pela rescisão unilateral é da empresa. Então, isso é nulo", afirmou.
O Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci) apresentou à Justiça uma ação civil pública em que pede o bloqueio das contas bancárias ligadas à agência e aos sócios ou acionistas da empresa.
O ministro do Turismo, Celso Sabino, informou que a pasta suspendeu a agência do Cadastur, um cadastro nacional de empresas do setor que possibilita a obtenção de empréstimos e financiamentos em bancos oficiais.
Sonho interrompido
A enfermeira Gyslenia Alves, 38 anos, contava os dias para a viagem para a Europa em outubro, que estava planejada desde julho do ano passado. "Iria com meu marido, minha cunhada e o esposo dela. Juntamos dinheiro por mais de um ano, marcamos férias no trabalho e, agora, tivemos essa surpresa", lamentou.
Segundo a enfermeira, o prejuízo com as passagens será de R$ 1.900 por pessoa, mas chegará a mais de R$ 11 mil considerando toda a programação da viagem, que ela acredita que não conseguirá mais fazer. "Já estamos com tudo pago, hospedagens e passagens internas, íamos para Roma, para Paris. Oferecer apenas um voucher é inadmissível, eles tem que dar outra opção para o cliente. Pretendemos entrar na Justiça para reaver o prejuízo e obter ressarcimento por danos morais."
Especialista em direito do consumidor, a advogada Gabriela Guerra aconselha os clientes lesados a reunirem todas as provas possíveis para reaver custos adicionais com a viagem planejada. "De reservas de hotel que não conseguiram cancelar sem nenhum desconto, voos extras que já tinham adquirido à parte, enfim, toda a documentação necessária para uma ação indenizatória caso a empresa não assuma os prejuízos", orientou.
A também advogada Bárbara Willians destacou que o cliente não tem obrigação de aceitar o voucher. "É possível forçar a empresa a fazer essa viagem. Mas é preciso entrar com uma ação judicial, não há alternativa. Tanto o Procon quanto o Reclame Aqui são órgãos que as pessoas procuram, mas que não têm poder de obrigar a empresa a tomar algum tipo de decisão", disse.
Assim como a 123 Milhas, a Hurb, no início do ano, passou pelo mesmo processo. Em ambos os casos, de acordo com especialistas, o motivo do cancelamento é o mesmo: a impossibilidade de realizar as viagens no preço contratado pelos clientes. As empresas oferecem passagens e hospedagens abaixo dos preços de mercado. No entanto, em alguns pacotes, as viagens não têm data marcada, porque é necessário buscar os dias de voo e estadia mais baratos.
Com o crescimento da busca por viagens após a pandemia, a inflação de serviços, como passagens aéreas, hospedagens e passeios inviabilizou o valor das viagens, e as empresas passaram a não encontrar opções dentro da faixa de preços cobrada nos pacotes.
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