O novo arcabouço fiscal, aprovado pela Câmara dos Deputados, na noite da última terça-feira (22), após retornar do Senado Federal, ainda não é garantia de que as contas públicas ficarão equilibradas tão cedo, ao contrário do que tem sinalizado o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Nesta quarta-feira, em Johanesburgo, na Àfrica do Sul, onde participa da reunião dos Brics, Haddad comemorou a decisão da Câmara, mas reconheceu que zerar o deficit primário em 2024, como está previsto na nova regra, será "um grande desafio".
A nova meta fiscal ainda precisa ser sancionada pelo Executivo, e as estimativas de analistas apontam para um rombo fiscal, neste ano e no próximo, em torno de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, cerca de R$ 100 bilhões. Para especialistas, a redação do arcabouço é confusa e as metas, difíceis de serem cumpridas, apesar das promessas do governo de encontra receitas suficientes para equilibrar o Orçamento.
O economista-chefe da Ryo Investimentos, Gabriel Leal de Barros, acredita que o quadro fiscal ainda pode ficar pior a partir de 2025, porque a tendência é de que dificilmente ocorra uma estabilização da dívida pública, como prometido por Haddad na apresentação do novo marco fiscal.
"O arcabouço tem problemas no seu desenho, e só fica de pé em cenários macro positivos. O fato de terem elevado o pé direito do teto, com a PEC da Transição, e a provável aprovação na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que autoriza o uso da inflação a maior, evitam um problema no curtíssimo prazo, mas não o afastam do horizonte relevante da política econômica", afirmou Barros.
Pelos cálculos dele, exceções aprovadas pelos parlamentares, como a retirada do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), tendem a contribuir para atrapalhar na estabilização da dívida pública. Esta e outras medidas somam R$ 62 bilhões fora do limite de gastos do arcabouço.
Barros ressaltou que a bomba fiscal dos precatórios — dívidas judiciais da União — ainda não está desarmada, e isso também vai ajudar a piorar o quadro fiscal a partir de 2026, pois o valor não está na conta e pode alcançar muito mais do que os R$ 200 bilhões estimados pelo Ministério do Planejamento. "A expectativa do governo é de que as medidas anunciadas pelo Haddad sejam suficientes, mas o mercado não acredita", disse.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, considerou que a aprovação do arcabouço foi uma vitória para o governo, "porque não houve grandes mudanças em relação ao texto original". Contudo, alertou para os obstáculos que o governo vai encontrar.
"O desafio é entregar os resultados projetados. Os superavits dificilmente serão atingidos já no ano que vem, e, com isso, a trajetória da dívida vai continuar sendo um problema. O arcabouço era a regra possível, mas está longe de afastar as questões fiscais do centro da discussão nos próximos anos", destacou. Para Vale, as metas dificilmente serão cumpridas. "Precisaria ter uma coisa muito positiva para mudar o cenário, o que não é o caso", afirmou ele que prevê deficit primário de 1,3% do PIB neste ano e saldo negativo de 0,7% do PIB, no ano que vem.
De acordo com o economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, o arcabouço fiscal será cumprido, mas isso não significa que o resultado primário será zero no ano que vem. "Hoje, projeto um deficit primário de 0,9% do PIB. A questão é que o arcabouço prevê o rompimento da meta de primário, a partir do que se acionam gatilhos para conter despesas. Este será o teste do governo", afirmou.
Para Salto, o arcabouço "cria bases mínimas razoáveis para o comportamento das variáveis fiscais". "O desafio é cumprir. Fui o único a falar no início que a regra era boa. E é. Mas repito: a execução terá de ser correta, sem desvios." Na avaliação dele, as regras não ficaram flexíveis. "A flexibilidade é uma das características apontadas na literatura como desejáveis para as regras fiscais. A questão é que, quanto mais flexíveis, maior a dependência do compromisso político em torno da regra. Não adianta ter uma regra dura como a anterior (teto de gastos), modificada inúmeras vezes e nunca cumprida na prática, apenas para inglês ver", acrescentou.
Um dos principais problemas para alcançar deficit zero no ano que vem é a frustração de receitas. Os deputados, por exemplo, derrubaram um artigo do arcabouço que permitia ao governo enviar, no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2024, o valor das despesas considerando a projeção da inflação até o fim deste ano, o que abriria um espaço fiscal de até R$ 40 bilhões na peça orçamentária. Na versão final, a inflação a ser levada em conta é a de 12 meses até julho deste ano, que será menor.
"O governo só vai poder suplementar essas despesas no ano que vem. Só não daria para colocar a despesa condicionada no Ploa agora em agosto", destacou a economista Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado.
Além disso, é provável que o governo ainda tenha frustração com o crescimento da economia em 2024, o que implicará arrecadação menor do que neste ano. A previsão do mercado é de que a alta do PIB caia de 2,3% para 1,3% — bem abaixo da que consta do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO).
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